Íntegra do discurso feito pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), na segunda-feira, 28.03.2007:
"Senhoras senadoras, senhores senadores,
É com o sentimento de indignação e constrangimento que falo ao Senado Federal e à nação. Nunca pensei nem desejaria jamais fazê-lo para rasgar a minha alma e tendo de revelar segredos sagrados do que de mais pessoal se possui, que é a família, para defender-me de uma infâmia, de um pseudo-escândalo. Um pseudo-escândalo sobre minha vida pessoal.
Pessoal, sim! Estou aqui para provar, demonstrar, exibir e reiterar de que se trata de uma questão pessoal, isso em rede nacional.
Indignação porque ninguém teria outro sentimento, senão este, ao ver-se constrangido a violar sua privacidade, com o risco e o perigo de atingir os entes que lhe são mais caros e confessar pecado, que somente deveria fazer no confessionário, para pedir perdão e receber penitência.
Infelizmente minha confissão será aqui, sem a proteção à qual eu teria direito como pessoa, e como cidadão, vivendo numa democracia cuja Constituição assegura, como cláusula pétrea, a privacidade de todos.
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Leio, para reavivar a memória de todos os senadores e senadoras, o inciso X, do artigo 5o, texto excepcional, tão bem redigido pelo grande Afonso Arinos, que devia proteger a família com um manto sagrado e não transformar-se numa peça de ficção, com sua violação constante, numa destruição do estado de direito: ‘São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas’.
Meu outro sentimento é o constrangimento ao qual submeto meus colegas senadores e senadoras, vendo-me nessa posição de expor minha vida íntima e pessoal.
Não quero misturar essa tentativa de escândalo aos casos de corrupção que estão sendo investigados, nem atribui-la à ação dos meus adversários no meu estado e aqui. Por outro lado, não quero debitar a uma parte da imprensa. Trata-se de uma ignomínia a que fui submetido, em torno da qual padeci durante os últimos três anos.
Confesso que tive uma relação, que me deu uma filha. Como todos os casos de uma paternidade não programada, episódios como esse geram contendas que muitas vezes, como ocorreu, terminam nas varas de família.
Eu não fugi a esse calvário. Assumi, como pai, minhas responsabilidades.
Revelo que, logo que tive conhecimento da gravidez, impossibilitado de fazê-lo pessoalmente em virtude da circunstância que se impunha, pedi a um amigo que intermediasse meu apoio. Meu comportamento se baseou em dois pontos: assumir a paternidade e não me esquivar de meus deveres, e dar assistência à gestante em suas necessidades.
Lamento, meus eminentes colegas, que a vida pública brasileira tenha se amesquinhado a tal nível que eu tenha que descer a estas minúcias perante o Senado Federal, onde sempre tratamos de temas mais elevados e de interesse público.
Voluntariamente, reconheci a paternidade, conforme escritura pública registrada no Cartório do 2º Tabelião de Notas em 21 de dezembro de 2005. O documento está à disposição. Desde então passei a pagar a pensão mensal de R$ 3 mil.
Nos dois primeiros meses – dezembro de 2005 e janeiro de 2006 – o pagamento se deu por cheques nominais do Banco do Brasil. Ambos compensados na conta número 103921-9 do Unibanco, cuja titular é a mãe, a representante legal da beneficiária, conforme atestam tais documentos.
Eles estão à disposição e, por si, desmentem que terceiros teriam pago a pensão por mim, até dezembro de 2006. A partir de fevereiro de 2006, o pagamento de R$ 3 mil mensais passou a ser deduzido dos meus subsídios de senador, descontado em folha. Este documento, bem como os demais, está à disposição.
Anteriormente a essas datas, prestei assistência à gestante em valor maior – em torno de R$ 8 mil mensais – até o reconhecimento da paternidade, conforme os repasses para a beneficiada.
Além disso, honrei com meus recursos próprios o aluguel de uma casa entre 15 de março de 2004 e 14 de março de 2005. Posteriormente, arquei com o aluguel de um apartamento entre março e novembro de 2005 para a gestante.
Em dezembro de 2005, como já disse, reconheci a paternidade, assumi a responsabilidade legal de alimentos. Os valores despendidos são meus. Repito: meus!
Nunca misturei o público com o privado, como tentaram insinuar. Os recursos estão todos devidamente declarados no meu Imposto de Renda, bem como a própria pensão alimentícia.
