Leia também
A despeito da tensão do debate e do teor polêmico da proposição, Eunício defendeu a necessidade de aprovação de um limite de gastos para União, estados e municípios, e vaticinou: se o Senado não agir como a Câmara, que já aprovou a matéria em dois turnos, o país continuará sofrendo “estagnação econômica ou crescimento mínimo”. Segundo o peemedebista, não há alternativa “de ajuste fiscal mais suave” para o equilíbrio das contas públicas e, em um segundo passo, para a retomada do crescimento que não a aprovação da PEC do congelamento de gastos.
Leia mais:
Aposta do governo, PEC afeta saúde, educação e reajustes salariais
“[…] o controle das despesas é essencial, e o gradualismo imposto pelo Novo Regime Fiscal – que não propõe corte de despesas, apenas impede o seu aumento ao longo do tempo – é a forma mais suave possível de se fazer a transição de um elevado nível de endividamento para um nível mais compatível com nosso grau de desenvolvimento. Não existe outra forma de ajuste fiscal mais suave do que aquela proposta por esta PEC e que seja capaz de fazer com que a dívida pública convirja para uma trajetória sustentável ao longo do tempo. Diante das projeções, torna-se evidente não só a necessidade de conter o avanço dos gastos governamentais, como de contê-los por prazo suficientemente longo, como o prazo mínimo de dez anos que a PEC propõe”, justifica Eunício, em sua análise de mérito.
Confira a íntegra:
“PARECER Nº ,
DE 2016 Da COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO, JUSTIÇA E CIDADANIA,
sobre o Projeto de Emenda à Constituição (PEC) nº 55, de 2016 (PEC nº 241, de 2016, na Câmara dos Deputados), do Poder Executivo, que altera o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para instituir o Novo Regime Fiscal, e dá outras providências.
RELATOR: Senador EUNÍCIO OLIVEIRA
I – RELATÓRIO Vem a esta Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), para análise, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 55, de 2016 (PEC nº 241, de 2016, na Câmara dos Deputados), de autoria do Poder Executivo, cujo principal objetivo é instituir o Novo Regime Fiscal.
A PEC nº 241, de 2016, foi enviada à Câmara dos Deputados em 15 de junho último. Em sua versão original, continha três artigos, sendo que o primeiro acrescentava cinco artigos ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), os arts. 101 a 105. Em 25 de outubro, aquela Casa aprovou a Proposta em 2º turno, nos termos do Substitutivo que descrevemos em seguida. O Substitutivo, como na proposta original, contém três artigos, mas, em vez de cinco, insere nove artigos no ADCT, além de alterar a redação e o conteúdo daqueles que manteve.
A essência do Novo Regime Fiscal é impor um limite aos gastos primários da União. O agregado desses gastos corresponderá àqueles efetivamente ocorridos em 2016, corrigidos pela inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Observe-se que a PEC limita o agregado dos gastos primários, o que implica que as despesas associadas a alguma rubrica específica poderá subir acima da inflação, desde que outra despesa cresça em ritmo mais lento. A Proposta retira alguns gastos desse limite, principalmente os decorrentes de algumas transferências constitucionais da União para estados e municípios. Também exige que os gastos com educação e saúde cresçam, no mínimo, ao mesmo ritmo da inflação. O teto para os gastos vigorará durante vinte anos, mas, a partir do décimo ano, poderá ser alterado por iniciativa do Presidente da República, por meio de lei complementar.
Feitas essas considerações gerais, descrevemos a seguir os dispositivos da PEC com maior detalhamento.
A art. 1º insere os arts. 101 a 109 no ADCT. O art. 101 descreve o objetivo da Emenda, que é a instituição do Novo Regime Fiscal, que vigorará durante vinte anos.
O art. 102 contém a essência do Novo Regime Fiscal. Inicialmente, diz que os limites deverão ser observados individualmente para os seguintes Poderes e órgãos: I – o Poder Executivo; II – o Supremo Tribunal Federal, o Superior Tribunal de Justiça, o Conselho Nacional de Justiça, a Justiça do Trabalho, a Justiça Federal, a Justiça Militar da União, a Justiça Eleitoral e a Justiça do Distrito Federal e Territórios; III – o Senado Federal, a Câmara dos Deputados e o Tribunal de Contas da União; IV – o Ministério Público da União e o Conselho Nacional do Ministério Público; e V – a Defensoria Pública da União.
A mensagem que encaminhar o projeto de lei orçamentária, bem como as despesas primárias autorizadas na lei orçamentária anual, terá de respeitar os limites individualizados. Tampouco será permitida a abertura de crédito suplementar ou especial que amplie o montante total autorizado de despesa primária.
Para 2017, o limite de gastos corresponderá à despesa primária de 2016, incluindo os restos a pagar pagos e qualquer operação que afete o resultado primário, corrigida em 7,2%. Para os demais anos, o limite corresponderá ao limite do ano imediatamente anterior, corrigido pela inflação medida pelo IPCA (ou de outro índice que vier a substituí-lo) acumulada em doze meses encerrada em junho do exercício anterior a que se refere a lei orçamentária. Assim, por exemplo, o limite de gastos para 2018 corresponderá ao limite de despesas primárias estabelecido para 2017, corrigido pela inflação medida pelo IPCA observada entre julho de 2016 e junho de 2017.
