Edson Sardinha
Um dos mais fiéis escudeiros do presidente Lula no Congresso, o líder do PT na Câmara, Henrique Fontana (RS), defende o imediato cessar fogo entre governo e oposição após as eleições deste domingo. "A partir de segunda-feira, nós temos de baixar as armas e olhar para o interesse do país", afirma o deputado. No entendimento do petista, a eleição de governadores oposicionistas em estados importantes do país inviabiliza o chamado "terceiro turno", discurso levantado pelos defensores da candidatura de Geraldo Alckmin sobre a possibilidade de Lula não terminar o segundo mandato caso se reeleja.
"É uma operação absolutamente fantasiosa, ela não existe, seria um golpismo. Tenho certeza de que a maior parte das vozes da oposição não vai embarcar nessa tese, porque ela não é boa para o país, não é boa para ninguém, nem para a oposição, que, inclusive, têm responsabilidades enormes no país como governar grandes estados em que elegeram governadores", considera. Fontana alude a José Serra (PSDB), em São Paulo, e Aécio Neves (PSDB), em Minas Gerais.
Escaldado pela publicação das fotos do dinheiro que seria usado na compra do dossiê às vésperas do primeiro turno, Henrique Fontana prefere adotar um discurso cauteloso quanto ao resultado do próximo domingo. Apesar de as pesquisas indicarem a reeleição de Lula, para o líder da bancada do PT na Câmara, a eleição ainda não está decidida.
Nesta entrevista exclusiva ao Congresso em Foco, mesmo não admitindo a existência do mensalão – "uma marca criada pelo Roberto Jefferson" -, o petista diz que o governo Lula não pode repetir o erro que cometeu ao misturar alianças políticas com questões financeiras. "Não existiu o mensalão. Mas existiu algo também grave, que foi o repasse ilegal de recursos que alimentaram uma relação política com alguns partidos, como o PTB, o PL, o PP e o PMDB. Esse tipo de erro não pode ocorrer em nenhuma hipótese. É uma ilegalidade que não podemos repetir", destaca.
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O deputado também defende mais rigor na distribuição dos cargos públicos. "É outro critério que defendemos para este segundo governo: um rigor muito grande na composição e na qualificação dos novos quadros. Queremos que o segundo governo seja ainda melhor que o primeiro", diz.
A autocrítica de Fontana, porém, não pára por aí. Apesar de se declarar defensor da atual política econômica, o líder do PT considera que faltou maior ousadia na economia na redução da taxa de juros. Condições propícias para isso, na avaliação dele, existiram. "Nós tivemos que monitorar uma política com muitos cuidados, e ela foi vitoriosa ao longo dos quatro anos, mas, em alguns momentos, nós podíamos ter tido uma ousadia maior no sentido do crescimento econômico."
Na legislatura passada, o deputado publicou, ao lado do jornalista Laurez Cerqueira, dois livros em que critica duramente a política econômica do governo FHC: "O Outro Lado do Real – as marcas de um governo neoliberal no Brasil" (editora Veraz) e "Fernando Henrique Cardoso – crise, decadência e corrupção" (Câmara dos Deputados, edição Separatas).
Médico e administrador de empresas, gaúcho de Porto Alegre, Henrique Fontana acaba de se reeleger, com 90 mil votos, para o terceiro mandato federal.
Leia a seguir a íntegra da entrevista.
Congresso em Foco – O senhor admite alguma possibilidade de o presidente Lula não se reeleger neste domingo?
Henrique Fontana – Não trabalho no mundo das previsões. A poucos dias das eleições nossa concentração deve ser a de atuar de forma correta e manter uma posição extremamente atenta para qualquer fato novo que possa surgir. As pesquisas indicam um favoritismo sólido do presidente Lula, mas isso não quer dizer que a eleição esteja decidida. Temos de trabalhar até as 17h de domingo, quando termina a votação.
Às vésperas do primeiro turno, apareceram as imagens do dinheiro apreendido pela PF na operação do dossiê. O senhor teme pelo aparecimento de um fato novo até a eleição?
Eu acredito que não. Esta eleição foi muita acirrada. Muitos ataques foram feitos contra o nosso governo e o nosso presidente. A população tem uma análise criteriosa, bastante sólida, dos motivos pelos quais uma parcela majoritária está votando no presidente Lula e outra vota no candidato Alckmin. O volume de votos possíveis de serem modificados nestas últimas horas da campanha é muito pequeno. Não existe um grande fato novo a existir na eleição.
