Como mostrou o Congresso em Foco, o PSC institucionalizou a prática de obrigar seus servidores a devolver ao partido parte dos seus salários. Mas esse expediente está longe de ser uma exclusividade do PSC, ou de ocorrer apenas na Câmara dos Deputados. O assunto é cochichado como “segredo de polichinelo” nos corredores do Congresso, das Assembleias Legislativas e das Câmaras de Vereadores. Mas raramente chega aos ouvidos do público. A acusação geralmente é sufocada pelo temor dos funcionários de sofrer represálias dos parlamentares, pela dificuldade de reunir provas contundentes contra os denunciados ou, ainda, pelo ceticismo deflagrado pela tradicional falta de punição.
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Porém, quando a suspeita se torna pública, o roteiro costuma ser o mesmo: um ex-funcionário denuncia o ex-chefe; o parlamentar rebate a acusação e a qualifica como “vingança” de servidor contrariado porque perdeu o emprego; abre-se uma investigação, mas ninguém é punido. Em alguns casos, mesmo com os indícios, as investigações nem chegam a ser abertas.
A seguir, o Congresso em Foco resgata uma série de denúncias sobre apropriação de salários de funcionários que vieram a público:
“Só no meu?”
Em agosto deste ano, um vereador do município de Colombo, região metropolitana de Curitiba, foi preso em flagrante, acusado de ficar com parte do salário dos assessores. Segundo os policiais, Oliveira da Ambulância (PTB) ficava com dois terços dos R$ 3,9 mil que deveriam ser pagos aos funcionários. De acordo com a denúncia, o servidor retirava o dinheiro no banco e voltava ao gabinete para devolver a maior parte do salário ao vereador.
Surpreso com o flagrante, o vereador perguntou aos policiais se eles vão aos demais gabinetes, insinuando que a prática é recorrente. “Só no meu?”, questionou. Ele passou três dias na cadeia e responde pelo crime de peculato, passível de dois a 12 anos de prisão. O vereador alegou em sua defesa que o dinheiro que estava em seu gabinete era economia para trocar o motor de sua ambulância. O processo corre na Justiça paranaense.
Veja o vídeo com o flagrante dado em Oliveira da Ambulância:
Passagens e fantasmas
No final do ano passado, uma série de manobras protelatórias por parte do acusado resultou no arquivamento de uma representação contra o então deputado Paulo Roberto Pereira (PTB-RS). O relator do caso, Chico Alencar (PSOL-RJ), recomendou a cassação do mandato do petebista, mas o Conselho de Ética decidiu encerrar suas atividades sem analisar o parecer após Paulo Roberto apresentar sucessivas licenças médicas.
Inicialmente investigado por comércio ilegal de créditos de passagens, denúncia da qual foi absolvido, o deputado se viu acusado de contratar funcionários fantasmas e embolsar seus salários. A denúncia partiu de um funcionário que admitiu ter contratado o próprio filho para garantir o repasse ao parlamentar.
Na defesa enviada no último momento ao Conselho de Ética, Paulo Roberto atribuiu a denúncia a uma tentativa de vingança do servidor, exonerado por ele. Com o encerramento da legislatura, o Conselho decidiu arquivar a representação. A única punição que o deputado recebeu foi das urnas: não teve votos suficientes para se reeleger.
Irmãs laranjas
Um político que não conseguiu se reeleger e também foi acusado de contratar fantasmas foi o ex-senador Efraim Morais (DEM-PB). A ação que investiga o uso de duas irmãs como laranjas de um esquema de desvio de salários passou do Supremo Tribunal Federal (STF) para o Tribunal Regional Federal da 5ª Região com a perda do foro privilegiado decorrente do término do mandato de Efraim em fevereiro. Embora a investigação tenha sido iniciada pela Polícia Legislativa do Senado, o ex-senador não chegou a responder a processo por quebra de decoro parlamentar.
No primeiro semestre de 2010, duas estudantes universitárias descobriram que estavam lotadas no gabinete de Efraim Morais quando uma delas tentou abrir uma conta bancária. A conta era movimentada por uma funcionária terceirizada e por uma assessora jurídica do ex-primeiro-secretário do Senado. As irmãs não tinham emprego fixo, mas recebiam o que acreditavam ser uma bolsa de estudos de R$ 100 da UnB (Universidade de Brasília).
Segundo elas, duas amigas, que trabalhavam para Efraim, pediram seus documentos e autorização para abrir conta em banco para depositar a “ajuda”. As irmãs informaram que nunca receberam o cartão do banco porque a “bolsa” era entregue em casa. Em depoimento, as servidoras ligadas ao senador disseram que Efraim não tinha conhecimento da contratação das duas estudantes. As duas assessoras – que também eram irmãs – contaram que contrataram as duas jovens e fizeram os descontos em seus salários para receber uma antiga dívida.
A versão das assessoras, porém, foi contestada pela chefe de gabinete do parlamentar, que disse que o próprio senador ordenou as contratações. Efraim evitou comentar o assunto, alegando que não tinha nada a ver com a história. Ele foi apenas o quarto colocado na disputa a uma vaga ao Senado na Paraíba e ficou sem mandato.