Observe-se que, por meio dessa sistemática, a base de cálculo será 2016. Isso significa que, se, em determinado ano, os gastos ficarem abaixo do limite, essa poupança não precisará ser repetida no ano seguinte. Simetricamente, se os gastos extrapolarem o teto em determinado ano, os gastos excedentes não serão incorporados ao teto do ano seguinte.
A PEC, contudo, excepciona as seguintes despesas do cômputo dos limites: i) As seguintes transferências constitucionais:
a. Participação no resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros minerais (§ 1º do art. 20 da Constituição Federal – CF);
b. Decorrentes de repartição de receitas tributárias, conforme previsto nos arts. 157, 158, incisos I e II, e 159 da CF;
c. Cotas estaduais e municipais da contribuição social do salário-educação (art. 212, § 6º, da CF);
d. Fundo Constitucional do Distrito Federal (inciso XIV do caput do art. 21 da CF);
e. Complementações do Fundeb (incisos V e VII do caput do art. 60 do ADCT);
f. Repartição do IOF-Ouro (art. 153, § 5º, da CF);
g. Transferência de impostos estaduais e municipais arrecadados pelo Simples Nacional (art. 146, parágrafo único, da CF);
ii) Créditos extraordinários decorrentes de despesas imprevisíveis e urgentes, como de guerras, comoção interna ou calamidade pública (§ 3º do art. 167 da CF);
iii) Despesas com realização de eleições pela Justiça Eleitoral;
e iv) Despesas com aumento de capital de empresas estatais não dependentes.
A PEC também flexibiliza os limites por meio de compensação de gastos entre Poderes ou entre órgãos autônomos de um mesmo Poder. Assim, durante os três primeiros exercícios de sua vigência, o Poder Executivo poderá compensar, com redução de até 0,25% de seu limite de gastos, despesas excedentes de outros Poderes ou órgãos.
Similarmente, dentro de um Poder, seus órgãos poderão compensar os gastos, desde que cumpram o teto para o conjunto das despesas e que essa compensação esteja prevista na lei de diretrizes orçamentárias (LDO). Assim, por exemplo, se as despesas da Justiça do Trabalho excederem o teto estabelecido para aquele órgão do Poder Judiciário, esse excesso poderá ser compensado com menores gastos, digamos, do Supremo Tribunal Federal, desde que haja previsão na LDO.
Adicionalmente, o pagamento de restos a pagar inscritos até 31 de dezembro de 2015 poderá ser excluído da verificação do cumprimento dos limites de gasto se forem pagos com excessos de resultado primário em relação à meta fixada na LDO. Isso significa que eventual excesso de arrecadação ou redução de despesas em relação ao previsto na LDO poderão ser utilizados para quitar restos a pagar inscritos até 2015.
O artigo 103 do ADCT proposto pela PEC prevê a possibilidade de alteração dos limites a partir do décimo ano de sua vigência. A alteração será de iniciativa do Presidente da República, terá de ser feita por meio de lei complementar e poderá ser proposta uma única vez por mandato.
O artigo 104 trata das consequências em caso de descumprimento dos limites de despesas. As sanções poderão ser individualizadas, restritas ao órgão que gastou em excesso, ao Poder do órgão que gastou em excesso ou atingir toda a União. Conforme estatui o caput do artigo, as punições se aplicarão até o final do exercício de retorno das despesas aos respectivos limites.
As punições se manifestam, em primeiro lugar, na forma de controle de gastos de pessoal. Dessa forma, será proibida a concessão de qualquer aumento de remuneração, tanto para o funcionalismo, quanto para membros de Poder ou de órgão. Excetuam-se os aumentos decorrentes de sentença transitada em julgado ou determinados por leis que se encontravam em vigor antes da promulgação da Emenda Constitucional.
Como se sabe, ao longo de 2016, houve a concessão de reajuste para diversas carreiras, na maioria das vezes escalonados até 2018 ou 2019. Esses reajustes entrarão no cômputo dos limites de gastos do respectivo órgão ou Poder. Entretanto, mesmo que o limite seja extrapolado, o pagamento desses reajustes salariais continuará permitido.
A vedação de reajuste salarial se estende também a qualquer forma indireta de concessão de benefícios para o funcionalismo ou membro de Poder, como reestruturação de carreiras e criação ou majoração de benefícios, como auxílio alimentação ou moradia. Também ficam proibidos contratação de pessoal e realização de concurso público, exceto para reposição de cargos de chefia e de direção que não acarretem despesas e aquelas decorrentes de vacâncias de cargos efetivos ou vitalícios.
O art. 104 do ADCT também veda, em caso de as despesas ultrapassarem o teto, criação de despesa obrigatória ou reajuste de despesa obrigatória acima da variação da inflação, exceto reajustes do salário mínimo que garantam a manutenção de seu poder de compra, conforme previsto no inciso IV do caput do art. 7º da Constituição.
Observe-se que as vedações referentes a reajustes de benefícios, em qualquer de suas formas (vencimentos, auxílios, etc), bem como alterações na estrutura de carreira, atingem todo o Poder; basta que as despesas de um de seus órgãos tenham ultrapassado o teto. O disposto vale para os Poderes Legislativo, Judiciário e o conjunto formado pelo Ministério Público da União e Conselho Nacional do Ministério Público. Já a concessão de reajuste geral para o funcionalismo público, previsto no inciso X do caput do art. 37 da Constituição, fica vedada caso qualquer um dos Poderes ou órgão ultrapasse os limites individualizados.
