Em entrevista aos jornais Folha de S. Paulo e O Globo, publicadas no último sábado (6), o cantor, compositor e escritor Chico Buarque de Hollanda apresentou sua visão sobre a crise política que atingiu o governo Lula. Ele se confessou decepcionado com o escândalo do mensalão, mas também fez sérias críticas ao comportamento da oposição.
Entre outras coisas, queixo-se do fato de oposicionistas e parte da mídia demonstrarem preconceito de classe em relação a Lula. “Como se fosse uma concessão”, afirmou, “deixaram o Lula assumir. ‘Agora sai já daí, vagabundo!’. É como se estivessem despachando um empregado a quem se permitiu esse luxo de ocupar a Casa Grande” disse ele à Folha.
O artista, que em breve completará 62 anos, também falou sobre o assunto em coletiva dada na quinta-feira, mas de modo mais ligeiro. A série de entrevistas se deve ao novo disco (Carioca) que Chico Buarque está lançando.
Ele admitiu que “hoje” seu voto é de Lula. Mas alvejou, numa só tacada, PT e PSDB: “Há no PT a idéia de que ou você é petista ou é calhorda, assim como o PSDB acha que você ou é tucano ou é burro”.
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O Globo questionou o cantor sobre os versos da música “Outros sonhos”: “maconha só se comprava na tabacaria/drogas na drogaria”. Ele respondeu defendendo o debate sobre a legalização das drogas:
“Não faço música para abrir discussão. Mas acho que essa tem que ser levada a sério. Não há um combate eficaz ao tráfico. Não vejo outra solução… É ótimo que se faça uma publicidade que alerte o consumidor, mas pregar abstinência não dá certo. É o mesmo que pregar abstinência sexual devido à Aids, como o Bush e o Papa fazem. Já fumei, já cheirei, e abandonei. Não recomendo. Não fumo maconha porque não faz bem para mim”.
Seguem os principais trechos da entrevista à Folha:
“É claro que esse escândalo abalou o governo, abalou quem votou no Lula, abalou sobretudo o PT. Para o partido o escândalo é desastroso. Espero que disso tudo possa surgir um partido mais correto, menos arrogante. No fundo, sempre existiu no PT a idéia de que você ou é petista ou é um calhorda. Um pouco como o PSDB acha que você ou é tucano ou é burro”.
“A crítica que se faz ao PT erra a mão. Não só ao PT, mas principalmente ao Lula. Quando a oposição vem dizer que se trata do governo mais corrupto da história do Brasil, é preciso dizer ‘espera aí’. Quando aquele senador tucano canastrão vai para a tribuna do Senado dizer que vai bater no Lula, dar porrada, quando chamam o Lula de vagabundo, de ignorante, aí estão errando muito a mão. Governo mais corrupto da história? Onde está o corruptômetro? É preciso investigar. Tem que punir, sim. Mas vamos entender melhor as coisas”.
“A gente sabe que a corrupção no Brasil está em toda a parte. E vem agora esse pessoal do PFL, justamente eles, fazer cara de ofendido, de indignado. Não vão me comover. Eles fazem o papel da oposição, está certo. O PT também fez o ‘fora FHC’, uma besteira”.
“Mas o preconceito de classe contra o Lula continua existindo, e em graus até mais elevados. A maneira como ele é insultado eu nunca vi igual. Acaba inclusive sendo contraproducente. O sujeito mais humilde ouve e pensa: ‘Que história é essa de burro!? De ignorante!? De imbecil!?’. Não me lembro de ninguém falar coisas assim antes, nem com o Collor. Vagabundo! Ladrão! Assassino! Até assassino eu já ouvi”.
“Fizeram o diabo para impedir que o Lula fosse presidente. Inventaram plebiscito, mudaram a duração do mandato, criaram a reeleição. Finalmente, como se fosse uma concessão, deixaram o Lula assumir. ‘Agora sai já daí, vagabundo!’ É como se estivessem despachando um empregado a quem se permitiu esse luxo de ocupar a Casa Grande. ‘Agora volta pra senzala!’ Eu não gostaria que fosse assim.
“A economia, na verdade, não vai mudar se o presidente for um tucano. A coisa está tão atada que honestamente não vejo muita diferença entre um próximo governo Lula e um governo da oposição. Mas o país deu um passo importante elegendo o Lula. Considero deseducativo o discurso em voga: ‘Tão cedo esse caras não voltam, eles não sabem fazer, não são preparados, não são poliglotas’. Acho tudo isso muito grave”.
“Hoje eu voto no Lula. Vou votar no Alckmin? Não vou. Acredito que, apesar de a economia estar atada como está, ainda há uma margem para investir no social que o Lula tem mais condições de atender”.
(Ao falar do Psol e de ex-petistas) “Percebo nesses grupos um rancor que é próprio dos ex: ex-petista, ex-comunista, ex-tudo. Não gosto disso, dessa gente que está muito próxima do fanatismo, que parece pertencer a uma tribo e que quando rompe sai cuspindo fogo. Eleitoralmente, se eles crescerem, vão crescer para cima do PT e eventualmente ajudar o adversário do Lula”.
“Não acho que a mídia tenha inventado a crise. Mas a mídia ecoa muito mais o mensalão do que fazia com aquelas histórias do Fernando Henrique, a compra de votos, as privatizações. O Fernando Henrique sempre teve uma defesa sólida na mídia, colunistas chapa-branca dispostos a defendê-lo. O Lula não tem. Pelo contrário, é concurso de porrada para ver quem bate mais”.
“Não tenho maior simpatia pelo Zé Dirceu, não assinei manifesto em defesa dele, acho que ele errou, que ele tem culpa, sim, por tudo o que aconteceu, mas eu respeito uma pessoa que num determinado momento entregou a sua vida, jogou tudo o que tinha em nome de uma causa, do país”.
“Como o Zé Dirceu eu poderia citar outros nomes que chegaram ao poder, mas chegaram despidos daquele sonho em nome do qual eles lutaram a vida toda. Quem sabe para chegar ao poder tiveram justamente que se render ao pragmatismo. A pessoa que chega ao poder é um pouco um fantasma daquela que deu a vida por algo que não se realizou”.
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