Sylvio Costa
As eleições de 2006 prometem ficar marcadas por um fato que a distingue claramente de pleitos anteriores: a freqüência e a intensidade com que muitos brasileiros questionaram a cobertura que a chamada "grande imprensa" faz da campanha eleitoral. Sem dúvida, o comportamento da mídia em períodos eleitorais já foi alvo antes de polêmica e acusações. Um caso clássico é o da famosa edição do debate entre Lula e Collor, feita pela TV Globo no segundo turno da disputa presidencial de 1989.
Mas, agora, temos pelo menos duas novidades. Em primeiro lugar, a abrangência da crítica, que é contra quase todos os veículos de comunicação. Em segundo, a maneira com que essa crítica ecoa, em grande parte por causa das múltiplas e libertárias possibilidades de expressão permitidas pela internet. O assunto foi objeto, aliás, de extensa reportagem que levamos ao ar no último dia 29 (acesse). No dia 13, o Congresso em Foco voltou ao tema ao noticiar em nota (clique aqui para ler – pode demorar a carregar) um dos frutos desse descontentamento, que parece atingir parcela expressiva da chamada opinião pública: a publicação na rede do "Manifesto por uma mídia democrática e independente".
Também inédita, a iniciativa é mais que um simples manifesto (veja a íntegra). Trata-se de um abaixo-assinado eletrônico subscrito por pessoas que cobram do Ministério Público Eleitoral punição contra as "intervenções da grande mídia no processo eleitoral". Para os signatários do documento, a grande imprensa está descumprindo o artigo 22 da Lei Complementar número 64/1990, que impede a "utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político".
O articulador do manifesto
Somente há duas semanas no ar, o manifesto já recebeu até este momento 3.173 assinaturas. Por trás da iniciativa, está o professor Bajonas Teixeira de Brito Júnior, do Departamento de Filosofia da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Mestre em Sociologia pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), ele é doutor em Filosofia pela Federal do Rio de Janeiro, a UFRJ, instituição em que também fez um pós-doutorado. Publicou os livros Lógica do disparate (2001) e Método e delírio (2003), além de vários textos acadêmicos e filosóficos em revistas especializadas. Bajonas é ainda o coordenador de uma revista eletrônica (www.revistahumanas.inf.br) e mantém na internet um blog.
Embora considere a cobertura da mídia desequilibrada, em benefício de Geraldo Alckmin (PSDB) e em desfavor de Lula (PT), Bajonas está longe de ser um lulista roxo. "Seria um equívoco fazer, ao modo da mídia, a apologia de um candidato", diz ele em entrevista ao repórter Renaro Cardozo, do Congresso em Foco (eis a íntegra). "Deixo os encômios e as apologias para os colunistas. Minha posição procura, antes de tudo, contribuir para dar amplitude ao debate público e democrático, que não se deixe construir por manipulações, mas se ancore em programas e projetos, na igualdade de chances e na exposição equilibrada dos postulantes aos cargos públicos. Qualquer outra posição que não essa conduz ao mesmo partidarismo que recrimino".
Na entrevista, feita por e-mail, ele desfia argumentos absolutamente desconcertantes. Pra começar, explica que sua insatisfação – assim como a de outras pessoas – vai muito além da cobertura eleitoral. Na sua opinião, a qualidade da mídia brasileira é "muito baixa":
"Queremos colunistas e articulistas, mas que estejam à altura do publico leitor e que possam dialogar com esse público em vez de servirem apenas de medium, ou correia de transmissão, de senhores de engenho midiáticos. Uma população livre, democrática, não quer uma mídia baseada no trabalho escravo".
Prossegue o professor: "O manifesto expressa um repúdio muito mais vasto do que hoje podemos avaliar ao que tem sido o comportamento da mídia. Ao que tudo indica, o leitor médio hoje possui uma argúcia maior que o colunista médio. Assim, os ditos ‘formadores da opinião pública’ necessitam urgentemente de uma formação suplementar. Os seus jogos verbais, as suas considerações ‘críticas’ e cacoetes intelectuais aparecem como elementares para uma faixa muito ampla de leitores".
Contra o "velho Oeste"
Bajonas conta que os dados do Observatório Brasileiro de Mídia foram fundamentais para o surgimento do manifesto. "Analisando as percentagens, descobrimos que houve na imprensa, na última semana antes das eleições, nada menos que 1.511 % a mais de matérias negativas para um dos candidatos", relata, referindo-se a Lula.
Daí para o lançamento do abaixo-assinado, diz, foi um pulo, já que "pessoas alheias ao mundo das redações – engenheiros, físicos, estudantes, filósofos etc. – tornaram-se de repente colunistas, colunistas que estavam denunciando justamente o colunismo corrente na imprensa".
Há no manifesto, acrescenta ele, "um repúdio muito mais vasto" ao comportamento da mídia. "Apenas dei uma forma a um descontentamento generalizado", escreve o professor. Conforme suas palavras, esse vasto repúdio envolve, em primeiro lugar, "uma realidade nova: essa da internet e dos rápidos, digamos, torvelinhos, que podem evoluir a tornados, e que se formam em situação de alta temperatura".
Inclui, em segundo lugar, o já citado inconformismo com o nível de qualidade oferecido pela imprensa brasileira e, sobretudo, por seus colunistas. Em terceiro, um tema extremamente polêmico, a necessidade de regulamentar o que a mídia pode ou não fazer: "A mídia brasileira é um dos setores menos regulamentados da sociedade. Isto é, uma terra de fronteira sem lei. Um verdadeiro velho Oeste". Por isso, ele defende a criação do Conselho Federal de Jornalismo.
Faz um ano que foi soterrada a primeira tentativa de emplacar a idéia. Proposto pelo governo Lula ao Congresso, um projeto de lei versando sobre a matéria terminou sendo arquivado por solicitação do próprio Executivo, debaixo de uma chuva de críticas dos meios de comunicação. A proposição foi vista como uma manobra para controlar a mídia, num contexto em que a administração petista se encontrava sob ataques em razão dos seus notórios e profundos escorregões éticos.
Bajonas argumenta, porém, que "não pode haver segmento de atividade humana sem lei". Defende, por exemplo, a "cláusula de consciência, isto é, o direito garantido ao jornalista de não realizar matérias que possam ferir seu senso moral ou levá-lo a correr riscos".
Também critica o governo Lula por concentrar seus gastos publicitários na grande imprensa. "É preciso também um investimento forte do governo na mídia alternativa, nos jornais de comunidade, em novos meios e novas experiências de informação", prega o professor. Tudo isso torna a leitura da entrevista obrigatória para quem tem interesse em refletir sobre as complexas e íntimas relações entre mídia e política no Brasil.
Clique aqui para acessar a entrevista completa.
Veja alguns comentários publicados pelos signatários do manifesto.
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