Camilla Shinoda e Edson Sardinha
Após impor ao governo Lula a sua mais onerosa derrota com a rejeição da proposta que prorrogava a cobrança da CPMF, a oposição já se articula no Senado para derrubar uma medida provisória (MP) que só deve ser votada pela Câmara no início de 2008.
Trata-se da MP 398/07, que cria a Empresa Brasil de Comunicação (EBC), à qual está subordinada a TV Brasil, rede pública criada a partir da fusão da Radiobrás e da Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto (Acerp).
Os oposicionistas alegam que a MP é inconstitucional, porque não atenderia aos princípios da relevância e da urgência exigidos pela Constituição para a edição de medidas provisórias, e só admitem negociar com o governo se a proposta for reapresentada na forma de projeto de lei. Em outra frente, eles também aguardam o julgamento de um recurso protocolado pelo DEM no Supremo Tribunal Federal (STF) contra a proposição (leia mais).
“O governo não deve ficar testando a oposição a todo minuto nem colocar o Congresso contra a parede. Essa MP chegará ao Senado trancando a pauta, impedindo que o próprio governo esclareça sua proposta”, reclama o líder da minoria, senador Demóstenes Torres (DEM-GO). “Qualquer alternativa pode ser discutida, mas não por meio de MP. Não é hora de o governo criar uma TV pública”, critica o vice-líder do PSDB Alvaro Dias (PR).
“Passando na Câmara, no Senado a discussão vai ser mais difícil. É só ver o caso da CPMF”, adverte o deputado Paulo Bornhausen (SC), vice-líder do DEM e um dos coordenadores da campanha “Xô, CPMF”.
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Aprofundando o debate
A presidente da EBC, Tereza Cruvinel, acredita que a medida será aprovada na Câmara sem grandes dificuldades, apesar de o DEM ter fechado questão contra a proposta. Mas admite que, mesmo com espaço para negociações, o clima ainda é de animosidade no Senado. “Há resistências na oposição, mas nem o PSDB nem o DEM fecharam questão contra a MP. Acredito que, quando a MP chegar à Casa, vamos aprofundar o debate”, explica.
Tereza defende o uso de uma medida provisória para a criação da EBC. “Estamos unificando duas entidades com culturas e estatutos jurídicos distintos, a TVE-RJ e a Radiobrás. Tal processo gera insegurança e incerteza que podem ser danosas ao funcionamento das duas instituições. Nos prazos conhecidos para a aprovação de um projeto de lei, essa insegurança se prolongaria por tempo demais, e os custos poderiam ser ainda maiores”, argumenta.
Embora a oposição dê praticamente como certa a aprovação da medida provisória na Câmara, onde o governo dispõe de maioria folgada, o relator da MP, o deputado petista Walter Pinheiro (BA), admite que o texto enviado pelo presidente Lula é falho e, por isso, será modificado pelos parlamentares.
Mudanças no Congresso
Entre as alterações propostas por Pinheiro, está a definição de fontes alternativas de financiamento, de regras mais rígidas para a publicidade e de novos critérios para a composição do Conselho de Curadores, colegiado criado para fiscalizar a linha editorial e a programação da TV Brasil (leia mais).
“Quem dá a grana dá o tom”, observa o petista, ao admitir que a vinculação dos recursos somente ao orçamento federal representa um risco para a autonomia da emissora pública. Para evitar esse tipo de dependência, Pinheiro vai propor em seu relatório que parte dos recursos da nova TV saia do Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (Fistel), hoje estimado em R$ 3 bilhões.
Fundo de telecomunicações
O Fistel é alimentado por taxas cobradas das operadoras de telecomunicações para, teoricamente, ser usado pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) na fiscalização das empresas. “Sabemos que o governo não pode ceder todo o dinheiro do fundo, mas uma parte pode ir para a TV, sim”, disse o deputado ao Congresso em Foco.
O relator estuda vincular entre 12% e 15% da arrecadação anual do fundo para custear a nova rede pública. Com isso, além dos R$ 350 milhões previstos no Orçamento da União para 2008, a TV Brasil poderia receber uma injeção extra de R$ 360 milhões a R$ 450 milhões por ano.