Nesta eleição, o presidente Lula chegou a beijar a mão de Jader Barbalho e, agora, subiu no palanque de Roseana Sarney no Maranhão. Esse tipo de gesto com antigos desafetos do PT não causa constrangimento ao partido?
É uma decisão do presidente Lula que temos de respeitar. Está baseada na relação que se estabeleceu entre o presidente, como chefe do Executivo, e o senador José Sarney (PMDB-AP) quando ele foi presidente do Senado. O nosso partido, no Maranhão, tem uma posição contrária e apóia a candidatura de Jackson Lago (PDT). Não me cabe analisá-la em detalhes. Temos apenas de respeitar a vontade política do presidente Lula e, a partir de segunda-feira, tentar recompor a insatisfação de alguns setores do partido no estado do Maranhão.
Acusado de muitos crimes, Jader Barbalho também foi um importante aliado do governo, ainda que não tenha aparecido para o grande público. Como explicar que figuras tratadas antes como inimigas pelo PT tenham se tornado tão próximas de Lula no governo?
O importante é nós reforçarmos a diretriz programática com a qual temos compromisso: as mudanças de caráter desenvolvimentista que estamos fazendo no país, a adoção de uma política externa para um projeto de nação sólido, altivo e mais plural com o mundo, e o combate à pobreza com forte distribuição de renda, que é uma das marcas positivas do nosso governo e pode ser ainda mais forte no segundo, por causa das condições que estão sendo criadas. Isso é o centro do movimento. Se determinados setores que antes se opunham a essa visão entendem hoje que esse tipo de iniciativa deve ser apoiado, temos de saber compor com essa pluralidade, essa diferença que existe dentro da sociedade brasileira. No segundo turno tem esta característica: são dois lados, o Brasil faz escolha entre duas alternativas. E, portanto, não há convívio de uma candidatura só de pessoas com as quais ela tem uma identidade histórica maior e de mais anos.
Então, na sua opinião, não foi o PT mas essas lideranças que mudaram?
Acho que uma frase totalizante de um lado ou de outro não dá conta disso. Nós temos a responsabilidade de ser o partido do presidente da República, o maior partido da aliança que governa o país. Temos de ter a capacidade de conviver com os diferentes sem abrir mão de nossos princípios e de nosso programa. Isso é importante.
Isso significa que esses personagens continuarão sendo importantes num eventual segundo governo Lula?
Ainda é muito prematuro apontar quem será mais ou menos importante. O momento agora é de trabalhar pela vitória eleitoral e depois analisar criteriosamente a experiência do primeiro governo, tirar lições de erros que ocorreram, para buscar um tipo de governabilidade e sustentação parlamentar que adotem critérios de participação no governo. Quem vai capitanear esse movimento é o presidente Lula. E só ele desencadeará esse processo de definir quais serão as figuras mais ou menos importantes. É prematuro analisar isso agora.
O senhor falou em erros cometidos. Numa autocrítica, que erros do atual governo não podem se repetir caso o presidente se reeleja?
O erro de misturar uma aliança política com uma questão financeira para partidos da base aliada. Até hoje estou convencido de que o mensalão foi uma marca criada pelo Roberto Jefferson. Não existiu o mensalão. Mas existiu algo também grave, que foi o repasse ilegal de recursos que alimentaram uma relação política com alguns partidos, como o PTB, o PL, o PP e o PMDB. Esse tipo de erro não pode ocorrer em nenhuma hipótese. É uma ilegalidade que não podemos repetir. Essa busca de governabilidade, da maioria, tem de se dar em cima do nosso programa, dialogando e ouvindo as necessidades e sugestões sobre as políticas a serem implementadas, o que vamos receber dos aliados. É assim que se faz um governo que compõe uma governabilidade. Com isso, garantimos que haja uma participação efetiva desses aliados no governo com toda transparência e também uma lealdade desses aliados na sustentação do governo.
Mas em que mudou a relação do governo com o PP, o PL e o PTB desde o escândalo do mensalão?
