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“O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco/PT – PE. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, Sras. Senadoras, Srs. Senadores, hoje, sem dúvida, é um dia muito difícil para todos nós e para mim, em particular.
Já tive oportunidade de dizer que o trabalho que desenvolvi ao longo desses meses não me gerou nenhum tipo de alegria. Não usei esse trabalho e esse dever para procurar me promover ou fazer carreira como vestal ou paladino da moral e da ética. Não quis fazer carreira política de dedo em riste, como soía fazer o representado, há algum tempo, a dizer: “eu acuso”. Não, de forma alguma. Produzi um trabalho imparcial, calcado em fatos, fatos que são, lamentavelmente, contundentes. Agi sem prejulgamentos, com absoluto respeito ao direito de defesa. Nisso, fui dirigido, com muita honra, pelo Presidente do Conselho de Ética, o Senador Antonio Carlos Valadares.
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E creio que produzi um relatório que deu conforto aos integrantes do Conselho de Ética para votarem, por unanimidade, pela sua aprovação.
Nesta semana, o Senador representado utilizou a tribuna para tecer críticas ao meu relatório, com todo o direito, com toda a justiça, até porque trabalhamos permanentemente com o contraditório. Classificou-o como ilegal, inconstitucional, sem respeito às normas jurídicas, muito embora a Comissão de Constituição e Justiça tenha aprovado, pela unanimidade dos seus membros, o relatório do Senador Pedro Taques, que constatava a legalidade, a juridicidade e a constitucionalidade do meu trabalho. Qualificou S. Exa. o meu relatório como uma peça de ficção. Chegou a me classificar como um romancista. Gostaria de sê-lo, mas não o sou. Em verdade, procurei tão somente expressar a realidade dos fatos.
Em meio a isso, S. Exa. produziu – e eu até entendo, pela gravidade do momento que vive, pelo sofrimento por que passa – algumas peças de retórica que são verdadeiras pérolas. A maior delas, sem dúvida, foi dizer que mentir não é quebrar o decoro parlamentar.
S. Exa. baseou-se na figura da imunidade parlamentar, na inviolabilidade do mandato, que, no entanto, só é aplicável para a situação civil e penal por quaisquer das opiniões, palavras e votos. No entanto, a imunidade parlamentar, a imunidade material, propriamente dita, não é interdito de juízo ético parlamentar. Portanto, uma das hipóteses de incompatibilidade com o decoro parlamentar é exatamente o abuso das prerrogativas asseguradas a membro do Congresso Nacional.
A imunidade material, ou seja, a inviolabilidade do parlamentar, em suas opiniões e palavras, é uma daquelas prerrogativas a que faz referência o §1º do art. 55 da Constituição Federal – a imunidade material, o direito de não serem presos ou imunidade formal.
No entanto, caso o Senador se valha de expressões descorteses ou insultuosas ou quebre o cumprimento adequado dessas prerrogativas, o uso da palavra se sujeita a medidas disciplinares. Valho-me aqui da palavra o Presidente do STF, que dizia:
Para os pronunciamentos feitos no interior das Casas Legislativas, não cabe indagar sobre o conteúdo das ofensas ou a conexão com o mandato, dado que acobertadas com o manto da inviolabilidade. Em tal seara caberá à própria Casa a que pertencer o Parlamentar coibir eventuais excessos no desempenho dessa prerrogativa.
Continua Ayres Britto:
Claro que o Parlamentar pode incidir em excesso e até ser punido politicamente por falta de decoro, por algo que se apura regimentalmente.
O ex-Ministro Nelson Jobim conclui:
Inclusive os regimentos das Casas Legislativas preveem a possibilidade de cassar a palavra pelo Presidente se este entender que há acusações de natureza pessoal etc., mas isso está dentro do âmbito do Parlamento.
De fato, qualquer Parlamentar pode mentir quando discursa. É um direito seu. No entanto, é um direito de qualquer outro Parlamentar não acreditar na mentira do colega e, na forma regimental, contraditá-lo ou pedir a sua punição. Portanto, não é normal nem é aceitável que se possa mentir ao Parlamento e à sociedade brasileira.
E, aí, eu pergunto, já que S. Exa. me qualificou como ficcionista: é por acaso ficção que S. Exa. usou a tribuna do Senado Federal para dizer que a sua relação com o Sr. Carlos Cachoeira era exclusivamente de natureza pessoal e privada e que ao longo de tantas ligações telefônicas só havia tratado de uma crise conjugal entre seu suplente e o Sr. Carlos Cachoeira?
Não é ficção. Ele disse isso. Como não é ficção que em nenhuma dessas mais de 300 ligações há qualquer referência à crise conjugal do Sr. Carlinhos Cachoeira. Foram 97 ligações apenas do aparelho Nextel; 40 encontros que aconteceram entre ambos, entre março e agosto de 2011.
