Alacir Ramos Silva*
Os jornais do mundo inteiro trouxeram no início deste mês, em suas páginas policiais, alguns da Europa, em primeira página, que duas romenas foram degoladas em quartos de um hotel, próximo à estação Termini, em Roma. Essa é a estação ferroviária mais importante de Roma e uma das maiores da Europa. Projetada por Salvatore Bianchi, foi construída em 1867. Dela pode-se caminhar até a Roma antiga e o Coliseu. E, por entre as ladeiras, estão localizados vários hotéis de categorias diversas.
Crimes envolvendo romenos é uma das situações mais complicadas que a Europa, especialmente a Itália e França, está colocando embaixo do tapete, além, claro, da lei criada pelo então ministro francês Sarkozy, que chamou a imprensa para uma entrevista coletiva e anunciou o seu divórcio no dia do início da primeira greve geral de seu mandato como presidente.
E, agora, está causando sérios problemas diplomáticos à Índia, porque avisou que sua nova namorada irá com ele a uma visita oficial. Para quem gosta de fofocas de celebridades: parece que o casamento já está marcado e a mãe da noiva faz muito gosto.
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A referida lei obriga filhos a pagar uma pensão do tipo “benefício da prestação continuada (BPC)” brasileiro aos pais em situação de carência econômica e retira a responsabilidade do Estado francês na manutenção desses cidadãos idosos, contribuintes ou não no passado. Um parêntese para comentar esse fato: tente assistir a algum documentário, claro que não passará na Globo, sobre a revolta de cidadãos franceses que nunca foram assistidos, nem em afeto nem economicamente, pelos pais e que hoje estão sendo obrigados a retirar parte do sustento de seus filhos para pagar “o BPC”, à moda do Sarkozy, aos seus pais. Este tema dá margem para mais uns dez artigos!
Voltando à situação dos romenos, eles são tão latinos quanto os italianos, até mesmo porque o nome Romênia vem de Roma e o país era uma das províncias do Império Romano. Talvez, seja daí a origem do sentimento/comportamento, que vai muito além da xenofobia clássica que os italianos e, pasmem, os outros imigrantes residentes no mesmo território têm deste povo.
A discriminação é mostrada a todo vapor com comentários vulgares, xingamentos desnecessários e manifestação pública de agressão. Os outros imigrantes esqueceram-se bem depressa que vivem em guetos – não aqueles de 50 anos atrás, mas os da atualidade, marcados por violência e ausência total de rede de solidariedade entre vizinhos e de infra-estrutura física –, que são chamados de extra-comunitários e que o seu supermercado era (continua sendo) na periferia e que não vende produtos locais, só os globalizados, próprios ao consumo dos cidadãos que vêm com a sociedade global.
Como todo o povo latino, os romenos falam e riem alto. Também parecem discutir quando falam. São machistas. Aceitam qualquer emprego, não discutem salário. Qualquer um é melhor que o nada que tinham. Guardam consigo toda uma herança da violência estrutural a que foram e continuam sendo submetidos, mesmo sendo desde 2007 pertencentes à Comunidade Européia. Vale lembrar que os problemas estruturais que a Romênia passou eram tão grandes que o Estado de Israel chegou a pagar ao antigo governo pela saída de famílias judias com crianças para que não fossem afetadas pela violência imposta e exposta naquela sociedade, em nome de um futuro melhor para essas crianças.
Por essa herança, eles (homens e mulheres romenos) estão pagando muito caro, o preço é um dos mais altos que se tem notícia entre os povos pobres que vieram para a comunidade. Até os senegaleses já encontraram, com seu charme de raça negra “pura”, seus defensores e defensoras por sua agilidade para “correr do rapa” e por seus dotes sexuais, que encantam a um segmento de homens e mulheres europeus. Todos os imigrantes podem fazer qualquer coisa, os romenos que nem mais imigrantes são, não!
Homens e mulheres romenas, especialmente os jovens, são lindos fisicamente. Algumas autoridades do mundo fashion falam que as mulheres só não são mais belas que as brasileiras porque seus seios são, geneticamente, pequenos e que, ainda, não descobriram a indústria dos silicones. Em breve estarão nas passarelas, falta só o empurrão de um “olheiro”.
Essa beleza está abalando as estruturas das tradicionais famílias européias e provocando uma mudança de sujeitos de desejo no mercado do sexo. Casamentos de nativos europeus e de imigrantes estão sendo “destruídos” pela ousadia dos jovens romenos que, como profissionais do sexo, independentemente do gênero e da orientação sexual, já são em número muito alto. Sustentam com os euros que ganham e levam à Romênia muitos velhinhos e criancinhas, que são pais, filhos e maridos e esposas que por lá ficaram.
Sua maneira de enfrentar o mundo, seus padrões de vida e sua sujeição à violência do seu país fizeram também desse povo usuários da violência verbal, física e psicológica como estratégia de enfrentamento de sua dura realidade. Óbvio é que, ao vir para os outros países, não deixaram em suas fronteiras esses traços nem tiveram Glorinha Kalil no Fantástico para lhes mostrar como falar, como andar e como usar os três mais importantes S (surgir, sorrir e sumir) para tornarem-se celebridades na atualidade. Viram celebridades, quase sempre, pelas páginas policiais.