Também ficam proibidas, em caso de descumprimento do limite de gastos, a criação ou expansão de programas e linhas de financiamento, bem como qualquer forma de refinanciamento de dívidas que impliquem despesas com subsídios ou subvenções, bem como a concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária.
Observe-se que a regra permite aumento dos valores financiados ou subsidiados, desde que decorra da expansão natural de um programa. Por exemplo, se já existe um programa de financiamento de casas que atinge determinado público alvo, os valores do programa podem se expandir à medida que esse público alvo se expande. O que a Emenda Constitucional irá vedar é a criação de um novo programa ou ampliação dos critérios de elegibilidade para participação.
Por fim, o § 4º do art. 104 do ADCT veda a aprovação de proposições legislativas que levem a aumento de despesas. Isso significa que, enquanto vigentes as vedações previstas no artigo, será proibida a tramitação de proposições legislativas que levem a aumento de despesas ou a renúncias de receitas.
O art. 105 do ADCT dispõe sobre as aplicações mínimas em ações e serviços públicos de saúde e em manutenção e desenvolvimento do ensino (MDE). Para 2017, os gastos mínimos em ações e serviços públicos de saúde corresponderão àqueles especificados no art. 198 da Constituição. A consequência do disposto nesse art. 105 do ADCT, em conjunto com o art. 2º da PEC, que revoga o art. 2º da Emenda Constitucional (EC) nº 86, de 17 de março de 2015, será a elevação dos gastos mínimos com saúde de 13,7% da Receita Corrente Líquida para 15% em 2017. Já, de 2018 em diante, o piso de gastos com saúde corresponderá ao piso do ano anterior, corrigido pelo IPCA, da mesma forma como será corrigido o total de gastos primários.
Em relação à educação, para 2017, o piso de gastos corresponderá ao atualmente praticado, conforme o disposto no caput do art. 212 da Constituição, ou seja, 18% da receita de impostos, líquida de transferências. A partir de 2018, o piso passa a ser corrigido pela inflação, nos moldes das demais despesas.
O art. 106 do ADCT trata das emendas individuais ao projeto de lei orçamentária. Atualmente, nos termos dos §§ 9º e 11 do art. 166 da Constituição, essas emendas constituem 1,2% da Receita Corrente Líquida e são de execução obrigatória. Com a PEC, esse percentual se mantém em 2017, mas, a partir de 2018, passa a ser corrigido pelo valor do ano anterior, corrigido pela inflação.
O art. 107 do ADCT estabelece que o disposto no Novo Regime Fiscal não constitui obrigação de pagamento futuro pela União ou direitos de outrem sobre o erário, bem como não revogam, dispensam ou suspendem outros normativos a respeito de metas fiscais ou limites máximos de despesas. Isso implica que as restrições constantes, por exemplo, da Lei de Responsabilidade Fiscal, permanecerão válidas.
De acordo com o art. 108 do ADCT, toda proposição legislativa que crie ou altere despesa obrigatória ou renúncia de receita será acompanhada da estimativa de seu impacto orçamentário e financeiro.
Por fim, o art. 109 do ADCT estatui que a tramitação de qualquer proposição legislativa que acarrete aumento de despesas ou renúncia de receitas, exceto medidas provisórias, poderá ser suspensa por até vinte dias para análise de sua compatibilidade com o Novo Regime Fiscal. Para tanto, deverá haver requerimento assinado por um quinto dos membros da Casa.
O art. 2º da PEC nº 55, de 2016, estabelece que a Emenda Constitucional passará a vigorar na data de sua promulgação.
Por fim, o art. 3º da PEC nº 55, de 2016, revoga o art. 2º da EC nº 86, de 2015. Essa Emenda estabeleceu que os gastos com serviços públicos de saúde teriam um piso de 15% da Receita Corrente Líquida (RCL). Entretanto, para que não onerasse o Tesouro imediatamente, o referido art. 2º previa uma regra de transição, de forma que, no primeiro ano subsequente ao da promulgação da EC, o piso seria de 13,2%, e aumentaria gradativamente até atingir 15% em 2019.
Nessa transição, o percentual de 2017 seria de 13,7% da RCL. Nesta Comissão houve a apresentação da Emenda nº 1 – CCJ, que objetiva determinar a entrada em vigor da Emenda Constitucional resultante da PEC nº 55, de 2016, após a sua aprovação em referendo autorizado pelo Congresso Nacional, o qual será convocado e processado na forma prevista pela Lei nº 9.709, de 18 de novembro de 1998. Com isso, a produção de efeitos da Emenda Constitucional ocorrerá na data da publicação da homologação do resultado do referendo pelo Tribunal Superior Eleitoral.
Resumidamente, tanto a PEC original quanto seu Substitutivo aprovado na Câmara dos Deputados argumentavam que o Novo Regime Fiscal seria necessário por causa da forte crise fiscal pela qual o País passa. Desde 2014 o resultado primário da União tem sido negativo e, para 2016, projeta-se déficit de R$ 170 bilhões. A consequência desse desequilíbrio é o forte crescimento do endividamento. A razão dívida bruta/PIB saltou de 51,7% em 2013 para 67,5% em abril de 2016. Claramente, se não houver forte correção das contas do governo, a dívida pública entrará em uma trajetória não sustentável, cujo resultado final é uma forte aceleração da inflação ou moratória, com fortes consequências sobre o crescimento e a economia.
