Carol Siqueira
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Para pacificar a própria base e obter apoio para projetos de interesse do governo, o PT aposta no poder de conciliação de um ex-tucano. Novo líder do partido no Senado, o senador Delcídio Amaral (MS) estréia na função com a promessa de ampliar o diálogo com a oposição e de facilitar a vida do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na Casa onde o governo não dispõe de maioria absoluta. Petista há apenas quatro anos, Delcídio assume a liderança do partido sob a desconfiança de militantes históricos e com a responsabilidade de dar uma nova face à bancada. A postura conciliadora do sul-mato-grossense contrasta com o estilo agressivo de sua antecessora, a catarinense Ideli Salvatti, desgastada após sucessivos bate-bocas com a oposição em plenário. “Eu sou um líder ‘light’. Você nunca vai me ver em debates exaltados, em enfrentamentos políticos, porque não é o meu perfil”, diz. Leia também Graças ao livre trânsito entre tucanos e pefelistas, Delcídio subiu na avaliação do Planalto durante as discussões sobre dois dos principais projetos analisados pelo Senado no ano passado: o das parcerias público-privadas (PPPs) e o da biossegurança. A postura do senador em relação aos transgênicos e à demarcação de terras indígenas lhe rendeu a antipatia dos petistas ligados à ministra do Meio Ambiente, Marina Silva e, por pouco, não custou a indicação ao cargo. Por essas e outras, o senador reconhece ter pouca afinidade com os quadros históricos do partido. “Mas eu confesso que no início sofri bastante por ter um perfil diferente dos demais colegas. Por outro lado, essa diferença me dá uma boa relação com os outros partidos, inclusive com aqueles da oposição, e com as demais lideranças. Então acho que vou ajudar muito nessa articulação”, avalia. Aos 50 anos de idade, Delcídio vai pôr à prova o novo estilo petista de liderar em abril, quando a medida provisória (MP 232/04) que aumenta a carga tributária dos prestadores de serviço chegar ao Senado. “Essa medida provisória só passa com negociação. Ela não vai passar do jeito que veio”, prevê. O novo líder do PT critica o governo pelo abuso na edição de medidas provisórias e pela derrota do candidato oficial do partido, Luiz Eduardo Greenhalgh (SP), na disputa pela presidência da Câmara. Cobra mais atenção dos ministros aos parlamentares e menos bate-cabeça na articulação política da Casa Civil com o Congresso Nacional. Governista “Neopetista”, como ele mesmo frisa, Delcídio está mais acostumado com a condição de governista do que todos os seus colegas de bancada. Em 1994, então filiado ao PMDB, foi secretário-executivo e ministro de Minas e Energia no governo Itamar Franco. Já no PSDB, ocupou cargo de direção na Petrobrás entre 2000 e 2001. Naquele mesmo ano, a convite do governador José Orcírio Miranda (o Zeca do PT), o engenheiro eletricista assumiu a secretaria de Infra-Estrutura e Habitação de Mato Grosso do Sul e se filiou ao PT. Em 2002, surpreendeu o próprio partido ao abrir mais de 70 mil votos de frente sobre o experiente ex-senador Pedro Pedrossian (PST) na corrida ao Senado. Delcídio Amaral – Se existe alguém que apanhou do PT, fui eu. Quando me filiei ao partido, apresentaram recursos (contra a filiação) nos diretórios municipal, estadual e nacional, e eu tive de me defender. Hoje eu entendo como o PT funciona. É um partido que discute cada tema com exaustão. Cada tema que você trata ao longo do mandato é muito discutido, e eu já me acostumei com isso. Acho que, assim, as coisas levam um pouco mais de tempo, mas todo mundo participa. Mas eu confesso que no início sofri bastante por ter um perfil diferente dos demais colegas. Por outro lado, essa diferença me dá uma boa relação com os outros partidos, inclusive com aqueles da oposição, e com as demais lideranças. Então acho que vou ajudar muito nessa articulação. Um pouco de cada coisa. O PT, por ser governo, naturalmente teria de buscar um posicionamento mais compatível com o ônus e o bônus que essa condição traz para qualquer partido. Eu aprendi também muitas coisas com o PT. Acho que cada um, em função da própria experiência, procurou se ajustar para fazer o melhor para o país. Como líder do bloco, vou ter o desafio de ser uma liderança de resultados para o governo. O senhor é chamado de “neopetista” pela