Minhas declarações de renda comprovam minhas afirmações, que já são entregues anualmente ao Senado.
Têm a obrigação de falar aqueles que não têm o direito nem podem se calar. Impus-me um silêncio doloroso e indignado nos últimos dias. Mas agora é hora de repor a verdade, de refutar a mentira, de enterrar a insídia.
E assim o faço em razão da dignidade da função que exerço, de presidente do Senado Federal, que eu nunca envergonhei e jamais envergonharei.
Quando me agridem, ferem também uma das mais altas instituições nacionais. Quando me miram, atingem a instituição.
Neste calvário regido por mãos que atiram pedras e se escondem, encontrei amparo nas reflexões do ex-deputado e brilhante filósofo Roland Corbisier um libelo que está completando 52 anos, mas cuja atualidade é desconcertante. Disse ele:
‘Essa mania de denunciar, de acusar, de julgar e de condenar, antes de ouvir a defesa dos acusados, essa obsessão do inquérito, da devassa, essa complacência no escândalo, na publicação do escândalo, esse gosto em comprometer e desmoralizar o poder público, os homens que o exercem ou que aspiram a exercê-lo, essa precipitação, essa leviandade em atacar e condenar, sem o menor respeito pela justiça e pela verdade, essa sofreguidão, essa impaciência em fazer justiça com as próprias mãos, em dizer a última palavra a respeito de pessoas e dos assuntos em debate, essa atitude moralista e farisaica, pretensiosa e auto-suficiente, é uma atitude que, a prazo longo, se revela a mais nociva à formação política e mesmo à formação moral do país. Porque é impossível dissociar, na acusação, na agressão aos homens públicos, aos homens que exercem o poder, os próprios homens, enquanto indivíduos, dos cargos que ocupam e a função que exercem’.
Senhoras senadoras, senhores senadores,
Além de assumir, honrar minhas obrigações financeiras, fiz mais, muito mais, senhores senadores e senadoras.
Disponibilizei ainda de minhas reservas, repito, de minhas finanças, um fundo de R$ 100 mil para garantir as despesas futuras com educação, desenvolvimento cultural da criança.
Indago a Vossas Excelências: precisaria eu recorrer a expedientes outros imputados à minha pessoa?
Surgiu o pedido de aumentar a pensão que eu vinha pagando de R$ 3 mil, além do fundo de educação já constituído.
Poucas pessoas de minha estrita relação pessoal, além dos advogados, compartilhavam dessas agruras. Um deles era Cláudio Gontijo, de quem sou amigo há mais de 20 anos, quando ele nem sequer cogitava em trabalhar na empresa. O fato de trabalhar para a empresa Mendes Junior nenhuma relação tem com o assunto. Ele era a pessoa para fazer a interlocução entre as partes, uma vez que também tinha amizade com a mãe da criança. Eu não nego e não renego minhas amizades. Serve para este episódio e para todos os outros.
As matérias jornalísticas derivaram de especulações políticas do que estaria no processo. Não passam de ilações e interpretações perversas.
Vamos recapitular os fatos:
Reconheci a paternidade, e o fiz, como disse, por iniciativa minha. Fui eu o autor do reconhecimento. Repito: assumi. Não esperei nem procurei negar. Está aqui a certidão.
Ofertei alimentos em 23 de dezembro de 2005, conforme processo 2005.01.1.149433-2, que tramitou na 4ª Vara de Família do Distrito Federal. Antes e durante a gestação, repito, arquei com as despesas necessárias com meus recursos.
Ao Cláudio Gontijo, eu peço desculpas pela exposição de seu nome, agradecendo, uma vez mais, pelo cumprimento de um dever de amizade.
Finalmente, na audiência do último dia 25, fizemos um acordo em juízo e acertamos a pensão encerrando, assim, esse doloroso episódio de minha vida pessoal.
Esta é a verdade. Todos os recursos pagos foram meus, recursos próprios, para os quais tenho condições, de acordo, repito, com minhas declarações de Imposto de Renda, que, mais uma vez reitero, estão à disposição.
Estão aqui todos os documentos atestando meus rendimentos, as quantias que me possibilitaram arcar com as despesas, também declarada em juízo e outras necessidades a que supri.
Esse é o falso escândalo que a nação estarrecida acompanha.
Não se pode avaliar o que significa a repercussão dessas especulações sórdidas na vida íntima das pessoas, a corrosão que implica na vida das famílias, da mulher, dos filhos e principalmente da criança que tem direito a viver sem traumas.