Essa incerteza se reflete na elevada taxa de juros e no comportamento dos indivíduos, que se tornam menos dispostos a investir, provocando desemprego e todas as mazelas a ele associadas. Com o Novo Regime Fiscal, a dívida pública retornaria a uma trajetória sustentável, reduzindo a pressão sobre a taxa de juros e aumentando o grau de confiança sobre a solvência do governo. Isso estimulará a economia por diversos canais, alavancando a capacidade de a economia gerar emprego e renda.
O Novo Regime Fiscal seria mais do que um instrumento necessário para colocar as contas públicas em ordem e nos tirar dessa crise, a maior em décadas. É também uma forma de repensar o gasto público no Brasil. O comportamento da política fiscal que se costuma observar é altamente pró-cíclico. Quando a arrecadação sobe, aumentam-se as despesas e, quando há uma crise e a arrecadação cai, a falta de liquidez e dificuldades de endividamento fazem com que os gastos públicos também caiam. Com o Novo Regime Fiscal, mantendo-se as despesas primárias constantes em valores reais, elas caem como proporção do PIB em períodos de expansão, e aumentam quando o PIB se contrai.
Finalmente, o Novo Regime Fiscal seria também um instrumento para aprimorar as instituições democráticas do País. Atualmente, as decisões de gasto são tomadas descentralizadamente. A lei orçamentária acomoda as demandas dos diversos grupos de pressão e, posteriormente, o Poder Executivo decide quais gastos serão contingenciados. No Novo Regime Fiscal, os parlamentares, como legítimos representantes do povo, irão discutir quais gastos são prioritários e, portanto, deverão ser efetivamente executados.
II – ANÁLISE
Nos termos do art. 101, combinado com o art. 356 do Regimento Interno do Senado Federal, compete a esta Comissão emitir parecer sobre propostas de emenda à Constituição. Faremos inicialmente análise da constitucionalidade da PEC nº 55, de 2016, para, em seguida, analisar o mérito.
Análise da Constitucionalidade da PEC nº 55, de 2016
De início, é necessário destacar que inexistem dúvidas que emendas à Constituição também estão sujeitas ao controle de constitucionalidade, realizado tanto pelo STF, enquanto guardião da Carta de 1988, quanto por esta Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. Para tanto, contudo, é fundamental que se identifique uma infração aos limites ao poder constituinte reformador estabelecidos pelo § 4º do art. 60 da Constituição Federal.
No caso em análise, relativo à PEC nº 55, de 206, não se identifica qualquer violação a tais limites.
Como relatado acima, a PEC nº 55, de 2016, traz uma série de medidas voltadas a, conjuntamente, alterar a estrutura dos gastos realizados pelo setor público, instituindo o chamado Novo Regime Fiscal. Não há na proposta nenhuma previsão que afete, ainda que de forma indireta, a estrutura federativa do Estado brasileiro ou direito de voto dos cidadãos. Não se cogita, portanto, a violação aos incisos I e II do art. 60, § 4o da Constituição.
Quanto aos incisos III (separação de poderes) e IV (direitos e garantias individuais), o exame deve ser um pouco mais detido, já que: i) a proposta pode alterar a dinâmica de interação entre os poderes da União, principalmente no que toca à alocação e à execução de recursos orçamentários, o que pode levar a questionamento acerca da violação ao princípio da separação de poderes; e ii) a proposta busca alterar o atual sistema de vinculação de receitas orçamentárias para gastos em áreas sociais sensíveis, como educação e saúde públicas, o que pode gerar o questionamento de violação ao princípio do não-retrocesso.
Mesmo sobre tais aspectos, contudo, não se observa uma violação aos limites materiais à reforma constitucional estabelecidos no § 4º do art. 60.
Sobre a questão do princípio do não-retrocesso, vale notar que o STF já observou, em mais de uma ocasião, que a instituição das chamadas cláusulas pétreas pelo Constituinte de 1988 não significa a impossibilidade de realização de qualquer alteração nos objetos alcançados por essas cláusulas, mas sim a definição de uma esfera mínima de proteção, que preserve os seus elementos essenciais. Nesse sentido, são conhecidas as observações feitas pelo Ministro Sepúlveda Pertence no julgamento da ADI 2.024, na qual afirmou que:
(…) as limitações materiais ao poder constituinte de reforma, que o art. 60, § 4º, da Lei Fundamental enumera, não significam a intangibilidade literal da respectiva disciplina na Constituição originária, mas apenas a proteção do núcleo essencial dos princípios e institutos cuja preservação nelas se protege. (ADI 2.024, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 3-5-2007, Plenário, DJ de 22-6-2007, grifo nosso)
Em julgamento também conhecido, o Min. Octavio Gallotti observou que o princípio do não-retrocesso não pode significar a cristalização de expectativas de direito:
A propósito das questões mais genéricas, suscitadas na inicial, penso que não devem merecer acolhida pelo menos nesta sede de juízo provisório, a saber: (…) quanto à proibição do chamado retrocesso social, dada a delicadeza da tese, que implicaria, na prática, a constitucionalização, e até a petrificação, das condições de expectativa de aquisição dos benefícios previdenciários, impedindo a sua revisão por lei ordinária, elaborada nos limites da Constituição.” (ADI 1.664-MC, voto do Rel. Min. Octavio Gallotti, julgamento em 13-11-1997, Plenário, DJ de 19-12-1997, grifo nosso)
Nesse contexto jurisprudencial, e levando-se em conta o estabelecimento de um piso para os gastos com saúde e educação pela PEC em exame, não vislumbramos qualquer ofensa ao princípio do nãoretrocesso e, tampouco, ao disposto no inciso IV do § 4º do art. 60.
