Carol Siqueira |
Depois da Lei de Biossegurança, um novo projeto de lei ameaça dividir a bancada evangélica no Congresso: a proposta que autoriza a realização de aborto na gestação de feto sem cérebro (anencefálico). O curioso é que o autor de uma das proposições que tratam do assunto é o senador Marcelo Crivella (PL-RJ), bispo da Igreja Universal do Reino de Deus. O projeto deve causar o segundo grande cisma da bancada evangélica. Na semana passada, os religiosos se dividiram na votação da Lei de Biossegurança, que autorizou a pesquisa com células-tronco embrionárias. “Foi a primeira divisão expressiva da bancada”, reconhece o coordenador da Frente Parlamentar Evangélica, deputado Adelor Vieira (PMDB-SC). Os deputados ligados à Universal decidiram votar contra a orientação dos colegas. A derrota ainda não foi digerida pelo peemedebista, que, no ano passado, foi um dos responsáveis pela exclusão do artigo que permitia a realização de pesquisas com embriões humanos na votação do projeto na Câmara. O dispositivo foi reintroduzido pelos senadores, após pressão de cientistas e portadores de doenças degenerativas. “Nós perdemos uma batalha, mas alertamos a sociedade”, considera Adelor. Leia também Ciente de que sua proposta é polêmica, Crivella prevê uma longa discussão do tema no Congresso. “Os religiosos são geralmente pessoas muito conservadoras. Quando surgiu o debate sobre a doação de órgãos, houve um grande debate no meio. Hoje, com raras exceções, é uma coisa aceita”, lembra o senador. O bispo da Igreja Universal quer eximir de punição os envolvidos na interrupção de gravidez nos casos em que o feto não tiver cérebro. O Código Penal Brasileiro prevê detenção de um a três anos para a mulher que fizer aborto e pune com até quatro anos de reclusão quem auxiliar a interrupção da gravidez com o consentimento da gestante. O ato só é permitido em caso de estupro ou risco de vida para a mãe. No ano passado, o assunto foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF). Em uma das sessões mais tensas do ano, o Plenário revogou liminar concedida pelo ministro Marco Aurélio de Mello que autorizava uma gestante a interromper a gravidez porque o feto não apresentava cérebro. A discussão entre os ministros foi acalorada. A mulher acabou tendo o filho antes do julgamento do habeas-corpus. A criança morreu sete minutos depois do nascimento. Para o coordenador da Frente Parlamentar Evangélica, a proposta de Crivella contraria os desígnios divinos. Apesar disso, Adelor garante que a bancada não irá policiar os seus integrantes no momento do voto. “Cada parlamentar vota de acordo com a sua consciência”, afirma. Para o bispo da Universal, o assunto foge da alçada divina. “As pessoas têm problemas congênitos por agressões que o homem causa à natureza. Deus não tem nada a ver com isso. Em situações irreversíveis como essa (anencefalia), eu acho que a mãe tem o direito de tomar uma decisão”, defende. O senador diz não temer a resistência dos colegas religiosos à sua proposta. Segundo ele, a divisão da bancada em questões específicas apenas reflete as divergências que existem no Congresso. “A frente pode ser extremamente coesa quando se trata de liberdade de culto, por exemplo. Em outras questões, cada um vota de acordo com a sua consciência, o que faz parte da democracia”, comentou. O projeto está na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC) do Senado, onde aguarda parecer do relator, o senador Leomar Quintanilha (PMDB-TO). O governo deve instalar na próxima semana uma comissão – formada por representantes do Executivo, do Legislativo e da sociedade civil – para rever toda a legislação sobre interrupção de gravidez no país. O grupo deve encaminhar um projeto de lei ao Congresso para tratar do assunto ainda este ano.
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