Jornalista – Começo com a Ação Penal 470. Muitos ficaram surpresos com o resultado do processo, até com o próprio tempo do processo. Pergunto: há alguma previsão? Quais são os passos para que as sentenças sejam executadas?
Joaquim Barbosa – Eu espero encerrar toda essa ação até julho deste ano. Espero que tudo esteja encerrado.
Jornalista – Para isso, o que seria necessário?
Julgar os recursos. Tem o problema de prazos, né? Tem que aguardar o prazo para publicação. Os votos de alguns ministros ainda não foram liberados e eles ainda têm um prazo para fazer isso. Assim que todos apresentarem os seus votos, eu vou determinar a publicação. E aí começa a correr o prazo de recursos dos réus.
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Jornalista – Ministro, o senhor vai analisar… É do seu atributo, como presidente, analisar que recursos serão aceitos ou não? O senhor vai ser bastante rígido nisso? Vai levar a plenário?
Eu posso analisar. Tanto posso analisar pessoalmente como levar ao plenário pra saber que tipo de recurso é cabível. Eu já sei qual o recurso é cabível, mas, evidentemente que os réus querem vários outros recursos.
Jornalista – Mas isso pode ser uma decisão pessoal do senhor, então, como presidente do STF?
Pode ser uma decisão minha, mas pode haver recurso da minha decisão para o plenário. Então, em vez de eu decidir e depois aguardar um recurso pro plenário, eu posso levar diretamente ao plenário.
Jornalista – Excelência, os mandados de prisão vão ser efetivados quando?
Depois de encerrada essa fase de recursos.
Jornalista – Segundo sua previsão, depois de julho?
Não, eu espero que até julho. Julho é mês de férias aqui no tribunal. Mas a minha expectativa é que tudo se encerre antes de 1º de julho, antes das férias.
Jornalista – Portanto, as prisões podem acontecer em julho ou agosto?
Sim, vai depender se eu conseguir a questão de prazo. Se não houver nenhum incidente, nenhuma chicana. Porque tudo isso é possível. Mas o processo já se tornou menor, não é? Antes eram 40, depois 38, 37 e agora são apenas 25 condenados. Fica mais fácil.
Jornalista – Ministro, a Ação 470 é, sem dúvida, um momento histórico para a corte, para o próprio país. Mas nós temos aí casos como o do jornalista Pimenta Neves, que assassinou uma pessoa, é réu confesso e, mesmo assim, digamos que goze de certa regalia perante o olhar da opinião pública. A mesma coisa temos o caso Gil Rugai, que acabou sendo condenado, vai recorrer em liberdade. A população começa a sentir, dentro do seu conhecimento, que parece que isso se esfria. Como é que o senhor responde essa ansiedade das pessoas que viram uma condenação histórica e, agora, começa a dar a impressão que não haverá o que elas esperam da Justiça?
Olha, a sociedade brasileira já é muito consciente das incoerências do sistema penal brasileiro. Vejam bem: o senhor mencionou agora o caso Gil Rugai. É um caso que envolve um só réu, uma só pessoa. No entanto, estava esperando julgamento há mais de dez anos. O caso da Ação Penal 470 tinha 40 réus e a imprensa xingou o Supremo, me esculhambou dizendo: “Sete anos! Isso é um absurdo! Como é que dura sete anos?”. Mas não fala uma única palavra quando se trata de casos como esse. Aí é que está o absurdo: julgar um caso simples e levar dez anos. A população é muito consciente sobre esses contrastes. Por que levar dez anos para julgar um caso tão simples? É por que alguém aí, provavelmente, não estava querendo julgar. Quando há vontade de se julgar, se julga.
Jornalista – Vontade política?
Vontade mesmo de trabalhar e ignorar a qualidade das partes.
Jornalista – Isso poderia ser uma causa sistêmica dentro do sistema?