Gravação ignorada
Uma gravação divulgada pelo Congresso em Foco em 2009 foi solenemente ignorada pela Câmara. Numa conversa gravada, o então deputado licenciado Paulo Bauer (PSDB-SC) admitia que usou uma funcionária fantasma para repassar a verba para um correligionário no estado. Na conversa, o deputado declarou a um ex-servidor da Casa que mandou dois assessores procurarem “uma mulher” para “emprestar o nome”.
No caso, “emprestar o nome” significava aceitar a contratação sem ficar com o salário integralmente, de modo a que os recursos pudessem ser desviados. O salário, de acordo com a gravação, era repassado a um correligionário de Bauer no estado. Além disso, uma ex-funcionária do gabinete contou ao site, na época, que recebia sem trabalhar: a ex-servidora disse que ficava apenas com o tíquete-alimentação. O restante, segundo ela, era repassado à chefia de gabinete do deputado.
Paulo Bauer era secretário de Educação de Santa Catarina naquela época. Nenhum movimento para apurar o teor da conversa ocorreu na Câmara. Atualmente, o tucano ocupa uma cadeira no Senado. O tucano chegou a dizer, em entrevista ao Congresso em Foco, que as gravações não mereciam crédito porque poderiam ter sido editadas e que não foram submetidas a uma perícia. Em outros momentos, o então deputado alegou ter feito as declarações para tentar obter mais informações de seu interlocutor, que, naquele momento, prestava explicações sobre como vendeu créditos de passagens de Bauer. “Eu tive que criar situações e construir hipóteses e fatos para ver, evidentemente, do que se tratava e onde estava o problema dele.”
Absolvido do mensalinho
Outra gravação envolvendo um parlamentar causou polêmica no Senado em 2005. O então senador Geraldo Mesquita Júnior (AC) foi acusado de reter 40% dos salários dos servidores de seu gabinete. A denúncia foi parar no Conselho de Ética da Casa a pedido da presidenta de seu partido à época, a então senadora Heloísa Helena (Psol-AL). Geraldo foi absolvido por unanimidade. O relator, Demóstenes Torres (DEM-GO), concluiu que a denúncia contra o colega não se sustentava.
“As investigações demonstraram que não há sequer indício de que o senador tenha determinado a devolução de 40% dos salários, o ‘mensalinho’. A denúncia contra o senador Geraldo Mesquita Júnior é absolutamente improcedente”, relatou o parlamentar goiano. A acusação contra o então senador partiu de um ex-funcionário, demitido um ano antes do gabinete. Uma conversa entre esse ex-servidor e outros dois assistentes do senador indicava um acordo entre as partes. O dinheiro, segundo a gravação, seria usado para custear despesas relacionadas ao mandato. Geraldo Mesquita Júnior admitiu que alguns servidores repassavam contribuições espontâneas, mas negou que os repasses fossem uma pré-condição para os funcionários seguirem trabalhando no gabinete. O senador teve que sair do PSOL e se filiou depois ao PMDB.
Caixinha de campanha
No ano passado, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) confirmou o entendimento de que o parlamentar que retém salário de servidor comete improbidade administrativa. Vereadores haviam sido condenados à perda dos direitos políticos por dez anos, proibidos de firmar contrato com o poder público por igual período e multados.
O reconhecimento se deu quando o STJ julgou um recurso apresentado por três vereadores de Diadema, município do Grande ABC Paulista, condenados em instância inferior. Os ministros acolheram apenas em parte o recurso, reduzindo a pena imposta pelo Tribunal de Justiça de São Paulo para três anos de proibição de contratar com o poder público.
O dinheiro arrecadado pelos vereadores era usado para manter “caixinha” de campanha e cobrir despesas de gabinete como a contratação de assessores “informais”. Para o STJ, mesmo que as contribuições fossem espontâneas, o caso configura violação aos princípios administrativos da “moralidade, finalidade, legalidade e do interesse público”.
Chico das Verduras
Em setembro deste ano, a Justiça de Roraima condenou o ex-deputado federal Chico das Verduras (PRP-RR) também por ato de improbidade administrativa. O juiz César Henrique Alves entendeu que Chico se apropriou do salário dos assessores quando era deputado estadual nos anos de 2003 e 2004. A pena imposta foi de suspensão dos direitos políticos por oito anos, multa equivalente a três vezes o valor embolsado indevidamente e o ex-deputado foi proibido de contratar com o poder público por dez anos. Cabe recurso à decisão.
“Os dois servidores recebiam apenas uma pequena parte de seu salário, sendo que 30% do valor recebido por eles (servidores) eram desviados diretamente para o próprio deputado. Eles só tomaram conhecimento de que eram funcionários da ALE [Assembléia Legislativa] em 2004, após uma notificação da Receita Federal. Os servidores não prestaram serviços a ALE, mas apenas serviços particulares ao ex-parlamentar, de maneira que a presença dos mesmos só se materializava nos dias de pagamento e nos numerários repassados ao ex-deputado”, diz a ação.
Chico das Verduras ficou conhecido no início do ano. Eleito com a menor votação do país – recebeu apenas 5.903 votos -, ele se tornou o primeiro parlamentar do Congresso a perder o mandato na atual legislatura. Ele foi cassado em maio pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE-RR) por compra de votos.