Ronaldo Brasiliense
Poucos procuradores da República alcançaram tanta projeção na mídia quanto Luiz Francisco Fernandes de Souza, 44 anos. Sua notoriedade se deve à implacável marcação que exerceu contra as irregularidades cometidas durante o governo Fernando Henrique Cardoso. Alvos de investigações por ele comandadas, algumas autoridades – como o senador cassado Luiz Estevão (PMDB-DF) ou o ex-ministro Eduardo Jorge, secretário-geral da Presidência de FHC – polemizaram publicamente com o procurador, questionando de modo veemente sua atuação.
Luiz Francisco também trouxe à tona o escândalo do painel do Senado, caso de violação de uma sessão secreta (na qual Estevão foi cassado) que deu origem a uma crise envolvendo políticos de destaque de três grandes partidos: os ex-presidentes do Senado Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA) e Jader Barbalho (PMDB-PA) e o ex-senador e atual deputado federal José Roberto Arruda (PFL-DF). O procurador foi acusado até de trabalhar a mando do PT, partido em que militou enquanto estava na universidade.
Hoje, Luiz Francisco confessa estar decepcionado com o governo Lula. “Palocci é marionete dos banqueiros”, afirma. Condena ainda Lula porque “em três anos vai pagar R$ 300 bilhões de juros da dívida”. O dinheiro, completa, possibilitaria erradicar o analfabetismo e doenças endêmicas do país, além de implementar “um gigantesco projeto de reforma agrária”.
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Mas suas críticas mais ácidas são para os governos anteriores. No seu entender, a corrupção na administração petista vem de um “esquema gerado no tempo do ex-presidente dos tucanos”, o senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG). “O governo Lula foi conivente porque manteve, mas são estruturas criadas por tucanos, por pefelistas, por governos anteriores”, diz. Luiz Francisco também atribui a FHC a responsabilidade pelos altos juros pagos pela nação: “Seu Fernando Henrique pegou a dívida interna e multiplicou ela por dez”. E arremata: “Comparando com o governo do Fernando Henrique, o governo Lula tem apresentado melhores resultados”.
Nesta entrevista, o procurador ataca ainda a morosidade do Poder Judiciário, que aponta como principal causa da impunidade no Brasil. E fala que não se arrepende de nada do que fez, e defende a estatização dos bancos e a prisão dos banqueiros.
Congresso em Foco – O senhor se arrepende da sua atuação como procurador, fazendo denúncias constantes contra o governo Fernando Henrique, que o chamava de petista?
Luiz Francisco de Souza – Eu não me arrependo de nada. Talvez por não ter processado mais alguns tantos. Dos que eu processei, não tenho nenhum arrependimento. Pelo que eu saiba, não ataquei ninguém inocente.
O senhor é petista?
Eu não sou petista coisa nenhuma. Eu sou ligado a uma corrente jurídica ligada ao direito alternativo, ligada à Teologia da Libertação, ligada ao jusnaturalismo. É essa a corrente jurídica que eu sigo. Nunca tive vinculação orgânica com o PT. Petista eu fui quando estava na universidade. Quando eu passei para procurador, em 1993, já não tinha ligação com nenhum partido. E de lá para cá eu nunca tive ligação partidária.
Como o senhor analisa o governo Lula? As denúncias de mensalão, de corrupção nos Correios ou o repasse de recursos do Banco do Brasil para o valerioduto o surpreendem?
Surpreendem. Sobre a corrupção, tenho a mesma opinião que a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil). A principal corrupção no país é estrutural, ligada às estruturas sociojurídicas que estão vigentes. O governo Lula foi conivente porque manteve, mas são estruturas criadas por tucanos, por pefelistas, por governos anteriores. Especialmente a política econômica, porque o Palocci segue o malanismo (referência a Pedro Malan, ministro da Fazenda do governo FHC).
A política econômica de Lula é a mesma de FHC?