Há uma causa sistêmica, sim. Mas há também uma falta de vontade, em muitos casos. Há falta de vontade, há medo do juiz. Ele deixa aquilo ali, deixa correr em muitos casos. A causa sistêmica: nosso sistema penal é um sistema muito frouxo. É um sistema totalmente pró-réu, pró-criminalidade. Essas sentenças que o Supremo proferiu aí de dez anos, 12 anos, no final elas se converterão em dois anos, dois anos e pouco de prisão, porque há vários mecanismos para ir reduzindo a pena. E, por outro lado, esse sistema frouxo tem vários mecanismos de contagem de prazo para prescrição que são uma vergonha. São quase um faz de conta. Tornam o sistema penal um verdadeiro faz de conta. Vou dar um exemplo aqui para vocês: se um indivíduo comete um crime no ano de 2000 e esse crime tem uma pena de até dois anos, se o Ministério Público não propõe a ação e a ação não é recebida até 2004, nada mais pode ser feito. Mas se algo tiver sido feito, digamos, em 2003, estou falando em hipótese, se algo foi feito em, digamos, julho de 2003, e se chegar a julho de 2007 e não tiver concluído aquele julgamento, está prescrito. Esse é um exemplo de como é o sistema brasileiro. Tudo conspira para que os processos criminais não tenham qualquer consequência.
Jornalista – Isso é uma herança das elites ou é uma herança da época da ditadura?
Eu acho que é um pouco de tudo. E esse sistema político. Isso beneficia as pessoas corruptas dentro do sistema político.
Jornalista – O Conselho Nacional de Justiça pode mudar isso ou precisa Congresso?
O Conselho não pode mudar isso.
Jornalista – Mas pode conscientizar?
Pode conscientizar para estimular, para apontar o dedo para a ferida. Juízes que prevaricam, juízes que tem comportamento estranho dentro ou fora de determinado processo… para isso, o Conselho Nacional de Justiça é muito bom. Foi uma grande novidade. Como disse um ex-colega meu aqui, ministro Carlos Britto, o Conselho Nacional de Justiça veio para expor as vísceras do Poder Judiciário brasileiro, e é isso o que ele vem fazendo.
Jornalista – Mas quais as reformas que precisam ser feitas?
Olha, são algumas muito simples. Fazer um sistema de justiça penal mais consequente. Acabar com essas regras, por exemplo, de prescrição absurdas. Eu conheço vários países em que só há uma forma de prescrição. E ela é contada não no curso do processo, mas antes. Ou seja: se o Estado não tiver condições de apresentar uma ação penal contra alguém que é acusado até, digamos, cinco anos, aí o Estado não tem mais direito. Eu acho perfeito esse tipo de prescrição. Mas não, aqui no Brasil foram inventando mecanismos ao longo dos anos. O próprio Judiciário! Foram se criando mecanismos para, no meio do processo, ocorrer a prescrição. Então basta que um juiz engavete um processo contra uma determinada pessoa durante cinco, seis anos… e esqueça daquele processo. Quando ele se lembrar, já estará prescrito.
Jornalista – Por outro lado, não se pode fazer com que a Justiça seja mais célere, com que esses juízes não possam engavetar, por exemplo?
Foi o que eu disse. O Conselho Nacional de Justiça é o órgão que estabelece metas de cumprimento… Eu lembro que há dois ou três anos foram estabelecidas várias metas e boa parte dos tribunais cumpriram as metas. Antes, não existia nada disso. E, por outro lado, ele tem o poder de punir. De investigar e punir práticas incorretas no meio do Judiciário.
Jornalista – Além dos casos das prescrições, teria alguma outra causa sistêmica?
Tem sim.
Jornalista – Quais são os pontos principais que precisavam reformar?
Uma reforma de mentalidades também eu acho que seria muito boa. Uma reforma de mentalidades da parte dos juristas.
