A Força Tarefa da Operação Lava Jato, fechando o verão, deu início à mais uma investida contra o sistema político. No final de março, em outra espetacularizada coletiva à imprensa, os procuradores do Ministério Público Federal (MPF) apresentaram novas ações abarcando dois supostos esquemas de corrupção dirigidos por parlamentares do Partido Progressista (PP) envolvendo a diretoria do partido na Petrobras e um acordo de proteção, pela mesma diretoria, de interesses da Braskem no âmbito dos contratos com a estatal.
A iniciativa repetiu dois protocolos equivocados da Lava Jato, mas já naturalizados. A ânsia dos procuradores por atenção e boas fotos na grande imprensa e o efeito surpresa nos réus que, novamente, ficaram sabendo pelo jornal. Nada mais gritante nos anos recentes que o habitual desprezo da operação pelos princípios processuais, quase que o mesmo presumível desprezo dos parlamentares pelo patrimônio público. Afora os aspectos procedimentais, não se pode chamá-la de draconiana. Posteriormente, a Justiça bloqueou bens dos parlamentares envolvidos em valores muito superiores aos solicitados pelo MPF, todos na casa dos milhões, alguns com mais de uma dezena. Dificilmente a função pública explica ou justifica esse patrimônio.
Leia também
A surpresa, que pouco desconforto causou no público que acompanha atento os novos passos da Operação, ficou por conta da investida contra o Partido Progressista. Ao todo a Lava Jato pede cerca de R$ 2 bilhões ao PP, sendo 460,6 milhões de reais de cálculo das propinas recebidas pelo [sic] partido, multa de 1,38 bilhão e 460,6 milhões de danos morais coletivos.
Os procuradores alegaram que o PP recebeu no período 2004 a 2014 – nada investigaram sobre períodos anteriores – mais em propinas que em valores do fundo partidário, R$ 296 milhões a R$ 179 milhões, respectivamente. A argumentação é que a ampliação dos recursos disponíveis ao grupo que controlava o partido permitia dobrar as condições de financiamento eleitoral, ampliando sua vantagem sobre os demais concorrentes e criando distorções no “sistema de representação política em nível federal”. O MPF não apresentou, contudo, nenhuma conta jurídica, movida pelo PP, por onde escoaram os recursos, nem qualquer vinculação estruturante do partido com o esquema para além do grupo dirigente da agremiação, oriundo da Câmara Federal.
Não se pode, contudo, acusar todo um partido de operar, institucionalmente, um esquema de propinas. Ainda mais sem apresentar provas de que a movimentação foi feita também institucionalmente, não por meio de um grupo controlador do partido, porque isso é, invariavelmente, um elemento sazonal, exceto num ou noutro feudo regional.
PublicidadeProva disso é que, dos nove parlamentares e ex parlamentares do PP alvos da ação, apenas um, Mário Negromonte Jr, tem sua carreira política originada no partido. Quase todos têm passagem pelo PSDB e todos com filiação em diferentes partidos políticos ao longo de suas trajetórias. O ex deputado Pedro Henry já foi do PPS, PSDB e PDT antes de se filiar ao PP. Arthur Lira, outro exemplo, já passou pelo PFL, PSDB, PMN e PTB antes de ingressar no PP. Quase todos ingressando no PP na transição dos governos FHC-Lula, ou seja, para continuar integrando a base do governo de ocasião.
Não se pode dar a interpretação apresentada pelo MPF, inclusive porque a lei de improbidade não é explícita em nenhum momento acerca da figuração passiva de pessoa jurídica, embora não impeça essa interpretação, conforme o artigo 3º, que prevê, contudo, que reste provada a indução, concorrência ou benefício direto ou indireto do ato ilícito. Ela é, no entanto, explícita ao mencionar as possibilidades de indenização à Pessoa Jurídica prejudicada pelo ato ilícito, que é o deveria ser solicitado pelo MPF em nome do PP ao grupo dirigente do partido.
Prevalecendo esse entendimento da Lava Jato e da Justiça, deverão ser processadores todos os partidos envolvidos na Lava Jato, que, exceto uma ou outra sigla menor, são todas aquelas registradas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
E aqui se encontra o perigo real. O bloqueio de cerca de R$ 10 milhões da conta do PP mostra que os partidos não têm condições de arcar com valores nem mesmo próximos ao apresentado pelo MPF nesse caso. Dados do TSE mostram que até 24 de março, o PP recebeu cerca de R$ 4 milhões do Fundo Partidário. O PT, maior beneficiário do Fundo, recebeu cerca de R$ 8 milhões, seguido de PSDB com R$ 6 milhões e 600 mil e PMDB, com R$ 6 milhões e 400 mil. Não possuindo o partido qualquer gestão sobre os recursos movimentados pelo seu grupo dirigente, que efetiva e fisicamente controla recursos recebidos de maneira ilegal, como poderia uma agremiação arcar com multas nesse somatório? Mesmo se fosse possível a penhora do Fundo Partidário – o que não é, de acordo com o Código de Processo Civil –, isso significaria, na prática, inviabilizar o funcionamento de um partido político, cortando sua sustentação financeira. Mesmo o PMDB, com seus 2 milhões e 300 mil filiados, caso tentasse arrecadar esses recursos internamente, dependeria de contribuições próximas a um salário mínimo de cada filiado.
Há tempos o sistema partidário brasileiro é uma total deformação da representatividade de convicções da nossa sociedade. Não é viável creditar a existência de 35 conglomerados ideológicos no país com alguma relevância eleitoral. A cláusula de barreira pode ser um instrumento para sanar essa situação. Tampouco é possível afirmar que o PP seja um caso de sigla com concepções ideológicas, exceto se o fisiologismo característico da nossa política for aceito como tal. O voto em lista fechada e pré-ordenada fortalece o caráter doutrinário e de ideais dos partidos políticos, obrigando a uma recomposição entre nossa sociedade e as estruturas institucionais que devem ser o locus de aproximação de pessoas por afinidade de projetos para o país.
Enfim, a ação contra o PP visa objetivamente a inviabilização do funcionamento de um partido político. Há partidos em demasia no Brasil, quase todos servem de sustentação para grupelhos dos mais variados interesses e mais ou menos organizados, mas decretar a morte de um partido político, seja por sua irrelevância eleitoral ou por sua total inconsistência ideológica, apenas fisiológica, é direito do povo brasileiro a ser exercido mediante o voto, não dos procuradores do MPF.