S. Exa. disse aqui que não sabia dos afazeres ocultos do Sr. Carlinhos Cachoeira. É muito difícil acreditar nessa colocação. S. Exa. foi Procurador-Geral de Justiça de Goiás por dois mandatos. Foi Secretário de Segurança Pública do Estado de Goiás por um mandato. S. Exa. é Senador da República e foi integrante da CPI dos Bingos, que indiciou o Sr. Carlos Cachoeira por seis crimes, entre eles: corrupção passiva, formação de quadrilha, lavagem de dinheiro e mais três.
Como alguém da intimidade desse cidadão não poderia saber das suas atividades criminosas, reunindo não somente esse passado de um profissional da Justiça e da Segurança Pública, mas principalmente como seu amigo? Que amigo é esse que não procura saber como o outro se houve em uma CPI que foi do conhecimento de todo o Brasil? Que amigo é esse que não procurou saber por que o amigo havia sido indiciado por seis crimes?
Portanto, perdoe-me, mas S. Exa. faltou com a verdade.
Disse S. Exa. que nunca se intrometeu nos negócios do Sr. Carlos Cachoeira, mas o próprio início do conhecimento entre ambos, travado em Goiás, quando S. Exa. era Secretário de Segurança Pública, foi para atender uma demanda do Sr. Cachoeira, que queria a repressão aos jogos de azar ilegais em Goiás, para afastar concorrentes. S. Exa. participou ativamente da tentativa de produzir constrangimento ao Governo Federal, à Caixa Econômica, para aceitar, em 2003, um acordo que envolvesse a GTEC, o Sr. Carlos Cachoeira e a própria Caixa Econômica, para os jogos da Loteria Esportiva. S. Exa., inclusive, detinha informações que somente aqueles que tivessem íntima relação com o Sr. Carlos Cachoeira poderiam ter. E um ano depois, quando é deflagrado o escândalo Waldomiro Diniz, S. Exa. aparece como alguém de uma antevisão do que iria ocorrer e, estranhamente, ao mesmo tempo em que batia fortemente em Waldomiro Diniz e no Governo Federal, poupava inteiramente o Sr. Carlos Cachoeira, na verdade, o corruptor ativo naquela situação, demonstrando que S. Exa. não tinha interesse de atacá-lo ou travar com ele qualquer tipo de confronto.
Disse S. Exa. que era militante da causa contra a legalização dos jogos de azar. No entanto, no período em que foi Presidente da Comissão de Constituição e Justiça, deixou durante dois anos, dormitando nas gavetas da comissão, o Projeto de Lei nº 274, produzido pela CPI dos Bingos, que tornava crime a contravenção dos jogos de azar, sem que indicasse um relator. E não se pode acusar S. Exa. de não ser um parlamentar preocupado em que os processos andassem, porque mais de mil projetos tiveram indicação de relator e chegaram a ser apreciados pela comissão. Ou então o PL nº 7.828, de 2002, que também procurava transformar contravenção em crime e que ele diz, numa conversa telefônica, e que reconhece verdadeira: “Cuidado, Cachoeira, que isso aí te pega”. E, depois, convencido por Cachoeira de que o projeto era bom para as suas atividades, ele diz: “Vamos ver aí. Eu vou ver se pauto”. Se isso não for utilizar o mandato para atender a interesses de um contraventor, o que será, então, senhoras e senhores?
S. Exa. defendeu interesses de Carlinhos Cachoeira na Anvisa, no STJ, no Tribunal de Justiça de Goiás, no Ministério Público de Goiás, no DNPM, no Ibram, no Ibama, no DNIT, na Infraero, na Receita Federal, no Governo de Goiás e em prefeituras de Goiás. E o mais grave, Excelências: o Senador participou, inclusive, do processo de proteção do Sr. Carlinhos Cachoeira.
Há um diálogo que é o mais grave de todos. Quando a Polícia Federal simula uma operação policial para desvendar quem estava vazando informações nas operações de combate aos jogos de azar no Estado de Goiás, S. Exa. tem uma informação privilegiada, segundo ele, dada “pelo de sempre”, e diz ao Sr. Cachoeira que vai haver uma operação. Naturalmente, a operação não aconteceu, porque ela era uma simulação.
E disse S. Exa. que foi para jogar uma verde, para saber se Carlinhos Cachoeira ainda continuava no ramo dos jogos. Esse “ainda” já mostra que o Senador, no mínimo, desconfiava que ele estava no ramo dos jogos, mas passou uma informação, senhoras e senhores. E vejam a gravidade: se fosse verdadeira, poderia ter custado a vida de agentes públicos, policiais que poderiam ter dado uma batida e serem recebidos a bala ou num confronto. Isso é uma atuação temerária e que não é compatível com o exercício de um mandato parlamentar.