Jornalista – Mas isso não vai obrigar os juízes a cumprir prazos e essas coisas…
Veja bem. Vocês que já moram aqui no Brasil há algum tempo, vocês podem perceber: as carreiras jurídicas são muito parecidas. Por exemplo, as carreiras de um juiz ou de um procurador ou promotor de Justiça são muito próximas. Os concursos são os mesmos, a remuneração é a mesma, o pessoal quase todo sai das mesmas escolas. Uma vez que se ingresse em uma dessas carreiras, as mentalidades são absolutamente díspares. Uma é mais conservadora, pró status quo, pró-impunidade. E a outra rebelde, contra status quo, com pouquíssimas exceções. Então, há um problema, não apenas sistêmico, mas orgânico dentro da própria instituição judiciária. Nesse plano de mentalidades, eu estou dizendo.
Jornalista – Mas a dúvida fica: como se corrige mentalidades?
Se corrige com esclarecimento, com isso aí que o Conselho Nacional de Justiça faz. Nós temos vários (painéis) em diversos assuntos relacionados a direitos fundamentais, prisões, direito à saúde etc. etc., e o Conselho tem grupos de trabalho que rodam o Brasil esclarecendo, instigando os Judiciários locais e Federal sobre os mais diversos assuntos.
Jornalista – Até que ponto isso tudo, e o Poder Judiciário em especial, tem a ver, tem responsabilidade sobre o que acontece no sistema penitenciário brasileiro?
Tem um pouco. Não é o Poder Judiciário o responsável primeiro. Por quê? Quem constrói as prisões, quem tem o poder para construir, para manter as prisões, não é o Judiciário. É o Poder Executivo. Em geral, o Poder Executivo não dá a mínima. Não dá a menor atenção. Os governantes brasileiros não dão importância a esse fenômeno tão nosso que é esse sistema prisional caótico. Mas o Poder Judiciário também tem uma parcela de culpa porque há muitos juízes de execução penal que são puramente burocráticos. Eles têm a responsabilidade para supervisionar a execução da pena, mas ficam em seus gabinetes. Eles não vão lá saber, ver a situação concreta das prisões. Apenas tomam decisões puramente formais ao passo que o mundo das prisões é aquele inferno que muitas vezes eles nem procuram saber de que se trata.
Jornalista – A ONU tem criticado muito o sistema prisional brasileiro. São compatíveis as críticas?
Sim, claro! O sistema prisional brasileiro é caótico. Agora isso no Brasil, infelizmente, é utilizado para afrouxar ainda mais o sistema penal. O que eu acho um absurdo. Não há sistema penal em países com o mesmo nível de desenvolvimento do Brasil tão frouxo, que opere tanto pró-impunidade. Há um desequilíbrio do discurso aqui no Brasil. Há todo um discurso garantista – você que cobre o tribunal sabe muito bem –, um discurso garantista que domina a mídia: a grande mídia e a mídia especializada. E esse discurso garantista é inteiramente pró-impunidade, embora com uma outra roupagem, com um outro discurso. E há a situação concreta do sistema prisional. Que precisa, sim, se melhorado. É preciso dar condições dignas às pessoas que cumprem penas de prisão, mas o alvo desse discurso garantista não é exclusivamente essas pessoas que já estão lá no sistema criminal. O alvo é não permitir que certas classes de pessoas entrem nesse sistema.
Jornalista – Ministro, eu fiquei curioso. Como é que o senhor pode dar um exemplo mais prático desse discurso garantista na grande mídia?
Dou um exemplo! Vários! Durante o julgamento da AP 470, houve um determinado momento… Houve um jornal que fez um editorial pra dizer que as penas que estavam sendo aplicadas eram absurdas, que eram medievais, que não se deveria colocar pessoas desse nível em prisão. Seria melhor aplicar-lhes penas pecuniárias. Como se o Supremo Tribunal Federal tivesse poder para, no meio de um processo, deixar de aplicar as penas que estão previstas na lei. E isso foi dito num editorial de um grande jornal brasileiro contra o Supremo Tribunal Federal. Agora, consultem qualquer especialista sobre as penas que foram aplicadas neste processo e vocês chegarão à seguinte conclusão: as penas foram baixíssimas. Houve casos dum sujeito que – não vou citar nome, mas (acusado por) corrupção, na casa de milhões – levou uma pena de dois anos, dois anos e pouco.
