Lúcio Lambranho
Em texto encaminhado ao Congresso em Foco, representantes do movimento “Por um Brasil livre de transgênicos” condenam a edição da Medida Provisória (MP) 327/06, que facilita a produção e o comércio de organismos geneticamente modificados, e criticam a falta de uma política de biossegurança no país.
Na avaliação das entidades que encabeçam a campanha – Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa (AS-PTA), Via Campesina, Greenpeace, Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST), Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Terra de Direitos e a Associação de Agricultura Orgânica (AAO) –, a MP pode implicar riscos à saúde e ao meio ambiente.
“A redução das zonas de exclusão de transgênicos no entrono das unidades de conservação pode representar uma maior exposição das áreas protegidas a impactos ecológicos muitos dos quais ainda não estudados ou pouco conhecidos. Entre eles, destacamos a contaminação genética de plantas nativas, a interação de animais silvestres com as lavouras modificadas, a transferência horizontal de genes dos cultivos transgênicos para microrganismos nativos e o aumento do uso de herbicidas”, diz a nota.
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A medida provisória tranca a pauta da Câmara desde o último sábado e está pronta para ser analisada na sessão desta quarta-feira. Caso seja aprovada ainda este ano, a polêmica MP permitirá, entre outras coisas, o plantio de organismos geneticamente modificados em áreas próximas às unidades de conservação como áreas de proteção ambiental (APAs) e nas zonas de amortecimento (faixa de proteção) de parques nacionais.
A campanha também critica a disposição do relator, deputado Paulo Pimenta (PT-SP), de propor a redução do quorum da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) para decidir sobre a comercialização de transgênicos e seus derivados. Na prática, o texto diminui de 18 para 14, dos 27 integrantes do colegiado de cientistas, o número de votos favoráveis necessários para a liberação da venda de organismos geneticamente modificados (veja os argumentos do relator).
“Ao contrário do que afirmam muitos jornais, a CTNBio não está parada. Neste ano de 2006 a Comissão deliberou sobre 430 processos e concedeu autorização para cerca de 30 campos experimentais com transgênicos por mês. Assim, o quorum de 2/3 de forma alguma representa prejuízo para a pesquisa em biotecnologia no Brasil”, afirma o texto (leia mais sobre o assunto).
Os ambientalistas também criticam a emenda incorporada pelo relator que garante a comercialização da safra 2006 de algodão transgênico no país. “Esta emenda é a pura e simples reedição do fato consumado da soja transgênica e deve ser rejeitada. Caso aceita, ela representará uma desmoralização à própria Lei de Biossegurança e à capacidade do Estado de fazer cumpri-la.”
Leia abaixo os principais pontos da mensagem enviada pela campanha “Por um Brasil livre dos transgênicos” ao Congresso em Foco:
Sobre a MP 237
"Muitas entidades do campo socioambiental e os movimentos sociais do campo se posicionaram contrários à edição de mais uma medida provisória, no caso a de número 327, para tratar da questão dos transgênicos no País. A edição dessa MP veio para reforçar que lamentavelmente não há no País uma política de biossegurança em vigor e que as decisões, infelizmente, vão sendo tomadas com base em pressões de grupos econômicos e em fatos consumados. Foi assim no caso da soja e se repetiu com o algodão, que entraram clandestinamente no País e foram posteriormente legalizados por medidas provisórias. Contudo, destaca-se que até hoje não foram realizados estudos de impactos destes organismos modificados sobre a saúde e sobre os ecossistemas brasileiros. A redução das zonas de exclusão de transgênicos no entrono das unidades de conservação pode representar uma maior exposição das áreas protegidas a impactos ecológicos muitos dos quais ainda não estudados ou pouco conhecidos. Entre eles, destacamos a contaminação genética de plantas nativas, a interação de animais silvestres com as lavouras modificadas, a transferência horizontal de genes dos cultivos transgênicos para microrganismos nativos e o aumento do uso de herbicidas. Por esses motivos, muitas organizações da sociedade civil foram contra a edição da MP 327."
Sobre as emendas na MP
"As emendas acatadas pelo relator Paulo Pimenta (PT/RS) são estranhas ao objeto da MP 327 já que tratam de modificações na Lei de Biossegurança. Só este motivo já seria suficiente para que todas elas fossem rejeitadas. De qualquer forma, são apontados abaixo alguns argumentos que reforçam a necessidade de que todas as emendas apresentadas sejam rejeitadas."
Alteração do quorum da CTNBio
"Essa questão foi debatida durante a tramitação da Lei de Biossegurança no Congresso Nacional e foi objeto de posterior veto presidencial. Entendeu o presidente, com razão, que matérias de natureza tão complexa não poderiam ser resolvidas por “apenas 8 brasileiros”. Assim, foi estabelecido que apenas nos casos de liberação comercial de OGMs, as decisões deveriam ser tomadas por consentimento de 2/3 da Comissão (18 votos). A emenda incorporada no relatório do deputado Pimenta propõe que o quorum para liberação comercial seja de 14 votos, metade mais um da Comissão. Esta emenda deve ser rejeitada pelos motivos que seguem: O quorum de 2/3 dos membros para qualquer decisão a ser tomada pela CTNBio já estava previsto na Lei 8.974/95, modificada pela MP 2.19-9, de 23/08/2001. Portanto, a inclusão do quorum qualificado para decisões comerciais no Decreto n 5.591, de 22 de novembro de 2005, já flexibilizou a tomada de decisões uma vez que todas as demais decisões são tomadas por maioria simples.
