Eduardo Militão e Edson Sardinha
Uma ação popular cobra a devolução de R$ 265 milhões em contribuições à Previdência Social não recolhidas pela Universidade Luterana do Brasil (Ulbra) – uma das instituições investigadas pela Operação Fariseu, da Polícia Federal, que apurou negociação de certificados de filantropia, que garantem a isenção de impostos.
Na sexta-feira passada (9), o juiz da 1ª Vara Federal de Canoas (RS), Guilherme Pinho Machado, mandou intimar a universidade, seu dirigente Ruben Eugen Becker, a União e o secretário-executivo do Ministério da Justiça, Luiz Paulo Teles Ferreira Barreto.
Como mostrou o Congresso em Foco no ano passado, o número 2 do ministro Tarso Genro renovou um Título de Utilidade Pública Federal (Tupf) da Ulbra. Em maio de 2008, ele ocupava o cargo de ministro da Justiça interino. O título da universidade havia sido cancelado em 2003 pelo então ministro Márcio Thomaz Bastos.
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Com o documento, é possível obter um Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social (Cebas) e, assim, não pagar uma série de tributos, como a contribuição ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), a Contribuição sobre o Lucro Líquido (CSLL), o Programa de Integração Social (PIS) e a Contribuição Financeira Social (Cofins).
O autor da ação popular, ajuizada no mês passado, é o bancário Ariel Oliveira dos Santos, morador de Caxias do Sul (RS). Ele lembra que a renovação do título da Ulbra serviu para auxiliar a universidade a se defender em execuções fiscais a que responde na Justiça, que somam R$ 2 bilhões – sendo meio bilhão referente à falta de pagamento das contribuições à Previdência Social. A entidade é a quarta maior devedora do INSS no país, atrás apenas das empresas aéreas Varig, Vasp e Transbrasil.
PublicidadeSob questionamento
O título da Ulbra foi cancelado em 2003 pelo governo porque a instituição não atendia aos requisitos de entidade filantrópica: remunerava seus diretores e não concedia serviços gratuitos à população que justificassem a isenção de impostos, como a distribuição de bolsas de estudos (20% das vagas) aos alunos e atendimento pelo SUS em hospitais (60% dos atendimentos).
Ariel Oliveira cita a Informação 230/2002, do Ministério da Justiça, sobre as prestações de contas da Comunidade Evangélica Luterana São Paulo (Celsp) – a mantenedora da Ulbra – e de quatro hospitais com 400 leitos. O documento mostra que o patrimônio líquido da instituição subiu mais de 1.200% entre 1995 e 2001. Somente nesse período, saltou de R$ 55,9 milhões para R$ 754 milhões.
Segundo a legislação, o percentual mínimo de concessão de bolsas deve ser de 20%. Mas só em 2000 e 2001, de acordo com a denúncia, a Celsp cumpriu esse requisito. Considerando todos os benefícios à população, o percentual de atendimento variou de 22,25% em 1995 para 28,71% em 2001.
Ariel Oliveira diz que, com título de utilidade pública, a Ulbra obteve um certificado de filantropia (Cebas) que lhe garantiu isenção de INSS e contribuições a terceiros no valor de R$ 53 milhões anuais entre 2003 e 2008 – total de R$ 265 milhões.
Por isso, pede que a 1ª Vara Federal de Canoas ouça a Procuradoria da Fazenda da União e o Ministério Público Federal (autor da denúncia da Operação Fariseu) e determine o cancelamento imediato do título da universidade. Mas o juiz Guilherme Pinho Machado decidiu só tomar essa medida depois de conhecer as contestações da UIlbra.
O autor da ação quer que os réus – a universidade, seu dirigente Ruben Becker e o secretário-executivo do Ministério da Justiça – sejam condenados a pagar R$ 265 milhões, além dos honorários advocatícios.
Ariel Oliveira pede ainda que o Ministério Público Federal acompanhe o andamento da ação popular e que o patrimônio particular de Ruben Becker seja utilizado para pagar a dívida caso os réus sejam condenados.
Grampeados
Grampos telefônicos feitos pela PF e incluídos nos autos da Operação Fariseu, na Justiça Federal de Brasília, mostram um suposto negócio entre a Ulbra e um membro do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), do Ministério da Previdência, para obter um certificado de filantropia. O advogado Luiz Vicente Dutra, um dos seis presos durante a ação, telefona para o pró-reitor da Ulbra, Pedro Menegat
Em de 31 de outubro de 2006, os dois combinam o pagamento de R$ 5 mil ou até R$ 8 mil ao conselheiro do CNAS Misael Barreto por um parecer favorável à Celsp.
"Vê aquele assunto que eu tinha lhe proposto do conselheiro Misael fazer o parecer do desmembramento, aquilo eu acho importante, porque ele é a figura lá que trata da parte jurídica, é o único conselheiro que lida com essas questões", afirma Dutra. "Me dá uma sugestão. Dentro do critério ali, de sempre", contesta Menegat. "Eu vou ver cinco mil, cinco ou oito mil", confirma o advogado.
Outro lado
O Congresso em Foco entrou em contato na última sexta-feira (9) com a assessoria de imprensa da Ulbra e ainda aguarda retorno da entidade. Em contestação feita em 2002 ao Ministério da Justiça, a Celsp – entidade que mantém a instituição – destacou que tem 75 mil alunos em colégios e universidades, oferece 400 leitos em quatro hospitais e emprega mais de 8 mil funcionários, incluindo terceirizados e credenciados. “Pelo contingente de pessoas e pelo trabalho que desenvolve, a renovação do TUPF (Título de Utilidade Pública) é uma medida de justiça que se impõe”, disse a instituição.
Em nota enviada ao site, a assessoria do secretário-executivo do Ministério da Justiça afirma que a cobrança de R$ 265 milhões não diz respeito à pasta e que Luiz Paulo Barreto só pode ter intimado a dar explicações sobre o caso, como determinou o juiz de Canoas, com o aval do Supremo Tribunal Federal (STF), já que respondia como ministro da Justiça na época do episódio.
A assessoria argumenta que o Ministério da Justiça não tem responsabilidade sobre a isenção tributária dada à entidade mantenedora da Ulbra, porque a Celsp goza do título de utilidade pública desde 1981 (