Não tenho relação com a Construtora Mendes Junior e essa ilação que foi feita não indica nenhuma conduta minha que implicasse benefício, apoio ou qualquer outra forma de favorecimento. Não tenho relação também com os administradores dessa empresa.
Senhores senadores, senhoras senadoras,
Lamento novamente o constrangimento que lhes estou causando. Hoje, a vida pública transformou-se num alvo permanente de suposições, mentiras, difamações, calúnias, que, sem a menor responsabilidade, são propagadas sem que as pessoas tenham qualquer meio de defender-se diante de avassaladora ação de parte da mídia, que constrói, deforma e expõe pseudo-fatos como verdades.
O que eu quero mais uma vez denunciar é essa ignomínia da invasão da minha vida privada, daquilo que é mais sagrado na construção da sociedade, que é a família. Já tinha preparado este pronunciamento quando fui vítima de infâmias provincianas. Vejam a que ponto chegamos neste teatro de absurdos.
A única novidade é que estas mesquinharias passaram a interessar a outros. Por estas inverdades já processei mais de dez vezes um jornaleco local, que até foi obrigado a mudar de nome para fugir da Justiça.
Foi divulgada suposta omissão patrimonial no Imposto de Renda. Eis aqui novamente a verdade, a verdade, nada além, nada aquém. Imposto de Renda de 2004, ano calendário 2003. Está aqui: fazenda Novo Largo, com todos os detalhes e informações, de quem, quando e como adquiri a propriedade. Está aqui no meu Imposto de Renda.
Minhas senhoras e meus senhores,
Continuarei fazendo o que fiz em todos os meus mandatos. Trabalhando pelo Brasil e por Alagoas.
Fiz bastante pelos alagoanos. Lamento não ter conseguido fazer mais. Vou até os últimos dias do meu mandato trabalhando por novos investimentos para meu estado.
Não vou me omitir como senador de Alagoas. É minha obrigação para com o estado que tenho a honra de representar.
Não adianta, não me intimidarei. Trabalhar para obter investimentos públicos ou privados para o desenvolvimento econômico e social é dever intransferível de todo parlamentar, no Brasil e no mundo.
Senhoras e senhores,
É triste para política brasileira que o presidente de Senado Federal venha, nesta condição, explicar uma ação de alimentos, comentar a privacidade de sua vida pessoal.
Regredimos. Há 2 mil anos a política era feita de casos pessoais. Não existia o Estado moderno. A violência e o primarismo tomavam conta dos homens. Era só vida pessoal. Ressuscitamos, infelizmente, esses tempos e seus temíveis métodos. Tempo em que Cícero já condenava essa prática que, para amedrontar o Senado romano, colocava nas ruas inscrições em que se dizia dos senadores: ‘Adúlteros, assassinos, sedutores, libertinos, ladrões!’.
Era a decadência da república romana. Agora, se vê a sórdida tentativa de restaurar esses tempos no Brasil.
Mas é o mesmo Marco Túlio Cícero quem diz que o ‘que mais desperta admiração na alma dos homens é a justiça’.
Nunca é demasiado repetir as lições de Rui Barbosa, o patrono desta Casa: ‘Se alguma coisa divina existe entre os homens, é a justiça…, mas para que a Justiça venha ser essa força, esse elemento de pureza, esse princípio de estabilidade, é preciso que não se misture com as paixões da rua, ou com as paixões do governo, seja a justiça isenta, a justiça impassível, a soberana justiça, a congênita em nós, entre os sentimentos sublimes à religião e à verdade".
O que peço a todos é: justiça e respeito por minha família. Sou responsável pelos meus atos e por eles eu respondo pessoalmente.
Vossas excelências não terão em mim nenhuma surpresa. Tudo o que tenho, tudo o que faço, por eles responderei.
Quaisquer que sejam os novos ataques, exporei as informações, uma a uma, até que estes ataques especulativos sejam vencidos em nome do Senado do país, da sociedade e de nosso bem supremo, a democracia.
Senhores senadores, senhoras senadoras,
Fora do campo pessoal, reafirmo, como presidente do Senado, meu compromisso de apoio integral à investigação, dentro da lei, especialmente pelo Congresso Nacional, sobre todas as denúncias que envolvam as relações de empresas e empresários com os integrantes do Legislativo e o Executivo."
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