A análise de uma possível violação ao princípio da separação de poderes pela PEC nº 55, de 2016, leva-nos a conclusão semelhante.
Sobre o tema, já observou o Ministro Cezar Peluso, em lapidar voto proferido na ADI 3.367, que questionava a constitucionalidade da EC nº 45, de 2004, que a independência dos poderes não deve ser interpretada em termos absolutos, mas sim como mecanismo de cooperação institucional:
(…) o constituinte desenhou a estrutura institucional dos Poderes de modo a garantir-lhes a independência no exercício das funções típicas, mediante previsão de alto grau de autonomia orgânica, administrativa e financeira. Mas tempera-o com a prescrição doutras atribuições, muitas das quais de controle recíproco, e cujo conjunto forma, com as regras primárias, verdadeiro sistema de integração e cooperação, preordenado a assegurar equilíbrio dinâmico entre os órgãos, em benefício do escopo último, que é a garantia da liberdade.
Esse quadro normativo constitui expressão natural do princípio na arquitetura política dos freios e contrapesos. À Constituição repugna-lhe toda exegese que reduza a independência dos Poderes a termos absolutos, os quais, aliás de todo estranhos aos teóricos de sua fórmula, seriam contraditórios com a ideia que a concebeu como instrumento político-liberal. (ADI 3.367, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 134-2005, Plenário, DJ de 22-9-2006, grifo nosso)
Tal entendimento fundamentou, por exemplo, a decisão do STF que considerou constitucional a criação do Conselho Nacional de Justiça. Na ocasião, compreendeu-se que – embora alterassem em certa medida a relação entre os Poderes na forma originalmente prevista no texto de 1988 – as modificações trazidas pela referida emenda não afetavam os elementos centrais do objeto de proteção da clausula pétrea:
Ação direta. Emenda Constitucional nº 45/2004. Poder Judiciário. Conselho Nacional de Justiça. Instituição e disciplina. Natureza meramente administrativa. Órgão interno de controle administrativo, financeiro e disciplinar da magistratura. Constitucionalidade reconhecida. Separação e independência dos Poderes. História, significado e alcance concreto do princípio. Ofensa a cláusula constitucional imutável (cláusula pétrea). Inexistência. Subsistência do núcleo político do princípio, mediante preservação da função jurisdicional, típica do Judiciário, e das condições materiais do seu exercício imparcial e independente. (ADI 3.367, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 134-2005, Plenário, DJ de 22-9-2006, grifos nossos)
Nesse contexto, não identificamos argumentos sólidos que permitam inferir uma ofensa ao inciso III do § 4º do art. 60.
Note-se, ainda, que o STF já vem sendo provocado para se manifestar acerca da constitucionalidade da PEC nº 241, de 2016. Em mandado de segurança ajuizado por parlamentares da oposição, o Ministro Luiz Roberto Barroso negou, em 10 de outubro último, o pedido liminar para suspender a tramitação da proposição, ressaltando a inexistência de evidências de violação a alguma cláusula pétrea, bem como a relevância da responsabilidade fiscal nos sistemas democráticos:
3. Por significarem severa restrição ao poder das maiorias de governarem, cláusulas pétreas devem ser interpretadas de maneira estrita e parcimoniosa. Não há, na hipótese aqui apreciada, evidência suficiente de vulneração aos mandamentos constitucionais da separação de Poderes, do voto direto, secreto, universal e periódico e dos direitos e garantias individuais.
4. A responsabilidade fiscal é fundamento das economias saudáveis, e não tem ideologia. Desrespeitá-la significa predeterminar o futuro com déficits, inflação, juros altos, desemprego e todas as consequências negativas que dessas disfunções advêm. A democracia, a separação de Poderes e a proteção dos direitos fundamentais decorrem de escolhas orçamentárias transparentes e adequadamente justificadas, e não da realização de gastos superiores às possibilidades do Erário, que comprometem o futuro e cujos ônus recaem sobre as novas gerações
(MS 34448 MC / DF, Rel. Min. Roberto Barroso, Data Decisão: 10/10/2016, grifos nossos)
A PEC nº 55, de 2016, não ofende, portanto, quaisquer princípios ou regras constitucionais, muito menos as chamadas cláusulas pétreas. Ao contrário, conforme demonstraremos no exame de mérito, ao buscar recuperar os alicerces fiscais necessários para sanear as contas públicas e recuperar a economia nacional e o emprego, a proposta em análise se volta à realização de vários objetivos da república, previstos no art. 3º da Constituição Federal: garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza e promover o bem de todos.