Pela Lei 11.105/05, todos os membros da CTNBio devem ter reconhecida “competência técnica, notória atuação e saber científicos, com grau acadêmico de doutor e com destacada atividade profissional nas áreas de biossegurança, biotecnologia, biologia, saúde humana e animal ou meio ambiente”. Assim, por abordarem a questão da biossegurança a partir de diferentes áreas, todos os votos são relevantes do ponto de vista da biossegurança. Ao contrário do que afirmam muitos jornais, a CTNBio não está parada. Neste ano de 2006 a Comissão deliberou sobre 430 processos e concedeu autorização para cerca de 30 campos experimentais com transgênicos por mês. Assim, o quorum de 2/3 de forma alguma representa prejuízo para a pesquisa em biotecnologia no Brasil.
Antes de se preocupar em facilitar ou acelerar o processo de liberação comercial de transgênicos, a CTNBio, exatamente por ser técnica e formada exclusivamente por doutores de notório saber, deveria priorizar a formulação de parâmetros para análise de risco nos pedidos de liberação comercial. Criada em 1996, a CTNBio não definiu até hoje procedimentos internos para avaliar a documentação apresentada pelas empresas ou instituições. As empresas e instituições que solicitam liberações comerciais de OGMs apresentam, de forma voluntária, documentos e estudos realizados na maior parte dos casos por elas próprias.
É fundamental que a CTNBio crie internamente um protocolo que oriente as empresas a formular seus pedidos e inclua nele os estudos de biossegurança que deverão ser conduzidos para subsidiar seus membros. Essa orientação aos solicitantes poderia inclusive tornar mais expedito os procedimentos internos na CTNBio, já que muitos processos são colocados em diligência justamente por carecem de um padrão mínimo e serem muitas vezes insuficientes.
Um organismo transgênico pode representar risco para a saúde humana, mas não para o meio ambiente ou vice-versa. Esse é um motivo a mais que justifica a importância do quorum de 2/3 para liberações comerciais é essencial para garantir a segurança do uso de transgênicos no País, em todos os aspectos, pois a biossegurança é, por definição, de natureza interdisciplinar. A exemplo do Congresso, matérias de maior repercussão sobre a sociedade dependem de quorum qualificado para serem aprovadas."
Liberação de vacina
"O relator, deputado Paulo Pimenta, usa o caso de uma votação recente da CTNBio sobre a liberação de uma vacina transgênica para suínos para justificar a redução do quorum. O resultado, 17 a favor e 4 contrários revela, pelo contrário, a importância de se garantir a expressão de cada um dos votos. Neste caso específico, a liberação da vacina poderia ser contraproducente, uma vez que a vacina não é para prevenção de epidemias e surtos da doença mas sim para aplicação preventiva. Como o Programa de Vigilância Sanitária é baseado na rastreabilidade sorológica de anticorpos em suínos, a vacinação em massa é contra indicada, pois impede o rastreamento, uma vez que um animal vacinado é confundido com um doente. A vacina transgênica é comercializada em poucos países, mas não nos países europeus. Estes não recomendam a vacinação pelas razões mencionadas nos item anterior.
O Brasil tem a doença de Aujeszky sob controle, sobretudo no Estado de Santa Catarina, onde surtos localizados ocorrem. No mercado já existe vacina inativada e não-transgênica para a doença de Aujeszky. Especialistas admitiram que antes da liberação seria necessário estudar o uso dos dejetos de suínos vacinados. Neste sentido, uma preocupação emergente está relacionada com a utilização desses dejetos na alimentação de peixes, pratica comum entre criadores. No entanto, esses estudos não foram feitos.
A rigor, nenhum estudo ambiental foi feito. Desta forma, não é possível antever o que acontecerá com o uso de dejetos de animais vacinados para alimentação de peixes ou mesmo com a disseminação do vírus transgênico em animais secundários, ou ainda com outros riscos.
A literatura científica usada pela empresa solicitante é de 1991. Portanto, totalmente desatualizada. Ela também não informa se algo aconteceu depois da liberação nos Estados Unidos que é da mesma data. Esses aspectos apenas reforçam a necessidade premente de a CTNBio desenvolver seus parâmetros internos para recebimento e análise dos processos.
A empresa Shering-Plough, que solicitou a liberação para importação e comercialização não tem o Certificado de Qualidade em Biossegurança – CQB,exigida por lei para todas instituições que manipulam OGMs.
A vacinação pode se constituir em motivo para barreira comercial, porque animais vacinados não se distinguem de doentes, pelos métodos sorológicos. Contudo, estas condicionantes não estavam presente no processo.
Por estas razões, o pedido da Shering-Plough para comercialização da vacina foi analisado e negado em novembro deste ano, por 17 (dezessete) votos favoráveis e apenas 4 (quatro) contrários. Portanto, a exigência de quorum mínimo de 2/3 de votos favoráveis assegura uma participação mais expressiva dos representantes, além de representar maior legitimidade, consistência e segurança das decisões tomadas."
Liberação da colheita do algodão transgênico
"Esta emenda é a pura e simples reedição do fato consumado da soja transgênica e deve ser rejeitada. Caso aceita, ela representará uma desmoralização à própria Lei de Biossegurança e à capacidade do Estado de fazer cumpri-la.
O que se espera é que o poder público investigue a origem dessas sementes e puna os contraventores. A CTNBio já debateu o assunto do plantio ilegal de variedades de algodão transgênico e recomendou a destruição das lavouras plantadas a partir de sementes contrabandeadas, conforme o Parecer Técnico nº 587/2006.
Sobre o uso de fibras ou caroços oriundos das lavouras ilegais, a CTNBio também já se pronunciou sobre o assunto, estabelecendo em sua Portaria 587 que ‘em hipótese alguma o produto colhido (sementes e fibras) deverá ser utilizado e sim totalmente enterrado’. Assim, para evitar que as decisões da CTNBio sejam banalizadas, é fundamental que esta emenda seja rejeitada."