Jornalista – Agora, a AP 470 mostrou que existe uma falha também no sistema semiaberto. O senhor acha que isso pode ser modificado, dada essa visibilidade?
Olha, eu já recebi aqui uns dois governadores que… governadores, ministro da Justiça já veio falar aqui comigo umas duas ou três vezes para dizer que estão trabalhando nisso, que há dinheiro, inclusive, do governo federal para ajudar o estado na construção dos equipamentos que são próprios para o sistema semiaberto. Só que isso leva tempo. A gente conhece a burocracia brasileira, a lentidão para que as coisas aconteçam.
Jornalista – O senhor disse anteriormente que o senhor vai determinar os locais. O senhor não vai deixar que outro juiz faça essa determinação de onde vai cumprir pena.
Sim, a execução vai ficar aqui comigo.
Jornalista – Ministro, gostaria de mudar um pouco o foco para perguntar sobre um caso que chama-se de incidência sobre o lucro que tem a ver com empresas brasileiras que têm subsidiárias no exterior e poderiam ou não ser tributadas pelo lucro que percebem lá no exterior.
A questão das coligadas, não é?
Jornalista – Isto. Tem implicações para a Vale e outras empresas. Primeiro, se o senhor tem um cronograma de quando podemos esperar uma solução para este caso, se já tem algumas conclusões preliminares e se essa decisão é obrigatória para outros tribunais de segunda instância?
O problema é o seguinte: eu estou com uma pequena dificuldade técnica com este caso. Nós temos um caso que começou já há cerca de seis anos. Vários votos já foram proferidos, só que os juízes que começaram esse caso, já nem estão mais aqui na Corte. Então, vai ser muito difícil conseguir, naquele caso que começou há seis anos, ter uma decisão coerente, que possa se aplicar ao restante do sistema judiciário. Nós temos um outro caso, mas que não se encaixa muito bem nos parâmetros daquele anterior. Mas este caso que está em julgamento, vamos concluí-lo ainda este semestre. Eu já o coloquei em pauta uma vez, mas houve algum problema e não deu para julgar. Mas este primeiro caso aí, assim que eu aliviar um pouco essas pautas prioritárias que tenho aqui, vou voltar a trazer temas de Direito Tributário. Inclusive esse aí, que é um tema muito importante.
Jornalista – Que é sobre a Vale, não é?
Não é sobre a Vale. Ele se aplica a toda essa realidade que temos hoje no Brasil, que é ter várias empresas atuando em várias partes do mundo.
Jornalista – Eles vão ter que pagar imposto?
Não sei. Não sei qual vai ser a decisão. Eu me lembro bem que este caso, o primeiro caso, o que se discute é se, uma empresa brasileira que tem sede aqui no Brasil, o lucro que ela obtém lá fora ela tem que declarar no mesmo ano fiscal ou se ela pode segurar esse lucro lá e investir e pagar não sei quando. É essa a discussão. Mas esse problema das coligadas não se limita a isso. Há uma série de outros problemas fiscais que devem ser debatidos nesse caso.
Jornalista – O senhor não sabe qual é a decisão, mas a gente pode saber qual é a sua posição?
Não, eu não costumo dizer qual é a minha posição sobre nenhum caso antes de proferir a decisão.
Jornalista – Ministro, voltando a outro assunto. O senhor percebe maior cobrança do público em geral sobre a Justiça no Brasil? Está encorajado com isso, acha que tem mais para fazer?
Eu creio que sim. Nos últimos anos, no Brasil… Em primeiro lugar, o Poder Judiciário entrou na cena política de vez. A própria competência que o STF tem da Constituição já faz com que ele atue na cena política. Mas o que houve de fato foi uma aproximação muito grande do Judiciário com a sociedade como um todo. Especialmente depois da criação dessa TV Justiça, que as pessoas assistem aos debates, se inteiram, bem ou mal, veem como funciona a coisa aqui. O interesse cresceu muito. Além do mais, o Brasil é o país que tem, per capita, o maior número de faculdades de Direito. Todo mundo estuda Direito neste país. Então o interesse é muito grande.