Sem duvida, mudou. Temos hoje uma relação de qualidade, baseada na política, na participação desses partidos, tanto construindo decisões de governo como partilhando dos resultados políticos positivos desta gestão. É normal, e é do mundo da política, que quem partilha de uma sustentação de governo participe dele, com responsabilidades, indicando pessoas qualificadas. É outro critério que defendemos para este segundo governo: um rigor muito grande na composição e na qualificação dos novos quadros. Queremos que o segundo governo seja ainda melhor que o primeiro.
Como conciliar tantos interesses se, em todo início de legislatura, parlamentares eleitos pela oposição também migram para a base governista?
Nesse caso, é importante a gente falar da questão estrutural. A minha posição e a do PT é que temos de votar a reforma política o quanto antes. Parece-me que isso é possível ainda nesta legislatura. Boa parte dos problemas que temos vivido é causada pelo sistema político brasileiro. A nossa tese é de que devemos votar ainda nesta legislatura, ou como primeiro grande projeto da próxima, a reforma política. Uma reforma que inclua a fidelidade partidária, o financiamento público de campanha, com zero de dinheiro privado nas eleições, e um limitador real de gastos, baseado em um teto de gastos para cada nível que estiver em disputa nas eleições. Por exemplo, vai se estabelecer que o deputado tal no Rio Grande do Sul pode gastar, no máximo, R$ 100 mil ou R$ 150 mil para igualar as condições entre as candidaturas. E, por mim, a votação nas listas partidárias como fazem democracias em diversos lugares do mundo. Isso qualifica o parlamento do ponto de vista eleitoral, porque deixa de ser uma escolha entre individualidades e passa a ser uma escolha mais programática.
Mas o senhor realmente acredita nessa mudança, já que as primeiras análises apontam para um novo Congresso ainda mais conservador que o atual?
Eu acho que sim, se houver um grande movimento nacional. Aí a imprensa tem um papel muito importante porque, se me permite uma crítica, uma parcela da nossa mídia me parece que, às vezes, transforma em essencial aquilo que é menos importante e dá menos espaço para questões essenciais estruturais. Se houver, por exemplo, um grande movimento nacional como houve para o fim do voto secreto – que considerei um movimento positivo e vitorioso de um grande debate nacional sobre o sistema político como sendo uma das causas principais das distorções que nós temos na política brasileira – eu não tenho dúvida de que o Congresso responderá a esse grande debate nacional.
Que outros erros o governo Lula e o PT não podem repetir num eventual segundo mandato?
Eu acho que o segundo governo Lula será um governo mais ousado do ponto de vista de uma política de crescimento econômico. Nós tivemos que monitorar uma política com muitos cuidados, e ela foi vitoriosa ao longo dos quatro anos, mas, em alguns momentos, nós podíamos ter tido uma ousadia maior no sentido do crescimento econômico.
Quando, por exemplo?
Em alguns momentos em que a inflação já estava mais sob controle, talvez a taxa de juros pudesse ter caído mais rapidamente. Sou um defensor da nossa política econômica, acho que ela deu resultados positivos e retirou o país de uma situação de impasse. O Brasil tinha quebrado duas vezes, estava como taxa de juros a 25%, a base da Selic, o dólar havia estourado, havia um descontrole enorme na economia. Mas eu também entendo que nós temos esta obrigação de aperfeiçoar e ir mais longe no segundo governo. Talvez esse seja o segundo ponto para o qual eu chamo a atenção.
E o terceiro ponto?
Talvez questões pontuais, que não me ocorrem no momento.
Na área social, pilar do PT, não houve erros?
Na área social eu acho que nós temos que continuar com as políticas que estão sendo feitas e o eixo definido de ampliar a prioridade que já foi dada para a educação no primeiro governo. Isso me parece muito positivo porque, na minha visão, a principal forma de distribuição de renda em uma sociedade nos dias de hoje é a democratização do acesso à educação. É a melhor maneira de as pessoas saltarem de patamar do ponto de vista da sua renda. E eu aposto muito nessa prioridade da educação.
Mas o governo não se contradiz ao desvincular a Bolsa Família do compromisso de a criança freqüentar a escola?
Eu acho que essa desvinculação não existe. O controle de freqüência é feito. Pode não ter ainda a qualidade e a perfieição que todos nós gostaríamos. Mas esse controle é feito e as condicionalidades, como são chamadas, devem permanecer.