No início, levaram a responsabilidade. Em Milão, uma romena matou, com a ponta de um guarda-chuva, uma italiana, numa briga dentro de um metrô. Foi execrada publicamente. Esqueceram-se, porém de contar que as duas eram prostitutas e que a briga foi disputa de ponto ou de cliente, sei lá! Um romeno estuprou e matou uma garotinha. Sem ironias e até mesmo sem qualquer defesa – porque para a violência não há justificativa – olhem as estatísticas, sejam isentos e questionem: só ele neste mundo? Quantos fizeram e fazem isso, incluindo políticos, artistas e religiosos e nem foram notícia nacional quanto mais internacional?
O problema dos romenos é que eles são pobres, muito pobres e vieram para uma Comunidade Européia competir com uma classe média empobrecida que nunca aceitou a conversão que houve nos preços diferentes de seus salários quando da unificação da moeda e o volume de impostos que paga para manter-se como classe média. Hoje, na Europa, é inviável ser sozinho.
Cada vez menos os filhos saem das casas de seus pais e a constituição de uma família está sendo quase obrigatória para reduzir as taxas de quem fez a opção de morar sozinho. Amor? Secundário, meu amigo, a questão está mesmo na redução das taxas.
Os jovens europeus qualificados vão trabalhar uma vida e, provavelmente, não comprarão nenhum imóvel. Há a quase piada, se não fosse realidade, de um jovem recém-graduado, com um salário mínimo profissional, que foi a um banco pegar um empréstimo para comprar um apartamento de um quarto, sala e garagem e só conseguiu comprar a garagem de um prédio e ali passou a residir.
Por quê? Quase não há mais contrato de trabalho com garantias previdenciárias, a grande maioria trabalha como autônomo e, descontadas as taxas, esses jovens, após trabalharem mais de dez horas diárias, ficam com um salário mínimo mensal. Sendo que quem trabalha no mercado informal e tem “tino” comercial e/ou para negócios ganha muito mais que isso na chamada economia marginal.
Um aperitivo de final da tarde custa em torno de sete euros, um jantar num restaurante de padrão médio fica por volta de 50 euros por pessoa. Salário mínimo é mínimo em qualquer lugar do mundo, muda pouco ou quase nada o poder de consumo da classe economicamente baixa, imagine os jovens da classe média européia que estão sendo obrigados a sujeitarem-se a esse salário! Já não bastavam os outros imigrantes, agora, ainda, vêm os romenos para ameaçar?
Os romenos não têm as mesmas expectativas dos jovens de classe média nem dinheiro para ir ao aperitivo, mas estão lá servindo, sem reclamar de nada. Como o emprego não é exclusivo ao romeno, outros imigrantes também estão trabalhando em bares, restaurantes e confeitarias, mas, se grosseiros são com os clientes, imediatamente, são classificados como “só podiam ser romenos”.
Também os romenos não têm dinheiro para viajar de trem nem de avião. Poupam tudo para levar para casa. Viajam de ônibus, coisa muito rara na Europa. A não ser em época de greve geral, esse meio passa a ser o mais viável por ser privado. Como o capital não investe no vazio, já ocupou este espaço: linhas de ônibus estão sendo criadas de vários países até a Romênia.
Os europeus costumam questionar aos não romenos que viajam nesses ônibus: “Você está vigiando a carteira?”.
Tem um ônibus que sai de Montpellier, na França. Levam-se três dias e três noites para chegar ao final da viagem, que corta toda a Costa Azul francesa e italiana, passa por Torino e Milão e segue adiante até a Romênia. A Costa Azul é uma das mais belas e ricas regiões européias. Tem Nice, Cannes, Mônaco e Modane, em sua linha de frente, entre outras cidades encravadas entre mar e montanha. Nessa época do ano está toda em obras esperando o turismo do próximo verão. Of course, my dear, se existe essa linha, é porque lá estão eles, os romenos, trabalhando na rota do capital!
Para voltar para casa, a passeio ou por uma longa temporada, os romenos têm “coragem” de entrar no ônibus com sacolas enormes contendo comida para os três dias. Alimentos que compraram nos supermercados dos extra-comunitários. Sentem pouco frio, saltam em todas as paradas, tiram fotos, como qualquer turista. Riem muito, conversam com todos. Tentam, principalmente, as mulheres buscar, através do olhar pessoas confiáveis para conversar porque levam com eles todo o dinheiro que ganharam.
Algumas mulheres já compram duas poltronas para viajar com mais conforto, sinal de status que os europeus vão demorar muito para aceitar!
Para uma cidadã brasileira, estudiosa do fenômeno da violência urbana, impressionada com essa xenofobia européia aos romenos, em vigor nos dias atuais, resta perguntar: quem matou as romenas? E, a você, se perguntar: com tantas coisas mais importantes acontecendo no Brasil e no mundo, inclusive o BBB 8, por que da pergunta e deste artigo?
Daí eu respondo: como o mundo vive a era do espetáculo, comprem seus ingressos, senhores, que o circo está sempre armado em algum lugar. E, alguém já escreveu, há muito tempo, que a história se repete, no início como farsa e a seguir como tragédia. Portanto, a tragédia não ficou no Império Romano, continua entre nós, os escalados para ser robôs!
*Alacir Ramos Silva é professora universitária, pesquisadora e analista de políticas e programas sociais. E-mail: alacir.vix@terra.com.br.