“Pronunciamento do Senhor Presidente da República na abertura do Debate Geral da 71ª Sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas
Nova York, 20 de setembro de 2016
Senhor Peter Thomson, Presidente da Assembleia Geral das Nações Unidas, Senhor Ban Ki-moon, Secretário-Geral das Nações Unidas, Senhoras e Senhores Chefes de Estado, de Governo e de Delegações, Senhoras e Senhores,
O Brasil traz às Nações Unidas sua vocação de abertura ao mundo. Somos um país que se constrói pela força da diversidade. Acreditamos no poder do diálogo. Defendemos com afinco os princípios que regem esta Organização. Princípios que são, hoje, mais necessários do que nunca. O mundo apresenta marcas de incerteza e de instabilidade. O sistema internacional experimenta um déficit de ordem. A realidade andou mais depressa do que nossa capacidade coletiva de lidar com ela. De conflagrações regionais ao fundamentalismo violento, confrontamos ameaças que, velhas e novas, não conseguimos conter. Frente à tragédia dos refugiados ou ao recrudescimento do terrorismo, não nos deixa de assaltar um sentimento de perplexidade. Os focos de tensão não dão sinais de dissipar-se. Uma quase paralisia política leva a guerras que se prolongam sem solução. A incapacidade do sistema de reagir aos conflitos agrava os ciclos de destruição.
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A vulnerabilidade social de muitos, em muitos países, é explorada pelo discurso do medo e do entrincheiramento. Há um retorno da xenofobia. Os nacionalismos exacerbados ganham espaço. Em todos os continentes, diferentes manifestações de demagogia trazem sérios riscos. Mesmo no domínio econômico, o mundo carece de normas que atenuem as assimetrias da globalização. Muitos cedem à resposta fácil do protecionismo. Não nos podemos encolher diante desse mundo. Ao contrário, temos de nos unir para transformá-lo. Transformá-lo pela diplomacia – uma diplomacia equilibrada, mas firme. Sóbria, mas determinada.
Uma diplomacia com pés no chão, mas com sede de mudança. É assim que o Brasil atua, na nossa região e além dela. Um país que persegue seus interesses sem abrir mão de seus princípios. Queremos para o mundo, Senhor Presidente, o que queremos para o Brasil: paz, desenvolvimento sustentável e respeito aos direitos humanos. Esses são os valores e aspirações de nossa sociedade. Esses são os valores e aspirações que nos orientam no plano internacional. Queremos um mundo em que o direito prevaleça sobre a força. Queremos regras que reflitam a pluralidade do concerto das nações. Queremos uma ONU de resultados, capaz de enfrentar os grandes desafios do nosso tempo.
Nossos debates e negociações não podem confinar-se a estas salas e corredores. Antes, devem projetar-se nos mercados de Cabul, nas ruas de Paris, nas ruínas de Aleppo. As Nações Unidas não podem resumir-se a um posto de observação e condenação dos flagelos mundiais. Devem afirmar-se como fonte de soluções efetivas. Os semeadores de conflitos reinventaram-se. As instituições multilaterais, não. O Brasil vem alertando, há décadas, que é fundamental tornar mais representativas as estruturas de governança global, muitas delas envelhecidas e desconectadas da realidade. Há que reformar o Conselho de Segurança da ONU.
Continuaremos a colaborar para a superação do impasse em torno desse tema. Senhor Presidente, Muitos são os desafios que ultrapassam as fronteiras nacionais. Entre eles, o tráfico de drogas e de armas, que se faz sentir nas nossas cidades, nas nossas escolas, nas nossas famílias. O combate ao crime organizado requer que trabalhemos de mãos dadas. A segurança de nossos cidadãos depende da qualidade de nossa ação coletiva. A guerra na Síria continua a gerar sofrimento inaceitável. As maiores vítimas são mulheres e crianças.
É inadiável uma solução política. Exortamos as partes a respeitarem os acordos endossados pelo Conselho de Segurança e a garantir o acesso de ajuda humanitária à população civil. Também nos preocupa a ausência de uma perspectiva de paz entre Israel e Palestina. O Brasil apoia a solução de dois Estados, em convivência pacífica dentro de fronteiras mutuamente acordadas e internacionalmente reconhecidas. É responsabilidade de todos dar novo ímpeto ao processo negociador.
Outro motivo de preocupação é a falta de progresso na agenda de desarmamento nuclear. Hoje, há mais de 15 mil armas nucleares no mundo. São mais de 15 mil ameaças à paz e à segurança internacionais. O mais recente teste nuclear na Península Coreana não nos deixa esquecer o perigo que também representa a proliferação nuclear. O Brasil fala com a autoridade de um país onde o uso da energia nuclear para fins exclusivamente pacíficos é obrigação inscrita na própria Constituição. Mas nem tudo são más notícias.