Jornalista – Falando nessa popularidade do Poder Judiciário e na própria do senhor, com certeza vai declarar que não tem interesse nenhum em ser presidente…
Eu não tenho interesse, eu não tenho phisique du rôle.
Jornalista – Mas máscara de Carnaval tinha… Mas essa não é a pergunta. Eu queria um parecer do ministro sobre este impacto. O que está dizendo a sociedade brasileira quando o senhor é tão popular no Carnaval?
Eu acho, a minha opinião pessoal, é que é um fenômeno que está ocorrendo em outros países, certamente. A sociedade está cansada dos políticos tradicionais, dos políticos profissionais. Essa é a leitura que eu faço.
Jornalista – O senhor mencionou a pauta extensa da Corte. E tem uma pauta de 10 mil casos…
Não, aqui no plenário não.
Jornalista – E quanto tem? Esse volume é difícil de trabalhar?
Primeiro, deixe eu lhe explicar qual é a organização da corte. O STF compõe-se de 11 ministros, mas ele tem duas turmas, duas câmaras de julgamento, primeira e segunda câmara. Eu diria que 85% a 90% de todos esses processos, 60 mil atualmente, são julgados inicialmente pelos ministros, monocraticamente, como se diz, com possibilidade de recurso para uma das câmaras, ou são julgados diretamente por uma dessas câmaras. Os demais processos, ou são da competência do presidente ou do plenário. O plenário tinha, quando cheguei aqui na presidência, cerca de 700, 800, eu não sei qual é o número – não sei se vocês têm como conseguir –, mas deve estar entre 600 e 700 processos. É um número muito elevado em razão do modo de trabalho do plenário. Vocês já viram, é muito lento. Um estilo e uma forma de julgamento que é muito pesada, que tem um ritual pesado. Dou um exemplo: ontem, nós tínhamos uma pauta com oito, nove processos divididos em dois, três blocos de três, quatro cada um. Nós julgamos dois processos apenas e ficamos até oito da noite para decidir um único caso, que nem era um julgamento final, era o julgamento de uma liminar, mas com uma carga política muito pesada. Então, como o tribunal, sempre, com muita frequência, tem esses casos com carga política muito grande, eles vão contribuindo para que a pauta vá aumentando, aumentando, aumentando e o tribunal não dê conta de diminuir esse load de processos. Mas eu diria que o modo de trabalho é, sem dúvida nenhuma, a causa principal para a lentidão no processo de julgamento do Plenário. Nas turmas se julga muito rápido.
Jornalista – Então precisa se reduzir esse número de processos ou mudar a forma de trabalhar?
As duas coisas. Olha, este ano, não sei se já perceberam, quem cobre aqui o tribunal, tem havido menos discussões no plenário. Por exemplo, vários ministros se puseram de acordo no sentido de que, quando ele estiver de acordo com o relator, ele vai proferir um voto muito rápido, de dez minutos, no máximo, concordando. Antigamente, não. O sujeito para concordar ficava uma hora, uma hora e meia.
Jornalista – E para discordar?
Para discordar, duas, três…
Jornalista – Esse procedimento mais ágil, é possível surgir em norma?
Pode ser. Eu espero que sim. Por enquanto é algo consensual e tem funcionado bem este ano.
Jornalista – Mas é viável julgar esses 600, 700 por ano?
É viável, sim. Por ano? Por ano, não. Eu acredito que em uns três anos daria. Quando eu ingressei aqui no Supremo, há uns 10 anos, o load era de uns 400 processos aqui no Plenário e foi aumentando, aumentando e chegou perto de mil.