mídia, que repercutiu bastante a sua indicação para a liderança. Como foi a discussão dentro do partido, que decidiu pôr um neopetista na linha de frente? Como sou um “neopetista”, como eles falam sempre, até então eu não conhecia muitos petistas históricos, apenas algumas lideranças. Estou no partido há quatro anos. Na bancada, a troca de alguém com um perfil histórico (a senadora Ideli Salvatti) por um senador do meu perfil gerou um certo debate. No início, achavam que o líder tinha obrigatoriamente de ter um perfil mais militante. Mas nós conversamos com a bancada, com a ajuda dos senadores Aloizio Mercadante, Tião Viana e Ideli, para explicar uma série de posicionamentos que assumi, por exemplo, quando fui relator da MP dos Transgênicos. Eu não faço nada sem explicação, sem trabalhar as minhas opiniões, sem avaliar os prós e os contras, ainda que alguns colegas discordem. Eu olho tudo com certa cautela e ponderação. Houve um certo embate na bancada por causa de sua escolha. Daqui pra frente, como vai ser? O senhor prevê mais desentendimentos com os colegas? Eu não posso ter mais embate com a bancada, porque, apesar de ainda ser senador, assumi a posição de líder. Um líder vai refletir o que a bancada entende como razoável. Posso até discutir, colocar as minhas posições, que muitas vezes não têm aceitação por parte dos senadores, mas hoje sou um líder. Eu não vou abrir mão das minhas posições, mas vou ter de defender a bancada, ou seja, atuar como um catalisador, como uma pessoa que vai ouvir os senadores e defender a posição do partido e a visão do governo. Eu sou uma pessoa que vai ajudar o governo. Não tenho problema em assumir que quero ajudá-lo. Vou fazer o possível, mas respeitando o partido. “Eu sou uma pessoa que vai ajudar o governo. Não tenho problema em assumir que quero ajudá-lo. Vou fazer o possível, mas respeitando o partido” De que maneira a liderança do senhor vai diferir da liderança da senadora Ideli Salvatti? Tenho um perfil diferente, sou uma pessoa moderada, que conversa mais, que trabalha as decisões. Tenho um perfil compatível com a minha história política, assim como a Ideli, que é uma pessoa mais aguerrida, fruto da militância dela com os movimentos sociais. Eu sou uma pessoa moderada, do diálogo, da conciliação. Um “líder light”, como diria o presidente? (risos) Isso mesmo. Eu sou um líder “light”. Você nunca vai me ver em debates exaltados, em enfrentamentos políticos, porque não é o meu perfil. Venho de uma experiência de um estado, o Mato Grosso do Sul, que convive há muito tempo com a política de alianças. O governador Zeca (José Orcírio) foi o primeiro petista a se aliar ao PL, que hoje faz parte da base governista. “Eu sou um líder light. Você nunca vai me ver em Qual será o primeiro desafio do governo no Congresso? A MP 232/04 (medida provisória que corrige a tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física em 10% e eleva de 32% para 40% a incidência da Contribuição Social sobre Lucro Líquido das empresas prestadoras de serviço), acredito.
Essa medida provisória só passa com negociação. Ela não vai passar do jeito que veio. O Congresso vai melhorar o texto, sim. O que nós não melhoramos no Senado? A reforma tributária, as Parcerias Público-Privadas (PPPs) foram aprimoradas no Senado. Alguém pode questionar que não houve uma melhora nos textos pelo Senado? Isso é uma interação da bancada com o governo. Tem de se buscar uma solução que seja compatível com a realidade do país, a realidade partidária e os interesses do governo. Essa MP é o primeiro grande desafio do governo, num momento importante. É o começo do ano legislativo, acaba de assumir uma nova Mesa Diretora. No caso da Câmara, o resultado não saiu conforme o esperado com a derrota do Greenhalgh, mas nós temos de aprender com o que aconteceu. “Essa medida provisória (MP 232) só passa com O que o governo e o partido aprenderam com a derrota na Câmara? Aprenderam que o processo da reeleição nas duas Casas postergou um processo de costura política que poderia levar à consolidação da candidatura de Greenhalgh. O processo de escolha da candidatura oficial também poderia ter sido mais bem trabalhado. Além disso, faltou uma ação política consistente do governo na Câmara, que é resultado de uma situação não muito bem definida no que se refere à articulação política entre o