Há exemplos conhecidos – já citados em diferentes oportunidades – do que podemos obter por meio do diálogo. Celebramos a vitória da diplomacia na condução do dossiê nuclear iraniano. Encorajamos o pleno cumprimento dos entendimentos alcançados. Com os acordos entre o governo colombiano e as FARC, vislumbramos o fim do derradeiro conflito armado de nosso continente. Cumprimento o Presidente Juan Manuel Santos e todos os colombianos.
O Brasil continua disposto a contribuir para a paz na Colômbia. O restabelecimento das relações diplomáticas entre Cuba e os Estados Unidos demonstra que não há animosidade eterna ou impasse insolúvel. Esperamos que essa aproximação traga, para toda a região, novos avanços também no plano econômico-comercial. Desejamos que o reatamento seja seguido do fim do embargo econômico que pesa sobre Cuba. Este ano, o Brasil e a Argentina celebraram o 25º aniversário de sua Agência de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares. A Agência é a única organização binacional dedicada à aplicação de salvaguardas nucleares. Como disse o Secretário-Geral Ban Ki-moon, trata-se de inspiração para esforços regionais e globais de eliminação das armas nucleares. Senhor Presidente, A promoção da confiança entre brasileiros e argentinos na área nuclear está na origem de nossa experiência de integração. Está na base de projetos como o Mercosul.
A integração latino-americana é, para o Brasil, princípio constitucional e prioridade permanente de política externa. Coexistem hoje em nossa região governos de diferentes inclinações políticas. Isso é natural e salutar. O essencial é que haja respeito mútuo e que sejamos capazes de convergir em função de objetivos básicos, como o crescimento econômico, os direitos humanos, os avanços sociais, a segurança e a liberdade de nossos cidadãos. São esses os objetivos que orientam a presença das Nações Unidas no Haiti. O Brasil lidera desde 2004 o componente militar da MINUSTAH e já enviou ao país caribenho mais de 33 mil militares.
Confiamos em que a presença da ONU no terreno possa voltar-se mais para o desenvolvimento e o fortalecimento das instituições. A vizinhança brasileira também se estende a nossos irmãos africanos, ligados a nós pelo Oceano Atlântico e por uma longa história. Sediaremos, este ano, a Cúpula da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Dos nove membros da Comunidade, seis são africanos. O Brasil olha para a África com amizade e respeito, com a determinação de empreender projetos que nos aproximem ainda mais.
Senhor Presidente,
O desenvolvimento, mais do que um objetivo, é um imperativo. Uma sociedade desenvolvida é aquela em que todos têm direito a serviços públicos de qualidade – educação, saúde, transportes, segurança. É aquela em que se garante a igualdade de oportunidades. É aquela em que o acesso ao trabalho decente não é privilégio de alguns. Em uma palavra, desenvolvimento é dignidade – e a dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos do Estado brasileiro, conforme previsto no artigo primeiro da nossa Constituição.
A Agenda 2030 é a maior empreitada das Nações Unidas em prol do desenvolvimento. Tirá-la do papel demandará mais do que a soma de esforços nacionais. O apoio aos países em desenvolvimento será decisivo para a concretização dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. A prosperidade e o bem-estar no presente não podem penhorar o futuro da humanidade. Mais do que possível, é necessário crescer de forma socialmente equilibrada com respeito ao meio ambiente. O planeta é um só. Não há plano B.
Devemos tomar medidas ambiciosas, sob o princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas. Depositarei, amanhã, o instrumento de ratificação pelo Brasil do Acordo de Paris sobre Mudança do Clima. O Brasil, país mais biodiverso do mundo, detentor de matriz energética das mais limpas, é uma potência ambiental que tem compromisso inequívoco com o meio ambiente. O desenvolvimento depende, também, do comércio.
Em cenários de crise econômica, o reflexo protecionista faz-se sentir. Há que contê-lo. O protecionismo é uma perversa barreira ao desenvolvimento. Subtrai postos de trabalho e faz de homens, mulheres e famílias de todo o mundo – Brasil inclusive – vítimas do desemprego e da desesperança. O sistema multilateral de comércio é parte da luta contra esse mal. De particular importância para o desenvolvimento é o fim do protecionismo agrícola. Já não podemos adiar o resgate do passivo da OMC em agricultura.