Mais ainda: S. Exa. auferiu vantagens que não são lícitas. Aqui foi dito: “Mas o que é isso? Receber um telefone Nextel, que é tão barato! Alguém pagar essa conta de R$40,00, R$50,00, isso não é nada!” Mas, senhoras e senhores, esse telefone foi dado a um seleto grupo de pessoas que compunha a alta cúpula dessa organização. Não estou com isso dizendo que o Senador faz parte dessa cúpula, mas faz parte do grupo que recebeu e se comunicava por intermédio desses rádios, não para tratar de assuntos republicanos, mas sempre para tratar de assuntos do interesse dessa organização criminosa.
Não é aceitável, sob nenhuma hipótese, que um Senador tenha suas contas pessoais pagas por quem quer que seja, ainda mais por um conhecido contraventor e, hoje, sabidamente, um criminoso. Portanto, isso também não é compatível com o exercício do mandato parlamentar. Deixar que esse contraventor pague uma dívida de US$18 mil por uma mesa, que pague uma aparelhagem de som de US$27 mil dada como presente, cinco garrafas de vinho a mais de US$15 mil e uma geladeira e um fogão como presente de casamento de US$25 mil. S. Exa. disse aqui, na tribuna, como poderia não receber esse presente, seria até uma falta de educação, uma falta de polidez. Mas não é que essa semana, nos grampos da PF, fica claro que esses presentes foram encomendados, não vieram numa caixa que surpreendeu as pessoas que o receberam. Portanto, são vantagens indevidas que são incompatíveis com o exercício do mandato parlamentar.
Além disso, as relações perigosas. S. Exa. recebeu, por mais de uma vez aqui, o Sr. Gleyb Ferreira da Cruz, que tinha um alto posto nessa organização criminosa.
Numa dessas vezes, inclusive, não se sabe, para receber ou pagar 20 mil, que também não se sabe o que são esses 20 mil. Mas não quero nem entrar no mérito dessa questão, prefiro ignorá-la. Mas receber esse cidadão, que, segundo ele, veio trazer cabos de um sistema de som, que era um serviçal, mas que ia aos Estados Unidos com frequência e que trouxe, inclusive, um som para o Senador.
Ou, então, receber por oito vezes no seu gabinete o Sr. Idalberto Matias, o conhecido araponga Dadá, indiciado em vários processos criminais. Esse tipo de relacionamento é enriquecedor do Congresso Nacional? Ele é compatível com o exercício de um mandato parlamentar? Com certeza, não! Além disso, outras questões menores, mas feitas a pedido do Sr. Carlos Cachoeira: a nomeação de funcionários aqui no Senado, como a Srª Kênia Ribeiro, que trabalhava em Anápolis; de um outro rapaz, onde há uma referência nas gravações. E até mesmo uma situação constrangedora para o nosso colega, o Senador Aécio Neves, que empregou no seu governo uma sobrinha do Sr. Cachoeira, sem sabê-lo. Muito embora o Senador Demóstenes assim o soubesse.
Portanto, são inúmeros fatos que comprovam, lamentavelmente, tristemente, que S. Exª quebrou o decoro parlamentar. Deixou de agir como um Senador da República deveria agir. Não venho aqui com o desejo de ser a palmatória do mundo para apregoar normas de conduta para quem quer que seja. Mas o trabalho que aqui está sendo feito e que eu realizo, não como pessoa física, mas como integrante do Parlamento brasileiro, não pode deixar de levar essas questões em consideração em nome da amizade, do corporativismo ou até mesmo do sentimento de comiseração que todos nós temos aqui, sem dúvida.
Mas, Sr. Presidente, o fundamento da nossa decisão é porque o Senador praticou, conforme a Resolução nº 20, irregularidades graves no desempenho do mandato ou de encargos decorrentes desse mandato. De acordo com a Constituição Federal, abusou de prerrogativas asseguradas a membros do Congresso Nacional e, além disso, percebeu vantagens indevidas.
No nosso País, nós não temos um instrumento do recall, no entanto, se os eleitores do Estado de Goiás soubessem das relações perigosas de S. Exª, será que o teriam mandado para cá? Eu creio que não. Por isso a nós cabe responder em nome do povo, para aqui fazer justiça e aplicar a democracia, ainda que isso nos constranja. O parlamentar precisa atuar impessoalmente, defender o interesse público, buscar o bem comum e evitar a sedução pelo interesse privado e a exploração do cargo para obter privilégio. Quem julga, Senador, somos nós, mas quem condena V. Exª é o seu passado.
Por isso, tenho certeza, daqui a pouco, quando esta Casa julgar e aprovar a cassação do mandato de S. Exª, com certeza não eclodirão aplausos nem vivas, mas, no fundo, todos nós teremos o sentimento dolorido, que assim o seja, de termos cumprido o nosso dever. E a voz rouca das ruas em todo o Brasil vai dizer: a democracia vale a pena!
Muito obrigado a todos e a todas.”
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