Congresso e a Casa Civil. Nesse ponto, houve um erro. Isso se somou ainda a um mal-estar – não digo generalizado – de que algumas áreas do Executivo precisam ouvir mais os parlamentares e lhes dar mais atenção. Pode-se até dizer não aos pedidos, mas o simples fato de ser ouvido por um ministro envaidece o deputado e o senador. A eleição do Severino não me preocupa, porque ele é da base do governo. O que me preocupa é esse processo que tomou conta da Câmara, em que não existe compromisso com a liturgia que sempre deu a presidência para a maior bancada, nem com o governo ou o partido. “A eleição do Severino não me preocupa, porque ele é da base do governo. O que me preocupa é esse processo que tomou conta da Câmara, em que não existe compromisso com a liturgia que sempre deu a presidência para a maior bancada, nem com o governo ou o partido” O governo está sendo negligente com os parlamentares? O novo presidente da Câmara chegou a falar que falta respeito no tratamento dos ministros aos parlamentares. O senhor concorda com isso? Eu não generalizo isso. Não é todo o governo que funciona assim. Existem ministros que respondem prontamente aos parlamentares, retornam ligações, são parceiros. Outros não, porque trabalham em áreas sensíveis e, por isso, são muito exigidos. Eu não vou citar nomes, até por elegância, mas essas deficiências ocorreram e refletiram no processo eleitoral na Câmara. “Existem ministros que respondem prontamente aos parlamentares, retornam ligações, são parceiros. Outros não, porque trabalham em áreas sensíveis e, por isso, são muito exigidos” Se o senhor pudesse fazer uma relação matemática, qual seria o percentual de ministros acessíveis e de ministros que tratam das “áreas sensíveis”, como o senhor mencionou? Não, eu prefiro me abster nessa questão. Mas eu acho que esses acontecimentos vão levar a uma reflexão clara por parte do governo, não só com relação aos ministros, mas também em relação às alianças com outros partidos. O bom senso indica a necessidade de uma reflexão. E isso mostrou a necessidade, mais do que nunca, de uma reforma política. Porque nós vimos coisas altamente fora de contexto. Criaram a figura do “leasing” de deputados, uma coisa que eu imaginei que nunca fosse ocorrer. Nós temos de ter o mínimo de disciplina nessas coisas, o que passa pela fidelidade partidária e outros aspectos que devem ser aprovados. A reforma política vai ser aprovada ainda este ano, para que possa ser aplicada já nas próximas eleições? Eu acredito que alguns pontos serão aprovados. Quais pontos? A fidelidade partidária e a questão da verticalização das coligações. Eu ainda não tive oportunidade de analisar o projeto. O senhor é a favor do financiamento público de campanhas? Eu não tenho uma opinião muito clara sobre isso. Em tese, é meritório, mas a gente precisa avaliar muito bem como isso vai ser colocado para a opinião pública. Isso tem de ser muito bem apresentado para a população, porque os últimos acontecimentos trouxeram um desgaste enorme para a classe política. Com isso, uma coisa que eu acredito ser meritória pode passar para a população como “mais dinheiro para os políticos”. O senhor acredita que os senadores vão querer restabelecer o projeto original da PEC paralela da Previdência ou estão satisfeitos com as mudanças da Câmara? Olha, eu não sei as mudanças que foram introduzidas na PEC paralela, mas nós precisamos avaliar o que foi feito. Essa PEC nasceu aqui, foi pra Câmara, agora é absolutamente fundamental para o governo encerrar essas reformas importantes que foram introduzidas pelo governo em 2003 e 2004. A reforma tributária também precisa ser terminada. Como vai ficar a questão do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) na reforma tributária? É uma questão que nós precisamos enfrentar para encerrar o ciclo de reformas, até porque, na minha visão, 2005 pode ser um ano em que nós vamos tratar de assuntos específicos e complementares. Por exemplo, agências reguladoras. É um tema importantíssimo. Nenhum investidor vai pôr dinheiro num país que não tenha as agências bem definidas. Isso compõe o arcabouço legal que vai trazer confiabilidade para o país. Tem ainda o projeto da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), que vai impactar muito no setor de aviação comercial brasileira. A reforma política, eu já falei. Nesta