Jornalista – Mas isso acaba gerando uma lentidão no sistema? Estamos esperando o Supremo julgar alguma coisa…
Sim. Provoca lentidão aqui, evidentemente. Os processos ficam aqui, às vezes durante anos, à espera de julgamento. E provoca lentidão também nos outros tribunais, porque o que se julga aqui repercute imediatamente nos outros tribunais. Eu acredito que é também uma questão de estilo. Se for imposta uma certa dinâmica no julgamento é possível acelerar bastante. E, por outro lado, o tribunal tem uma sensibilidade para, em determinados casos, não obedecer a uma ordem de chegada e julgar imediatamente aquilo que é muito relevante. Eu já participei aqui de julgamentos de ações diretas de inconstitucionalidade em que a coisa se resolveu em 20 dias, uma questão nacional de extrema importância, o relator imprimiu um ritmo super-rápido e falou com o presidente. O presidente teve sensibilidade, colocou em pauta e resolveu o caso em 20 dias.
Jornalista – Mas vocês acabam tendo uma redundância nesses processos que chegam? “Ah, já julgamos isso”…
Ah, sim. Há muita redundância. Agora o tribunal é muito bem documentado. Isso aqui é um tribunal de 120 anos, com uma jurisprudência consolidada. Sobre quase todos os assuntos aqui tem precedentes. Isso ajuda. Raramente se começa do zero. Raramente.
Jornalista – Tem alguma coisa para se reduzir o que está chegado lá nos outros tribunais?
Sim, foi feita uma emenda constitucional em 2004, a emenda 45, que criou a repercussão geral. A repercussão geral já reduziu mais de 40% o número de processos aqui do Supremo.
Jornalista – Tem o número de processos que chega a cada ano no plenário?
Ao plenário? Eu posso te dizer 10 anos atrás. Houve um período em que cada ministro recebia 1.500 por mês. Hoje, acredito que esteja aí em torno de 300, 400. Mas aí que está: como o tribunal tem uma memória, tem documentação vasta sobre os mais diversos assuntos, não é difícil você receber 300 processos e julgar 500 em um mês. Não é difícil. Eu dou o meu exemplo pessoal. Sete anos, sete anos e meio que eu tenho aí essa AP 470 nas minhas costas. Essa AP 470 me levou a… diversas vezes eu tive que para vários meses para cuidar só dela, ao mesmo tempo em que chegavam mais mil, mais mil no mês seguinte. Houve um momento em que eu tive 17 mil processos no meu gabinete. Eu deixei o gabinete agora em dezembro com menos de oito. Consegui baixar para oito em menos de quatro anos. É muita coisa, mas saiu muita coisa também.
Jornalista – Oito mil?
É, eu deixei o gabinete com menos de oito. Evidente que cada ministro tem que ter a sensibilidade para dentro de uma massa tão grande de processos como essa, escolher o que é relevante. Se você não pode julgar tudo, julgue o que é relevante.
Jornalista – Ministro, tem havido um processo de judicialização da política, no sentido que o Supremo acaba sendo uma espécie de árbitro da disputa política de alto nível. Qual é a sua visão? Como isso afeta o sistema de Justiça? O senhor considera isso inevitável? Prejudica o sistema de Justiça?
Não, pelo contrário. Eu acho que o trabalho desenvolvido por este tribunal aqui só faz aperfeiçoar o sistema de Justiça. Imagine o que seria o sistema político brasileiro se não houvesse esse tribunal. Imaginem se todas as decisões cruciais de nosso país fossem tomadas mesmo pelo Congresso Nacional. O caso de ontem (vetos) é muito ilustrativo, é bem ilustrativo. No sistema presidencial de governo sob o qual nós vivemos, o instituto do veto é crucial. O presidente da República exerce o direito de veto. Ele veta a legislação, muitas vezes legislação inconstitucional, legislação que não é do interesse nacional ou legislação maluca votada no Congresso. Ele veta. Mas o Congresso tem o poder de rever esse veto, derrubar esse veto. Só que o nosso Congresso não faz isso. Não faz há 13 anos.
Jornalista – Como fica esse assunto sobre os vetos? A decisão de ontem foi a palavra final?