O governo Lula, em três anos, vai pagar R$ 300 bilhões de juros da dívida. Vai pagar porque o seu Fernando Henrique pegou a dívida interna e multiplicou ela por dez. Pegou a dívida externa e duplicou ela. Por conta disso, é bom citar que com R$ 300 bilhões a gente acabava com o analfabetismo, acabava com doenças endêmicas, erradicava hanseníase, dengue… fazia um gigantesco projeto de reforma agrária, um programa de política habitacional…
O que você destaca de positivo no governo Lula?
O governo Lula teve um mérito nesses três anos: quase não teve grandes investimentos, grandes obras. Mas eu vejo com muito bons olhos, porque o governo que faz gigantescas obras está dando gigantescos contratos a gigantescos empresários que também financiam a candidatura daquele governante. O fato de ter agora R$ 8 bilhões no programa Bolsa-Família e poder chegar a R$ 11 bilhões eu vejo também com muito bons olhos. Tem que se caminhar para garantir renda mínima para todo mundo.
Mas isso não diminui o impacto das denúncias de corrupção no governo Lula…
Esse esquema foi gerado no tempo do ex-presidente dos tucanos, o Eduardo Azeredo. Eu acho que o Azeredo sabia do esquema e isso vai ficar claro logo, logo, pelas informações de tucanos. E foi um esquema que parte do PT incorporou. Eu tenho certeza que do PT, dos 800 mil filiados, dos mais de 300 mil que votaram no PED (processo de eleição direta), a grande maioria não sabia disso.
E a saída da Heloisa Helena, do Babá, da Luciana Genro e agora do Plínio de Arruda Sampaio, do Chico Alencar e até do Hélio Bicudo não mostra que o PT perdeu o rumo?
São pessoas que incluo entre as melhores. Tem ainda o Francisco Oliveira e aquele cara lá do Rio de Janeiro, o Milton Temer, que é um magnífico pensador. O Psol nasce como um partido muito bonito e ressuscita aquilo que o PT tinha e está em vias de perder, o PT da pluralidade, que não aceita o pensamento único. O Zé Dirceu, o Genoíno – por quem eu tinha algum respeito, mas que depois do que aconteceu a gente fica morto de tristeza e indignação –, o Delúbio e o Silvinho, fizeram maluquices e merecem ser expulsos por conta do que fizeram.
Você acha que o presidente Lula não sabia de nada? Nem de mensalão, nem de caixa dois?
Eu não tenho base para dizer se ele sabia. A gente pode fazer suposição. E no terreno da suposição, deveria saber. É muito difícil que não soubesse.
Você fez denúncia contra autoridades do governo FHC que usaram aviões da FAB para diversão particular. O que o senhor achou de o filho do presidente Lula ter usado jatinho para curtir férias no Palácio do Alvorada com um grupo de amigos?
O filho do presidente errou ao usar o avião da FAB. No governo tucano, quem fez isso foi processado. Eu era procurador naquele tempo. Quando aconteceu isso aí com o filho do Lula, eu já era procurador regional (do Distrito Federal). Eu tentei abrir um procedimento que tratava da compra daquele avião grande…
O que foi batizado de Aerolula?
Sim. Mas aí um colega meu foi na minha sala e disse que já tinha aberto o procedimento. Não sei se ele processou depois. Mas eu entraria com o processo porque a compra daquele Boeing lá eu achei um absurdo.
O presidente Lula disse no programa Roda Viva que é uma hipocrisia criticar a compra do avião porque o presidente da República precisa se deslocar pelo mundo…
Não é hipocrisia, não. É ética. Infelizmente, o Lula está redondamente equivocado. São mais de R$ 150 milhões que deveriam ser reservados – tais como os R$ 300 bilhões que são entregues a 7 mil famílias de gente rica, latifundiários, banqueiros – para combater a pobreza. Uma porção de governos faz suas viagens em vôos comerciais. Também acho que o presidente Lula não precisa fazer tanta viagem. Ele deveria é ter um grande ministro do Exterior, procurar um Rio Branco, que defendia os interesses do povo brasileiro. Lula deveria fazer no máximo uma viagem por mês.