Adicionalmente, nunca é demais lembrar que a responsabilidade fiscal, se não é um princípio explicitado em determinado dispositivo, é um valor que permeia o texto constitucional. O Capítulo II – Das finanças públicas, contém várias normas que orientam o legislador e o gestor público no sentido da responsabilidade com os recursos públicos. Ao determinar que a lei orçamentária compreenderá os orçamentos fiscal, de investimentos e da seguridade social (art. 165, § 5º), busca-se reforçar a transparência e a lógica de um orçamento abrangente, que confronte todas as SF/16525.32366-70 fontes de receitas e despesas em um único documento. Vai no mesmo sentido a norma que estabelece que o demonstrativo do impacto das isenções, anistias, remissões, subsídios e benefícios de natureza financeira, tributária e creditícia deva acompanhar o projeto de lei orçamentária. A própria previsão de uma lei de gestão financeira e patrimonial indica a preocupação do Constituinte com o equilíbrio das contas públicas (art. 165, § 9º, II). Leis e Propostas que visam a reforçar essa preocupação, portanto, vão no sentido da vontade do Constituinte.
Especificamente no tocante à fixação do teto de gastos, observa-se que, tanto em sua redação original, quanto por força de alterações posteriores, a Constituição Federal já adotou, em menor escala, esse caminho. O caput do art. 169 prevê que lei complementar estabelecerá limites às despesas com pessoal ativo e inativo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Essa norma foi inserida pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998. Apesar de interferirem diretamente na gestão de pessoal dos entes federativos, não houve declaração de inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal, que não reconheceu violação a nenhuma das cláusulas pétreas.
Também, por força de Emenda à Constituição, foram estabelecidos rigorosos tetos de gastos para as Câmaras de Vereadores dos Municípios, em percentual da arrecadação tributária e das transferências constitucionais (art. 29-A). Mais uma vez, não se enxergou, na imposição de tais limites, violação ao princípio da Separação dos Poderes ou à autonomia orçamentária do Poder Legislativo.
A crise brasileira é profunda, suas causas são complexas e não há dúvidas de que é necessária a atuação estatal para debelá-la. Ademais, como demonstraremos a seguir, a contenção dos gastos públicos é condição necessária para a retomada do crescimento e a mitigação dos efeitos deletérios que a crise tem gerado. Mais do que isso, a fixação de um teto de gastos é a medida mais equilibrada e menos arriscada para tal fim. Trata-se, portanto, de uma medida que satisfaz o princípio da proporcionalidade em suas três dimensões: necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito. Também nessa perspectiva, verifica-se a constitucionalidade da iniciativa.
Destacamos, por fim, que, na análise da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal quanto ao tema do controle de constitucionalidade de emendas constitucionais, é evidente a existência de um cuidado extremo em somente declarar sua invalidade quando se observa clara e objetiva tendência a abolir alguma das cláusulas pétreas, em seu núcleo essencial.
Esse, claramente, não é o caso da PEC nº 55, de 2016, cujo conteúdo mostra-se essencial para transformar o Orçamento Público em um instrumento transparente e efetivo de exercício da democracia.
Análise do Mérito da PEC nº 55, de 2016
O Novo Regime Fiscal irá revolucionar dramaticamente a forma como o Brasil tratará as contas públicas durante os próximos vinte anos. Terá sido a primeira vez em nossa história – embora não seja novidade em outros países como Estados Unidos, Suécia, Finlândia e Holanda – em que o equilíbrio das contas públicas se dará por meio de controle dos gastos. Até então, o principal instrumento com que contamos, a Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF (Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000), prevê somente a necessidade de equilíbrio no resultado primário. Esse equilíbrio, contudo, pode ser atingido ainda que as despesas aumentem fortemente, desde que as receitas se elevem concomitantemente. Pode ser, assim, um equilíbrio precário, tendo em vista que as receitas estão, em larga medida, fora do controle das autoridades fiscais.
Basicamente, desde a Constituição de 1988, os gastos públicos cresceram continuamente. Conforme aponta a justificação da PEC, entre 1997 e 2015, as despesas primárias cresceram 5,7% por ano em termos reais, muito acima do crescimento do PIB, que não atingiu 3% ao ano. Em boa parte desse período, o equilíbrio fiscal se deu via aumento das receitas. Com isso, a receita líquida da União, que correspondia a 14,0% do PIB em 1997, em 2015 representou 17,7%. E a carga tributária total, incluindo estados e municípios, atingiu 33,1% do PIB em 2014 (dado mais recente disponível da série do Fundo Monetário Internacional – FMI), valor muito acima da média dos países emergentes, 28,0% do PIB nos últimos cinco anos, e mais próximo da média dos países desenvolvidos (36,7%).
Enquanto pudemos financiar o aumento de despesas – muitas das quais justas, não tenho a menor dúvida – via aumento de tributos, as contas públicas mantiveram-se relativamente equilibradas e, em verdade, durante a primeira década deste século, apresentaram até uma trajetória benigna, com tendência de queda da dívida como proporção do PIB.
Desde 2008, entretanto, o equilíbrio fiscal começou a se deteriorar. Com a grave crise financeira internacional, o Brasil, como, de resto, a grande maioria dos países, adotou uma política fiscal anticíclica, que pressionou os gastos públicos. Ainda assim, em 2009, a União conseguiu produzir um resultado primário de 1,3% do PIB.
O que ocorreu a partir de 2011, contudo, foi uma mudança na orientação da política fiscal, denominada “Nova Matriz Econômica”. Um dos pilares dessa nova orientação era justamente a crença de que, com o Estado gastando mais, haveria maior geração de renda, via pagamento de salários, transferências e aquisição de fornecedores. Essa renda faria a economia girar, aumentando a demanda. Com isso, os empresários se sentiriam estimulados a investir mais, colocando a economia em um círculo virtuoso de mais gastos públicos, mais investimento, maior crescimento.