O presidente da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática, deputado Júlio Semeghini (PSDB-SP), concorda com a alternativa apresentada por Walter Pinheiro. “Pelo menos uma parte dos recursos da TV Brasil não deve vir do orçamento, para acabar com a chance de contingenciamento do dinheiro por parte do governo”, defende o tucano. “Esse dinheiro liberado mês a mês pelo Executivo é uma grande fonte de pressão”, completa.
Tereza Cruvinel também apóia a sugestão do relator. Na avaliação dela, a alternativa pode garantir a independência da TV pública em relação ao governo. “Tudo o que o Congresso fizer para aperfeiçoar a MP será bem-vindo, principalmente no que diz respeito ao financiamento. A fórmula apresentada pelo deputado Walter Pinheiro, nesse aspecto, é muito satisfatória, porque garante a sobrevivência da TV pública mesmo que haja, no futuro, governos contrários ao projeto”, declara.
Já o presidente da Associação Brasileira das Emissoras Públicas Educativas e Culturais (Abepec), Antonio Achilis, acredita que a forma de financiamento proposta pelo governo não trará prejuízos para a programação. “Temos de adotar outra cultura no Brasil. O fato de o governo pagar não quer dizer que ele vai mandar”, afirma.
Criatividade
Para o presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Sérgio Murillo, o governo precisa ser mais criativo ao buscar novas fontes de financiamento para o sistema público de comunicação. “É louvável definir um valor para a EBC no orçamento, mas isso é contingenciável. Vai depender do governo de plantão”, declara.
Como alternativa, o presidente da Fenaj defende a criação de um fundo alimentado pelas redes privadas de comunicação. “São empresas que se beneficiam de uma concessão pública. Elas poderiam pagar uma taxa para ajudar no sustento da EBC”, considera. Murillo não descarta, ainda, a criação de uma taxa a ser bancada pelo contribuinte.
“Por que não discutir uma taxa paga pelo cidadão? Por que isso é um tabu no Brasil?”, questiona. “Queremos que o cidadão participe da gestão da TV pública. Por que ele não pode ajudar também na manutenção da emissora?”, sugere.
Representante do Coletivo Brasil de Comunicação Social (Intervozes), entidade não-governamental que tem participado ativamente das discussões sobre a MP no Congresso, Jonas Valente também vê com preocupação a possibilidade de o governo ser a única fonte de financiamento da nova TV. “É preciso que haja mecanismos vinculados e estáveis de financiamento”, afirma.
A MP 398 é a quarta das seis medidas provisórias que trancam a pauta da Câmara. Como os governistas querem evitar o trancamento da pauta no Senado, que ainda precisa votar, em segundo turno, a proposta de Desvinculação das Receitas da União (DRU), a expectativa é de que a MP só seja votada pelos deputados em fevereiro, após o recesso parlamentar.
No ar
Apesar de proposição ainda estar na pauta do plenário, a TV Brasil já está em funcionamento desde o início do mês. Isso acontece porque uma medida provisória tem poder de lei desde a data da sua publicação. Um decreto publicado em 25 de outubro oficializou a idéia já apresentada na MP, aprovando o Estatuto da TV pública e a nomeação da jornalista Tereza Cruvinel como presidente da Empresa Brasil de Comunicação.
Caso a medida provisória não seja aprovada na Câmara, a TV Brasil “deixa de existir juridicamente”, como explica o deputado Flávio Dino (PCdoB-MA). “A marca deixa de existir, mas alguém deve assumir o órfão. A situação anterior deve ser retomada”, declara Dino. A situação anterior lembrada pelo parlamentar é a volta da Radiobrás e da Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto (Acerp), instituições que deram origem à EBC. Flávio Dino ainda lembra que o decreto pode ser modificado, caso a MP 398 sofra alterações em suas passagens pela Câmara e pelo Senado.
Atualmente, a TV pública funciona a partir da unificação das programações da TVE do Rio de Janeiro, TVE do Maranhão e da TV Nacional de Brasília. Mas, a apresentação de uma programação própria, no entanto, está prevista apenas para março de 2008.
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