O relator da CPI da Terra, deputado João Alfredo, pôs em seu relatório que o governo Lula não cumpriu nem 45% das metas de assentamento na reforma agrária. Não é outra bandeira do PT que vai para o fundo do poço?
Na minha avaliação, comparando com o governo do Fernando Henrique, o governo Lula tem apresentado melhores resultados. Porque o FHC privatizou 100 estatais e o que ele fez com a dívida pública? Multiplicando por dez… e ainda duplicar a dívida externa… isso é um acinte tão grande que não dá nem para comparar.
E o que senhor acha do lucro dos bancos, que cresceu mais no governo Lula do que no de FHC? Sempre pensei que os bancos teriam de pagar a fatura dos pobres no governo Lula.
Acho que os bancos deveriam ser estatizados e os donos deveriam ser presos. É o que eu acho. É um setor de parasitas. Os bancos têm esse tamanho porque são os mediadores da dívida pública. Esse lucro dos bancos quase todo é da gestão da dívida pública. Ninguém pega empréstimo bancário porque o juro é o maior do mundo. Agora, é uma contradição gigantesca o governo Lula ter dado continuidade a uma política econômica malanista.
O senhor não acha contraditório o governo Lula manter na presidência do Banco Central um ex-presidente do Bank Boston, ainda por cima recrutado no ninho dos tucanos?
Quem abriu o caso contra o Henrique Meirelles fui eu. Quem representou pela abertura do inquérito contra ele fui eu. Pedi a quebra do sigilo dele. O Joaquim Levy, que está na Secretaria do Tesouro Nacional, trabalhou com o Malan. O Murilo Portugal, também. O Meirelles sempre foi tucano…
E o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, que vem sendo bombardeado por denúncias de corrupção em sua gestão como prefeito de Ribeirão Preto?
Se brincar, o ministro Palocci é quase que um fantoche desses três. Qual é a formação do Palocci? Ele é médico e ex-prefeito. Da noite para o dia, ele não iria entender de economia. Então, o Palocci é muito mais um marionete. É essa a causa da briga dele com a Dilma Roussef (ministra-chefe da Casa Civil). E a Dilma está com muito mais razão.
A morosidade do Poder Judiciário não acaba favorecendo a impunidade? Veja o caso do deputado Jader Barbalho, que até hoje não foi julgado pelos desvios de recursos do Banco do Estado do Pará em 1984. E o caso dos bancos Econômico e Nacional, que continuam parados na Justiça?
A reforma do Judiciário foi feita e tem algumas medidas boas, mas os conselhos foram péssimas idéias. E começa pela composição do Supremo Tribunal Federal, que está toda errada. Deveria ser mandato. Todos os juristas de esquerda do Brasil defendem que seja mandato para ministro do Supremo e que a escolha seja feita entre os desembargadores.
O Judiciário não demora demais a julgar?
Veja o caso do Tribunal Regional Federal daqui (de Brasília), que está julgando as apelações criminais de 1997, 1998. Um cara comete um crime em 1993, a Polícia Federal leva três anos para investigar. Depois, a denúncia. E leva mais dois anos para ser julgado ou mais. Depois faz a apelação, que se faz em oito páginas. A gente dá o parecer em menos de uma hora. O TRF leva oito, nove anos para julgar. E imagina 2.400 prefeitos que passam por lá, pois o TRF pega toda a região Norte, Centro-Oeste, Minas, Bahia, Maranhão e Piauí… Em toda essa área, não há um prefeito preso.
Vamos lembrar o caso do TSE, que este ano condenou o senador João Capiberibe (PSB-AP) por ter supostamente comprado dois votos por R$ 26 cada, e inocentou o governador do Distrito Federal, Joaquim Roriz, que teria utilizado mais de R$ 40 milhões do Instituto Candango de Solidariedade na campanha de 2002. O relator dos dois casos foi o ministro Carlos Velloso, do Supremo Tribunal Federal. Você não acha que decisões tão díspares levam à descrença na Justiça brasileira?
Total. Capiberibe é um dos políticos mais honestos que a gente tem no país. Junto com o Pedro Simon, o Jefferson Peres…
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