Não, a decisão de ontem foi uma decisão preliminar. Eu diria que foi uma decisão de alerta ao Congresso. A leitura que eu faço é essa. O Supremo cassou uma liminar porque liminar não é a maneira correta, o meio apropriado para se tratar de uma questão tão relevante como essa das relações entre o Poder Legislativo e Poder Executivo. Mas, no julgamento final, vamos ver qual vai ser o resultado.
Jornalista – Agora ontem a maioria dos ministros se manifestou dizendo que o que o Congresso tem feito é inconstitucional. Isso ficou bastante claro.
Barbosa – Muitos se manifestaram nesse sentido. Mas aí que está, a dificuldade é que… Vejam as circunstâncias em que a liminar foi tomada. A própria liminar é muito delicada. Eu jamais, em quase 10 anos, jamais dei uma liminar dessa natureza, uma liminar que paralisa os trabalhos do Congresso. É muito grave. Então a decisão pode ser lida por essa ótica, a da fragilidade do instrumento processual que foi utilizado. Ela não é a palavra final do Supremo.
Jornalista – Esse caso surgiu por causa dos royalties. Se isso termina no Supremo… O governo entende que não afeta novas licitações de petróleo. É a interpretação do senhor também ou isso gera novas questões jurídicas?
Eu acho que não interfere em nada não, não interfere nas próximas licitações. Esse caso dos vetos, para mim, é a expressão da fragilidade de um setor do sistema político brasileiro, do Poder Legislativo. O que se vê no Congresso é a incapacidade de tomar decisões que são próprias de qualquer Legislativo. No Legislativo brasileiro, por uma tradição que se fortaleceu muito durante o regime militar, e também por força da fragilidade da oposição dentro do Parlamento, há essa dificuldade de se tomar decisões que exijam um quórum mais qualificado, como a derrubada de um veto. Acredito que não haja uma maioria no Congresso para derrubar um veto presidencial.
Jornalista – Podia definir o que é um político profissional?
É muito simples: nós temos parlamentares aí que estão há 30, 40 anos no Congresso ininterruptamente. E aqui ninguém jamais pensou em estabelecer turn limits.
Jornalista – O senhor vê com simpatia essa proposta dessa força que a ministra Marina Silva apresenta, de limitar inclusive os parlamentares, esse grupo que se pretende criar à reeleição a apenas uma vez?
Eu acredito que isso virá parar aqui, e o Supremo dará ganho de causa à pessoa que queira ter mais de dois mandatos. Não vejo a menor chance.
Jornalista – Convido para pular de tema. Mês passado a Corte Interamericana de Direitos Humanos acolheu a causa apresentada pela família Herzog e mais uma vez questionou a Lei da Anistia no Brasil. Não é o primeiro caso. Aconteceu já no caso do Araguaia. A família de Herzog falou que acham que isso é um novo passo a favor, e pode fortalecer aqueles que questionam a Lei da Anistia. Agora eu pergunto: nos países onde houve ditadura na América do Sul – Uruguai, Chile, Argentina – as leis militares sobre violações de direitos humanos foram abolidas. Primeira pergunta: acha que esta posição da Corte Interamericana pode sensibilizar o STF para revisá-la? Segunda pergunta: por que a diferença do Brasil com os outros países?
Olha, eu não conseguiria estabelecer essa diferença entre o Brasil e os outros países, mas com relação a uma possível modificação do conteúdo da decisão é possível que sim, porque esse tribunal aqui, a sua composição muda com muita frequência. Veja bem: eu mesmo não participei dessa decisão sobre a Lei da Anistia. E provavelmente aqui, hoje, já haja uns quatro ministros que não participaram. Imagine daqui a quatro anos. Quase uma maioria absoluta do tribunal não terá participado dessa decisão. Ou seja, teoricamente é possível. Agora, eu não estou dizendo que isso vai acontecer.
Jornalista – Mas essa, digamos assim, expectativa sua não fecha completamente a possibilidade de a Lei da Anistia ser abolida?