semana, vamos discutir com os outros líderes mudanças no orçamento. Existe ainda uma comissão criada no Senado para estabelecer os critérios de tramitação das medidas provisórias, até pra disciplinar melhor essa questão. O senhor diria que há excessos na edição de MPs? Sem dúvida. Nós fizemos um levantamento com o senador Aloízio Mercadante (líder do Governo no Senado), que apontou que mais de 40% das medidas provisórias editadas podiam ser apresentadas como projeto de lei, sem nenhuma dificuldade. E isso já foi dito para o governo. E ele está sensível diante disso, sabe que o desgaste é grande. Mas eu entendo a posição governista. O governo queria acelerar uma série de projetos para criar as condições necessárias para desenvolver o país, viabilizar as políticas sociais. O governo assumiu conscientemente esse desgaste, mas chega um determinado momento que não dá mais. A maioria dessas propostas que o senhor mencionou ainda está na Câmara. Quais as prioridades do Senado para este ano? O Senado limpou a pauta no ano passado. Agora passa a ser iniciativa da Casa a questão das medidas provisórias, a bandeira da reforma política e a revisão do orçamento – uma agenda muito mais do Parlamento. Temos pautas importantes pra discutir e fazer com que as coisas aconteçam. Tem ainda a legislação da reforma do Judiciário. Como vai ser o relacionamento do Senado com a bancada da Câmara, com a vitória de Severino? A bancada do PT na Câmara é bastante forte. Nós não elegemos o presidente, e isso vai precisar ser arrumado. E não adianta resolver tudo precipitadamente. Estamos ainda na fase da ressaca. Vamos ter de se refletir, a fim de recompor uma maioria estável na Câmara e recompor também a relação com o Senado. O senhor acha que mesmo com a bancada da Câmara “rebelde”, o governo vai finalizar as reformas e aprovar toda a sua agenda? Aprovará, sim. Evidente que não podemos tapar o sol com a peneira, porque evidentemente houve uma derrota e isso não quer dizer que estamos totalmente derrotados. Perdemos uma batalha, não a guerra. Nós vamos ter de nos recompor. Foi uma derrota inegável. “(Derrota na Câmara) Perdemos uma batalha, não a guerra. Nós vamos ter de nos recompor. Foi uma derrota inegável” Em que medida o excesso de MPs vai atrapalhar os trabalhos legislativos? A pauta da Câmara já está trancada. Algumas matérias devem atrasar, mas eu confesso que só vou começar a lidar com isso na segunda semana de trabalhos, porque esse começo ficou por conta da eleição da Mesa e da reorganização da Casa. No ano passado, ficou essa imagem de atraso, porque tivemos um ano atípico: excesso de medidas provisórias aliado a um ano eleitoral. Mas, mesmo assim, o Senado deu um “show de bola” em 2004, porque nós terminamos o ano com a pauta limpa. Então, se existir vontade e determinação, nós vamos atacar essa pauta em 2005 e dar conta do recado. Não tenho dúvida disso. É evidente que ainda estamos vivenciando os transtornos que herdamos do ano passado, principalmente essa questão das medidas provisórias. É complicado, mas daqui pra frente, como diz o Roberto Carlos, “tudo vai ser diferente”. O ano já começou bem diferente para o PT, não? É, já começou diferente. Mas eu acho que a gente vai dar conta do recado. É uma agenda qualificada, conceitualmente boa. O senhor acha que o PT vai passar o ano sem mais surpresas desagradáveis? Acredito que sim. Acho que a lição da semana passada (a derrota na Câmara) foi a gota d’água. Às vezes, certas coisas vêm para o bem. Como sou otimista, tenho convicção de que, apesar do desgaste, nós vamos aprender muito com isso e melhorar. A essência de saber viver direito é aprender a melhorar com os erros, e acho que isso vai acontecer. Eu sou otimista. E acho que, aprovando essa agenda mínima que mencionei, estão criadas as premissas para que o país cresça e se desenvolva de uma maneira sustentável. Essa agenda mínima que o senhor mencionou garantiria a reeleição do Lula? Acho que sim. O presidente vai muito bem, e eu não tenho dúvidas de que, com isso, ele cria as pré-condições necessárias para que o país cresça. E, vendo os resultados, é muito difícil que ele não se reeleja. Mas é claro que política é uma coisa complicada. Pode haver um acontecimento inesperado, um “acidente de percurso”. Se prevalecer essa lógica, no entanto, eu acho que nós temos tudo para reeleger Lula. |