O líder do bloco PFL-PSDB no Senado, Sérgio Guerra (PSDB-PE), resume em uma frase a estratégia da oposição em relação ao governo Lula. "Faz sentido planejar um projeto de oposição que vá, aos poucos, consolidando de forma concreta na população a idéia de um governo incapaz de produzir, que não tem projeto e que vive de um discurso populista e de uma prática política conservadora, ainda por cima inoperante", disse.
>Em entrevista ao Congresso em Foco, o senador só poupou de críticas o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, e a condução da política econômica do governo. No mais, foram estocadas no que chamou de "inoperância administrativa", na política externa, nos programas sociais, no discurso "populista" e até na política governamental em relação ao Nordeste.
>Guerra ingressou na política por intermédio do PSB de Miguel Arraes, com quem acabou rompendo, antes de ingressar no PSDB. Provável candidato ao governo de Pernambuco nas eleições de 2006, ele considera que o presidente Lula não conta com um “núcleo de solidariedade” que teria a função de dar suporte político às ações do governo.
Para o senador, a base do governo no Congresso é confusa e pouco confiável.
Congresso em Foco – A oposição ao governo Lula ainda não está muito articulada. Essa vai ser a sua primeira tarefa?
Sérgio Guerra – A oposição ao governo Lula, ele mesmo faz. Atualmente, a oposição tem trabalhado muito em cima da pauta de equívocos e confusões que o governo produz, as chamadas trapalhadas do governo. Porém, essa oposição, por mais eficiente que seja, é, evidentemente, conjuntural. Faz sentido planejar no conjunto, com bastante tranqüilidade, um projeto de oposição que vá, aos poucos, consolidando de forma concreta na população a idéia de um governo incapaz de produzir, que não tem projeto e que vive de um discurso populista e de uma prática política conservadora, ainda por cima inoperante. As urnas, quando elegeram Lula presidente, disseram que o Brasil precisava produzir mudanças. Essa idéia de uma mudança grande na forma brasileira de governar, o PT frustrou.
"Faz sentido planejar um projeto de oposição que vá, aos poucos, consolidando na população a idéia de um governo incapaz de produzir, que não tem projeto e que vive de um discurso populista e de uma prática política conservadora e inoperante"
Essa formação de bloco PFL-PSDB ocorre em ano de eleições municipais. Essa união vai se estender à campanha municipal?
A união de partidos oposicionistas nem sempre se reflete nos estados. Quando é possível fazê-la, que assim o seja. Quando não é possível, já é previsível que ela não se dê.
O governo enfrenta eleições municipais em outubro com uma situação delicada para o presidente Lula, que passa por um desgaste popular muito grande. A oposição teme alguma medida populista do governo para reverter esse quadro e sair vitorioso nas eleições?
Se o governo se lançar num projeto populista, ele deverá, com certeza, compulsoriamente, atrapalhar seu projeto econômico. Qualquer populismo que venha implica em orçamento, despesas e o governo não está em condições de gastar. Porém, há sempre o apelo populista caracterizado na promessa, que, depois, não se confirma. O que acontece atualmente é isso. O governo faz anúncios semanais de políticas, muitas vezes de cunho importante e, muitas vezes, apenas assistencialista. De todas essas armações, a mais espalhafatosa, a mais trepidante, foi a chamada “Fome Zero”, que não deu em nada e não vai dar porque ações sociais do governo são muito tênues e mal executadas. Ficou claro que o exercício de política social do governo anterior, feito através de alguns projetos, deixou raízes de forma que o governo atual é incapaz de superá-los.
"O exercício de política social do governo anterior, feito através de alguns projetos, deixou raízes de forma que o governo atual é incapaz de superá-los"
Por que a oposição não critica a política econômica do governo Lula?
A oposição tem, do ponto de vista econômico, um componente de responsabilidade. Um compromisso que é o de sustentar e defender a responsabilidade fiscal. Nós, da oposição, não devemos contrariar o que afirmamos a vida inteira. É indispensável o equilíbrio fiscal. Não podemos gastar além do que podemos gastar. No mais, há todo um arco de divergências que está sendo exercitado pela oposição. Isso não quer dizer que não temos sobriedade o suficiente para refletir que o papel do ministro da Fazenda (Antonio Palocci) é bom para o governo. Se é bom para o governo, é de algumas forma bom para o país. O ministro Palocci não é a figura do governo que merece críticas.
"O papel do ministro da Fazenda (Antonio Palocci) é bom para o governo. Se é bom para o governo, é de algumas forma bom para o país"
E quem merece mais críticas?
Eu diria que o governo inteiro, menos a política econômica. Por exemplo, na área de saúde, o governo não disse a que veio. Na área de educação, não deu continuidade ao esforço inicial do ministro Cristovam (Cristovam Buarque, ex-ministro da Educação do governo Lula e atual senador pelo PT do Distrito Federal). Na área de infra-estrutura, nomeou um ministro (referindo-se ao ex-ministro dos Transportes de Lula, Anderson Adauto) que não deu certo. Em suma, o governo não acertou em nenhuma atividade para a qual fosse indispensável que ele tivesse uma política de ação.
