Recentemente, perguntei para uma conhecida em quem ela tinha votado para deputado federal. Sem muitos detalhes, ela respondeu: “Votei num candidato que defende a vida”. Nem nome nem nada, apenas um lá que “defende a vida”. Naquela de querer saber o que já estava claro, continuei perguntando e questionei o que viria a ser “defende a vida”: “Um deputado que é contra o aborto”, respondeu ela.
Defender a vida virou sinônimo de ser contrário ao aborto e ponto final. A interrupção de uma gravidez parece ter se tornado o único assunto realmente estimulante nestas eleições. Uma pena. Num país, em que quase metade da população não tem saneamento básico, em que cerca de 10% da população ainda segue na linha da pobreza, e onde 14,1 milhões são analfabetos, é triste pensar que uma eleição se torna instigante apenas pelo moralismo.
Discutir ações para reduzir o número de abortos no país e minimizar os estragos trazidos por essa prática ilegal é fundamental. Independente de posições religiosas ou opiniões sobre qual é o princípio da vida, é fato que a prática do aborto é atualmente um grave problema de saúde pública. Mas transformar esse debate em tema central de uma eleição presidencial é um desperdício de democracia.
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A pouco mais de duas semanas da escolha do novo presidente do Brasil, candidatos, mídia, religiosos e eleitores reduziram o debate eleitoral ao moralismo. Opiniões enviesadas e uma cobertura tendenciosa da imprensa têm desviado o real debate moral que o tema suscita e resumido a defesa da vida a um viés eleitoreiro do aborto. Qual a real importância de um presidente ser contra ou a favor da descriminalização do aborto, se o tema tem que passar por outros representantes do poder, como parlamentares no Congresso Nacional?
O segundo turno das eleições presidenciais foi garantido por 20% dos votos depositados na candidata Marina Silva (PV). Evangélica, Marina é declaradamente contrária ao aborto. Essa, no entanto, não foi a principal bandeira empunhada pela candidata evangélica. Pelo contrário. No primeiro turno, Marina chegou a ser criticada por religiosos por defender um plebiscito sobre o tema. Eles esperavam uma posição mais contundente de Marina “em defesa da vida”.
Em vez disso, a candidata preferiu dar um crédito à democracia e – mesmo fora da disputa eleitoral – tentou despolarizar o debate, divulgando uma Agenda por um Brasil Justo e Sustentável que não fala sobre aborto. Essa agenda foi o documento encaminhado na semana passada aos presidenciáveis que serve como uma carta de compromisso que a terceira colocada do 1º turno, Marina, gostaria que a primeira colocada, Dilma, e o segundo colocado, Serra, se comprometessem.
É preciso, se ainda houver tempo, que candidatos e eleitores percebam que a defesa da vida não se resume ao tema aborto. Defesa da vida é segurança pública, para evitar que tantas pessoas morram vítimas da violência; defesa à vida é melhoria da saúde pública, para evitar que tantas pessoas morram nos corredores de hospitais; defender a vida é saneamento básico, para evitar a contaminação generalizada por doenças; defesa da vida é preservação ambiental, para garantir a manutenção de recursos naturais e, portanto, garantir a vida.
Reduzir o debate eleitoral à discussão enviesada sobre aborto é empobrecer ainda mais a política. Apostar todas as fichas na conquista da parte do eleitorado de Marina que é contrária ao aborto como estratégia para vencer a eleição pode até levar à vitória. Mas no que isso agregará de valor à nação? A quem interessa essa distorção do debate sobre aborto? Por que a imprensa está dando tanta ênfase a esse assunto? Será que a onda verde se resumirá a isso? Vale a pena refletir.
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