Com efeito, entre 2011 e 2015, os gastos primários da União aumentaram de 16,7% para 19,6% do PIB. Mas o PIB não respondeu conforme esperado. Por que não deu certo? Foram vários motivos, mas, sinteticamente, o aumento de gastos impediu que a taxa de juros caísse de forma sustentável (houve, sim, uma redução da taxa Selic no período, mas uma redução artificial que logo começou a pressionar os preços e obrigar o Banco Central a reverter sua política), o que atraiu bastante capital externo em um ambiente de liquidez internacional favorável e preços favoráveis para commodities. Assim, todo o aumento de demanda se converteu em aumento de importações, com pouco impacto sobre a produção doméstica.
Em 2013, quando estava óbvio que o boom de commodities estava chegando ao fim, e que teríamos tempos piores pela frente, optou-se por continuar gastando e o equilíbrio precário, obtido via aumento de receitas, deixou de ser perseguido. O resultado foram crescentes déficits primários e aumento da dívida.
Em 2015, chegou-se até a ensaiar uma mudança na orientação da política econômica, com a aprovação de uma minirreforma da previdência e alteração dos critérios de elegibilidade para o seguro desemprego e abono salarial. Mas, efetivamente, a grande proposta para equilibrar as contas públicas era a recriação da CPMF, como se o País suportasse novos aumentos de carga tributária. Seria como resolver o problema de quem está endividado no cheque especial, aumentando o limite. Evidentemente, era uma solução de curto prazo. Com o tempo, os gastos públicos iriam aumentar e, novamente, os desequilíbrios entre arrecadação e gastos se manifestariam.
Entramos, então, em um círculo vicioso. No período em que as contas públicas estavam equilibradas, com o aumento das receitas mais do que compensando o aumento de gastos, a carga tributária elevada reduzia a capacidade de crescimento da economia. Menor capacidade de crescimento da economia, por sua vez, indicava menor capacidade de arrecadação e, na ausência de reformas, aumento dos desequilíbrios fiscais. Ao mesmo tempo, o excesso de gastos públicos pressionava a demanda que, por sua vez, forçava o Banco Central a elevar a taxa de juros. Juros mais altos retroalimentavam a dívida pública, bem como aumentavam a percepção de risco.
Nesse ambiente, o investimento se retrai. De fato, as contas nacionais mostram que o investimento caiu continuamente entre o quarto trimestre de 2013 e o segundo trimestre deste ano. Com o investimento em queda, não é de se surpreender que a economia pare de crescer e entre em recessão. Foi o que ocorreu a partir de 2014.
É importante observar o ano de 2014, para visualizar o estado de estagnação a que chegamos. Entre 2011 e 2013, o desempenho de nossa economia já foi medíocre, com crescimento médio de 2,9%. Em 2014, o desemprego atingiu o menor patamar da série histórica, o grau de utilização da capacidade instalada estava elevado e havia ameaça de racionamento de energia e água. Encontrávamo-nos, portanto, em um ambiente que os economistas classificam como de pleno emprego. Mesmo com a economia a pleno vapor, utilizando toda a mão-de-obra, capital e recursos produtivos disponíveis, nosso crescimento foi zero. Ou seja, estávamos estagnados.
Para sair da estagnação, é necessário reverter esse círculo vicioso e, para tanto, é fundamental ajustar as contas públicas, não somente garantindo o equilíbrio entre receita e despesa, mas, também, garantindo que a despesa caia em relação ao PIB. Dessa forma, será possível gerar superávits primários suficientes para fazer com que a dívida pública retorne a uma trajetória sustentável, sem precisar elevar nossa carga tributária, excessivamente elevada para nosso nível de renda e, certamente, um dos principais fatores explicativos para a estagnação a que chegamos.
O Novo Regime Fiscal propõe justamente uma redução gradual da despesa governamental em relação ao PIB. Em vez de proceder a ajustes traumáticos, como o que foi necessário na Grécia, o Novo Regime Fiscal permitirá a manutenção dos gastos públicos em termos reais. Contudo, à medida que o PIB crescer, a parcela correspondente à participação do governo deverá diminuir. Isso beneficiará o crescimento por meio de dois canais principais.
O primeiro, via aumento da poupança pública. A taxa de poupança do Brasil é das mais baixas do mundo, em torno de 15%. Para se ter uma base de comparação, em 2015, a taxa na América Latina foi de 18,9% e, nos países emergentes da Ásia, 42,8%, não por acaso a região que cresce mais rapidamente no mundo hoje. Aumentar a poupança pública implica SF/16525.32366-70 aumentar fundos disponíveis para financiar o investimento e, com isso, o crescimento da economia.
O segundo canal, e talvez o mais importante, é via controle do endividamento público. Ao propiciar menor crescimento da dívida pública, com a perspectiva de que ela retorne a uma trajetória sustentável, o Novo Regime Fiscal permitirá reduzir a taxa de juros e ancorar as expectativas dos agentes econômicos. Isso induzirá o aumento do investimento, com repercussões positivas sobre a taxa de crescimento da economia. Maior crescimento implica maior arrecadação e, mantidas as despesas constantes, maior superávit primário. Resultados primários elevados, por sua vez, permitem abater maior porção da dívida, reduzindo-se a percepção de risco e permitindo-se novas quedas na taxa de juros. Cria-se, assim, um círculo virtuoso, capaz de colocar nossa economia novamente na rota do crescimento.