O Congresso ainda tem propostas importantes para votar este ano, como a LDO e orçamento. Esse clima belicoso da campanha não vai inviabilizar essas votações?
Eu acho que a partir de segunda-feira esse clima belicoso diminuirá sensivelmente. Não quer dizer que não vão continuar tendo as disputas, mas elas diminuirão muito.
Mas diminui mesmo com a oposição falando em terceiro turno?
O terceiro turno é uma espécie de tentativa de desestabilização que a oposição usa na reta final do segundo turno. Mas é uma operação absolutamente fantasiosa, ela não existe, seria um golpismo. Tenho certeza de que a maior parte das vozes da oposição não vai embarcar nessa tese, porque ela não é boa para o país, não é boa para ninguém, nem para a oposição, que, inclusive, têm responsabilidades enormes no país como governar grandes estados que elegeram governadores. A partir de segunda-feira, nós temos que baixar as armas e olhar para o interesse do país.
Grandes crises do governo Lula, como o caso Waldomiro, o mensalão e o dossiegate, envolveram gente do PT. O partido precisa rever os seus quadros, os critérios adotados na filiação?
O partido, sem dúvida, tem que passar por uma reestruturação importante, e que já está em curso. Desde o último ano, depois que se vivenciou o auge da grande crise, o partido passa por uma reestruturação. E essa reestruturação é extremamente positiva. Eu não concordo com a tese de que o PT é que trouxe problemas. O presidente do PT trouxe muitas soluções para o presidente Lula. Um partido que indica uma ministra como Dilma Rousseff, um ministro como Tarso Genro, que oferece um quadro com Jaques Wagner para ser ministro e tantos outros. É um partido que tem quadros excelentes. O fato de que algumas pessoas no PT cometeram erros graves não nos autoriza fazer uma espécie de julgamento petista. Não se pode colocar todos os petistas no banco dos réus e fazer um julgamento a partir de quatro pessoas que foram lá comprar um dossiê ou de meia dúzia de pessoas que operou uma decisão ilegal de repassar recursos para partidos da base aliada. Nós vamos sim ter rigor na composição do nosso governo. Mas esse rigor não se dirige apenas para o PT. Acho que foi um grande erro o governo ter mantido uma relação com Roberto Jefferson, por exemplo, que não é do PT.
Mas o governo não repete o erro ao manter aliança com figuras controversas como Jader Barbalho?
Nós já passamos por essa pergunta (responde, abrindo os braços).
Mas o governo não fica mais exposto quando se alia com determinados personagens?
Na minha opinião, já respondi a pergunta sobre a composição e tenho convicção de que o nosso segundo governo será um governo ainda melhor do que o primeiro.
O presidente Lula está com o mesmo percentual da eleição passada, mas nós não sentimos nas ruas a euforia que caracterizava a militância petista. Ao que o senhor atribui isso? Mudou o perfil do eleitor do PT? Ou houve algum desencanto?
Mudou uma parte do eleitor do PT, mas, felizmente, a grande parte está reaglutinada no nosso projeto. Eu acho que ausência de uma militância mais intensa é conseqüência da crise que nós enfrentamos. As pessoas sentiram essa crise. Então muitos estão votando em nós, mas não estão dispostos a ter o tipo de militância que tinham antes. E eu acho que este é o nosso desafio ao longo dos próximos quatro anos: chegar ao final da próxima eleição geral com um volume de militância nas ruas maior do que temos hoje. Se bem, que eu acho, que a nossa militância está reagindo de maneira muito positiva, ela foi muito corajosa, muito politizada e muito atuante. Não fosse ela, não teríamos vencido a batalha, que foi dura. Se dependesse do Bornhausen (presidente nacional do PFL), ele queria se ver livre da nossa raça por 30 anos. E quem garantiu que nosso projeto permanecesse com a vitalidade que ele tem foi a nossa militância.
Alckmin disse que espera, caso seja eleito, um PT mais maduro em seu governo. O senhor também espera mudança no comportamento da atual oposição no caso da reeleição de Lula?
Eu gostaria muito. Vou fazer um esforço para isso. Não sei se vamos ser bem sucedidos, porque o que vimos neste primeiro governo Lula foi uma posição muito raivosa de alguns setores.
O senhor acha que se acirra isso, uma guerra já para 2010?
Vamos aguardar. Sempre com otimismo.