Num espaço de tempo muito curto, não. O que eu disse é que, no plano judicial, aqui nesta Suprema Corte, é possível sim que – sei lá – a médio prazo, alguma decisão que não necessariamente incida sobre a Lei da Anistia, mas que tenha incidência sobre o que dispõe essa Lei de Anistia pode mudar, sim, o conteúdo daquilo que foi decidido há três anos. As coisas são muito dinâmicas aqui.
Jornalista – Este raciocínio do senhor se aplica a vários temas, não só à anistia. O senhor não está querendo dizer que esse assunto vai ser reaberto?
Não estou querendo dizer. Aliás, eu disse que estava especulando e dando como exemplo dessa possibilidade a mudança na composição da corte.
Jornalista – Mas o que é preciso para que isso seja feito, para que o tribunal possa reabrir?
Não, eu não estou dizendo que o tribunal vai abrir, ou pode abrir imediatamente.
Jornalista – O que é preciso para essa possibilidade? O que teria que ser feito?
Eu disse que uma possibilidade é a mudança da composição, mas que não significa… Vou deixar muito claro: eu não estou dizendo que alguém vai rever aquela decisão que foi tomada em 2010. Mas como os temas que são decididos aqui são tão vastos que não me surpreenderia se, num outro processo, tópicos especiais, importantes daquela decisão venham a ser modificados. Isso é muito comum aqui.
Jornalista – O senhor falou que não acha que tenha diferença com os outros países, mas num ponto…
Eu não sei dizer o que leva a essa diferença entre Brasil e os países vizinhos. Eu não saberia dizer.
Jornalista – O senhor tem opinião formada sobre a necessidade ou não de militares, ou responsáveis por violações de direitos humanos, serem julgados e irem para a cadeia?
Necessidade de serem julgados?
Jornalista – Se tem opinião sobre o que significa que um repressor não tenha ido para a cadeia…
Minha opinião pessoal é de que devem, sim, responder. Mas, como eu disse, eu não participei do julgamento. E, se tivesse participado, não alteraria em nada, porque foi um julgamento de sete a dois. Não participei por razões de saúde, eu estava afastado.
Jornalista – Eu queria colocar uma coisa para um colega que está escrevendo sobre o Supremo. Ele queria uma pergunta mais leve: o sistema de julgamento é aberto e sai na televisão e tudo mais, e isso tem gerado uma louvação de algumas pessoas, que dizem que é uma boa coisa aqui no Brasil. Mas tem essa questão do decoro, às vezes sai uma briga ou outra entre os ministros. Isso é uma coisa particular ao sistema, isso vai continuar, esse tipo de bate-boca dentro do tribunal?
O senhor é americano?
Jornalista – Sou, e lá não tem muito isso…
Vocês só não ficam sabendo (risos). Mas é igualzinho aqui.
Jornalista – Mas aqui sai na televisão…
Leia o livro Nine scorpions in a bottle… (risos)… Somos todos humanos.
Jornalista – O senhor espera que isso vá continuar, vai tentar diminuir?
Como eu disse, está tudo muito calmo, até agora.
Jornalista – Mas vem aí o mensalão mineiro…
É, a vida política brasileira é bem rica…
Jornalista – Então isso depende de quem está dirigindo a corte no momento?
Não. Eu creio que o tipo de caso que está em julgamento influencia. Vocês se lembram que na AP 470 houve momentos de muita tensão, muita tensão. E o que não falta aqui é tensão nos julgamentos. Porque é uma corte que… Eu costumo dizer em palestras que isso aqui não é só um tribunal, né? Isso aqui é um órgão de equilíbrio, de ajustes da federação, do sistema político, que decide muitas coisas de interesse imediato da sociedade. Então não é uma corte de justiça comum, é um órgão político no significado essencial da palavra, de igual para igual com o Congresso Nacional e a Presidência da República. É isso que muita gente não entende, sobretudo os europeus.
Jornalista – O senhor acha que o mensalão realmente mudou esse equilíbrio?
Sinaliza, pelo menos. Sinaliza, tenho certeza que muitos juízes aí pelos estados se sentiram muito mais encorajados e incentivados a tomar decisões que até então não tomavam.