Não nos iludamos, contudo. O caminho não será fácil. Infelizmente, as contas públicas estão em situação calamitosa, pois combinou dívida elevada e crescente, bem como geração de déficits primários.
Projeções com cenários realistas mostram que, mesmo com o Novo Regime Fiscal, a dívida pública continuará crescendo até 2020, quando começará a cair. Somente no final da década de 2020 a relação dívida/PIB deverá retornar a patamares em torno de 65%, próximo ao observado no final de 2015, e, apenas em meados da década seguinte, a relação dívida/PIB poderá se situar em torno de 50%, nível observado em 2010.
Dessa forma, o controle das despesas é essencial, e o gradualismo imposto pelo Novo Regime Fiscal – que não propõe corte de despesas, apenas impede o seu aumento ao longo do tempo – é a forma mais suave possível de se fazer a transição de um elevado nível de endividamento para um nível mais compatível com nosso grau de desenvolvimento. Não existe outra forma de ajuste fiscal mais suave do que aquela proposta por esta PEC e que seja capaz de fazer com que a dívida pública convirja para uma trajetória sustentável ao longo do tempo. Diante das projeções, torna-se evidente não só a necessidade de conter o avanço dos gastos governamentais, como de contê-los por prazo suficientemente longo, como o prazo mínimo de dez anos que a PEC propõe.
Além de seu objetivo primordial – controlar a elevação das despesas públicas –, a proposta tem quatro características que consideramos bastante desejáveis.
A primeira é a possibilidade de o Poder Executivo poder gastar abaixo de seu limite durante os três primeiros anos de vigência, e essa poupança ser compensada por gastos acima do teto em outros Poderes e órgãos. Conforme expusemos no Relatório, essa previsão é importante para permitir que os demais Poderes e órgãos possam acomodar compromissos financeiros já assumidos, como o reajuste escalonado de seus funcionários. Similarmente, a possibilidade de, dentro de um Poder, seus órgãos compensarem os gastos também traz uma flexibilidade desejável, sem comprometer o objetivo maior que é o controle do gasto público agregado.
A segunda é trazer maior responsabilidade para o Congresso Nacional, aumentando a importância do Parlamento sobre os gastos. Atualmente, o orçamento é uma peça de ficção, onde praticamente todas as demandas são acomodadas. Na prática, isso confere ao Poder Executivo a discricionariedade de efetivamente decidir onde gastar, via contingenciamento de despesas. Com o Novo Regime Fiscal, o limite de gastos estará predeterminado, de forma que a alocação de gastos ocorrerá, primordialmente, na discussão do processo orçamentário. O contingenciamento ocorreria em situações excepcionais, de frustração de receitas. Nesse sentido, o Novo Regime Fiscal é um instrumento de fortalecimento da democracia.
Finalmente, a PEC garante que os gastos com educação e saúde serão preservados. Trata-se de gastos essenciais para o futuro do País e para o bem-estar corrente da população.
Em relação à saúde, o Novo Regime Fiscal elevará o piso em 2017, de 13,7% da Receita Corrente Líquida para 15%. Considerando os valores atuais, da ordem de R$ 700 bilhões acumulados em doze meses, esse aumento de percentual implicará elevação do piso de gastos com saúde em cerca de R$ 9 bilhões já em 2017. A partir daí, esse piso estará garantido em termos reais.
Também em relação à educação, haverá garantia da manutenção do piso. Para 2017, o piso será aquele previsto no art. 212 da Constituição Federal: 18% da arrecadação de impostos líquida de transferências. A partir daí, tal como ocorrerá com o piso para gastos com saúde, os valores serão corrigidos pela inflação, garantindo seus valores reais. Ademais, os gastos federais com complementação do Fundeb, voltados para a educação básica, não entrarão no cômputo do teto.
Por fim, em relação aos direitos sociais, o Novo Regime Fiscal vai muito além de preservar os direitos à educação e saúde. Também permitirá a retomada do crescimento, e, com isso, preservar os atuais postos de trabalho e reinserir os cerca de 12 milhões de desempregados no mercado. Não devemos nos esquecer de que o emprego talvez seja o mais importante dos direitos sociais.
Nunca é demais enfatizar: sem reformas, a tendência do Brasil é a estagnação ou crescimento mínimo. Nesse cenário, não haverá recursos para financiar programas sociais, a inflação tenderá a aumentar, prejudicando os mais pobres, e a geração de empregos será substancialmente menor. Por esse motivo, não temos dúvidas em afirmar que o Novo Regime Fiscal melhorará o bem-estar da população.
Por fim, manifesto-me pela rejeição da Emenda nº 1 – CCJ. De um lado, o ajuste das contas públicas não pode ser mais atrasado, sob o risco de ampliação da grave crise econômica atual. De outro, a aprovação da matéria na Câmara dos Deputados, a “Casa do Povo”, significa que a maior parte da população brasileira já é favorável à matéria. Assim, o Senado Federal não deve adiar o início da produção dos efeitos do Novo Regime Fiscal.
III – VOTO
Diante de todo o exposto, nosso voto é pela constitucionalidade da Proposta de Emenda à Constituição nº 55, de 2016, e, no mérito, por sua aprovação, com a rejeição da Emenda nº 1- CCJ.”