A que o senhor atribui isso?
Incompetência operativa. A esquerda sempre foi capaz de estabelecer objetivos, mas nunca desenvolveu noção de processo. Sempre se disse o que se precisava fazer, mas nunca se disse a forma de fazê-lo. O governo demonstra isso. As intenções do governo não se resolvem na prática, não transformam em realidade, mas acho, também, que a base do governo é uma base atrapalhada. No governo anterior, do governo Fernando Henrique Cardoso, ele tinha um núcleo de solidariedade e apoio, formado por parcela grande do PMDB e parcela do PFL. Esse núcleo tinha coerência e tinha adesão ao governo. No caso do presidente Lula, esse núcleo central de solidariedade ele não dispõe porque o PT é antagônico ao que o governo faz. O PT pensa o contrário do que o governo Lula faz. Não há solidariedade concreta dessa base, que não é estruturada e, em grande parte, é desorganizada e primitiva. O governo se obriga a fazer ampliações que são nefastas. Essas ampliações são feitas para políticos adesistas, que estão aí à procura de cargos, sem compromisso nenhum. Essas adesões são desastrosas para o governo.
"A base do governo é uma base atrapalhada"
Quais as conseqüências disso?
A marca desse governo, além das que eu já me referi até agora, é o aviltamento e a vulgarização do serviço público no Brasil. O governo está transformando a atividade gerencial do governo em moeda de troca em áreas que nunca foram passíveis desse tipo de operação política.
"O governo está transformando a atividade gerencial do governo em moeda de troca em áreas que nunca foram passíveis desse tipo de operação política"
E a política externa do Lula?
O presidente Lula levou uma grande vantagem. Vantagem que se deve menos a ele e mais à democracia que aqui se consolidou. A eleição na América Latina, num quadro conturbado, de um trabalhador de um partido notoriamente de esquerda para presidente da República, com um cenário de tranqüilidade institucional, ajuda bastante a posição do Brasil lá fora. Pessoas têm curiosidade e interesse e é excelente produto um presidente latino-americano trabalhador que resolve fazer uma administração e, surpreendentemente, faz uma administração que é a que o FMI (Fundo Monetário Internacional) queria que ele fizesse. Então, é muita coisa a favor. Porém, depois disso, quando o discurso tem que se transformar em ações, o governo vai se abalando e vai deslizando. O próprio presidente é obrigado a falar demais. Nesse contexto, deve ter cometido alguns erros que são substantivos. Por outro lado, é um pouco viciado em certas idéias antigas, que não produzem resultados. No caso da atual diplomacia brasileira, a orientação do atual ministro é carregada de emoção.
O senhor se refere a uma orientação maior para o chamado Terceiro Mundo?
Não. Procurar negócios lá fora, onde existam negócios, é extremamente correto. Eu penso que, do ponto de vista estratégico, como nos colocamos e o que desejamos fazer, me parece bastante confusa a cabeça da diplomacia brasileira. O presidente Lula tem uma atitude primitiva na relação dele com os Estados Unidos, demonstrada de forma desastrada nesse episódio com o jornalista (refere-se a Larry Rohter, ameaçado de perder o visto de trabalho no Brasil depois de escrever reportagem, para o New York Times, sobre supostos excessos etílicos do presidente Lula).
"Do ponto de vista estratégico, como nos colocamos e o que desejamos fazer, me parece bastante confusa a cabeça da diplomacia brasileira"
O senhor compartilha o temor de muitos empresários de que episódios como esse possam se repetir em áreas mais delicadas?
Acho que o governo descumpriu vários dos seus componentes básicos. Tinha um compromisso de política econômica e fez outro. Tinha um compromisso com os trabalhadores e promoveu ajustes contrários às suas promessas de muitos anos. Tinha uma política em relação ao FMI e, no governo, fez justamente o contrário. Tinha um compromisso ético e, no episódio Waldomiro Diniz, ele disse para quem quisesse entender que o seu compromisso não era tão firme assim. Tinha um compromisso democrático e esse episódio do jornalista norte-americano contraria a democracia. Acho que é um conjunto de ações que contrariam os seus compromissos e suas promessas. Isso tudo vai gerando uma instabilidade e uma desconfiança que minam, de forma progressiva, a confiança dos brasileiros e também dos investidores.
"Isso tudo vai gerando uma instabilidade que mina, de forma progressiva, a confiança dos brasileiros e também dos investidores"
Como nordestino, como senhor vê o governo Lula, que prometeu recriar a Sudene (Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste), o que não aconteceu até agora?
O Nordeste tem que reagir. Nunca foi tão maltratado Nunca um governo foi tão paulista como esse. Apesar do presidente ser do Nordeste, ele adotou o sotaque do ABC no discursos das elites. Não há ação concreta pelo Nordeste.
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