É urgente impedir que medidas sanitárias e fitossanitárias continuem a ser utilizadas para fins protecionistas. É urgente disciplinar subsídios e outras políticas distorcivas de apoio doméstico no setor agrícola. Com sua agricultura moderna, diversificada e competitiva, o Brasil é um fator de segurança alimentar. Produzimos para nós mesmos e ajudamos a alimentar o mundo. Senhor Presidente, A plena fruição dos direitos humanos permanece uma aspiração inalcançada no mundo. Cada ser humano tem o direito de viver livremente, conforme suas crenças e convicções.
Essa liberdade fundamental, contudo, é desrespeitada todos os dias. Perseguições, prisões políticas e outras arbitrariedades ainda são recorrentes em muitos quadrantes. Nosso olhar deve voltar-se, também, para as minorias e outros segmentos mais vulneráveis de nossas sociedades. É o que temos feito no Brasil, com programas de transferência de renda e de acesso à habitação e à educação, inclusive por meio do financiamento a estudantes de famílias pobres. Ou com a defesa da igualdade de gênero, prevista na nossa Constituição. Cumpre garantir o direito de todos.
Refugiados e migrantes são, no mais das vezes, vítimas de violações de direitos humanos. São vítimas da pobreza, da guerra, da repressão política. A Reunião de Alto Nível de ontem lançou luz sobre alguns desses aspectos de fundo. O Brasil é obra de imigrantes, homens e mulheres de todos os continentes. Repudiamos todas as formas de racismo, xenofobia e outras manifestações de intolerância. Damos abrigo a refugiados e migrantes, como pude reiterar também no encontro de ontem. Num mundo ainda tão marcado por ódios e sectarismos, os Jogos Olímpicos e Paralímpicos do Rio mostraram que é possível o encontro entre as nações em atmosfera de paz e harmonia. Pela primeira vez, uma delegação de refugiados competiu nos Jogos.
Por meio do esporte, pudemos promover a paz, lutar contra a exclusão e combater o preconceito. Senhor Presidente, Trago às Nações Unidas, por fim, uma mensagem de compromisso inegociável com a democracia.
O Brasil acaba de atravessar processo longo e complexo, regrado e conduzido pelo Congresso Nacional e pela Suprema Corte brasileira, que culminou em um impedimento. Tudo transcorreu dentro do mais absoluto respeito à ordem constitucional. Não há democracia sem Estado de direito – sem normas que se apliquem a todos, inclusive aos mais poderosos. É o que o Brasil mostra ao mundo. E o faz em meio a um processo de depuração de seu sistema político.
Temos um Judiciário independente, um Ministério Público atuante, e órgãos do Executivo e do Legislativo que cumprem seu dever. Não prevalecem vontades isoladas, mas a força das instituições, sob o olhar atento de uma sociedade plural e de uma imprensa inteiramente livre. Nossa tarefa, agora, é retomar o crescimento econômico e restituir aos trabalhadores brasileiros milhões de empregos perdidos. Temos clareza sobre o caminho a seguir: o caminho da responsabilidade fiscal e da responsabilidade social.
A confiança já começa a restabelecer-se, e um horizonte mais próspero já começa a desenhar-se. Nosso projeto de desenvolvimento passa, principalmente, por parcerias em investimentos, em comércio, em ciência e tecnologia. Nossas relações com países de todos os continentes serão, aqui, decisivas.
Senhor Presidente,
Não quero encerrar minhas palavras sem dirigir-me ao nosso Secretário-Geral, que em breve se despede de suas funções. Ban Ki-moon dedicou os últimos dez anos à busca incansável da paz, do desenvolvimento e dos direitos humanos. Esteja certo, Senhor Secretário-Geral, de nosso apreço e de nossa gratidão.
Senhor Presidente, Senhor Secretário-Geral, Senhoras e Senhores,
Nesta segunda década do século XXI, já não podemos ter dúvidas de que nossos problemas são globais. Já não pode haver espaço para o isolacionismo. Nosso destino é comum. Nas Nações Unidas, nos aproximamos, mais do que em qualquer outro lugar, do ideal universalista que nos anima. Há quase 60 anos, meu compatriota Oswaldo Aranha afirmou, desta tribuna, que “não há no mundo, mesmo perturbado como está, quem deseje ver fechadas as portas desta casa”. E alertou: sem a ONU, “as sombras da guerra desceriam sobre a humanidade para obscurecer definitiva e irremediavelmente a esperança dos homens”. É nesta assembleia das nações que cultivamos nossa esperança. Esperança que é conquistada no diálogo, na compreensão e no respeito. Respeito ao outro, a nós mesmos, aos nossos filhos e netos. Muito obrigado.
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