Anestesiada pelo espetáculo televisivo das CPIs, a mídia brasileira não deu a menor bola para a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que tornou prescritos os delitos supostamente cometidos pelo deputado federal e ex-governador do Pará Jader Barbalho (PMDB). O inquérito em questão se refere ao escândalo do Banpará (Banco do Estado do Pará). As falcatruas de Jader com o dinheiro do banco bateram na casa dos R$ 12,5 milhões.
Da denúncia encaminhada ao STF, assinada pelo ex-procurador-geral da República Claudio Fonteles, consta um relatório do Banco Central para comprovar o desvio de dez cheques administrativos do Banpará para aplicações em títulos de renda fixa por Jader Barbalho no Banco Itaú, agência Jardim Botânico, no Rio de Janeiro. Fonteles cita os números dos cheques e as datas das aplicações.
Fonteles também anexou ofício enviado ao ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga, assinado pela ex-diretora de Fiscalização do BC Tereza Grossi e pelo então procurador-geral, José Coelho, revelando que Jader Barbalho, sua ex-mulher Elcione Barbalho, hoje vereadora em Belém, e outras pessoas ligadas à família Barbalho, foram beneficiados com R$ 12.541.162,78, sacados do fundo de aplicação do Itaú, no Rio de Janeiro, entre 1984 e 1988.
Jader Barbalho, que foi ministro da Reforma Agrária e da Previdência Social no governo José Sarney (1985-1990) e presidente do Congresso Nacional (renunciou ao cargo para não ser cassado por corrupção), é acusado de apropriação de dinheiro público do Banpará quando era governador do Pará. O caso foi levado para o STF porque Jader é parlamentar federal e tem foro privilegiado.
Vinte anos depois, vimos os relatores das CPIs dos Correios e do Mensalão, Osmar Serraglio (PMDB-SC) e Ibrahim Abi-Ackel (PP-MG), respectivamente, apresentarem relatórios pedindo a cassação de 18 parlamentares. E deputados, como José Dirceu (PT-SP), antecipam que recorrerão ao STF contra possível cassação de seu mandato.
Esse mesmo Supremo Tribunal Federal que, na semana passada, concedeu habeas-corpus para pôr em liberdade o empresário Norberto Mânica, acusado de ser o mandante do assassinato de três auditores fiscais do trabalho – Erastótenes de Almeida Gonsalves, João Batista Soares Lage e Nelson José da Silva – e do motorista do Ministério do Trabalho que os acompanhava, Ailton Pereira de Oliveira. O crime ocorreu no dia 28 de janeiro de 2004, próximo à cidade de Unaí (MG), onde os fiscais realizavam ações de fiscalização contra o trabalho escravo nas fazendas da região. Nessa, a mídia brasileira também comeu mosca.
Jader Barbalho é um deputado federal ausente do plenário, mas é do PMDB governista e tornou-se aliado preferencial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Tanto que patrocinou mudança de peso no segundo escalão da República. Com a saída de Roberto Salmeron da presidência das Centrais Elétricas do Norte do Brasil (Eletronorte), indicado pelo deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ), entrou Carlos Nascimento, diretor da Terraplena, empresa de lixo que trabalha para o prefeito do município de Ananindeua (PA), Helder Barbalho, coincidentemente o herdeiro político de Jader. Isso é o que se chama blindar uma estatal contra a corrupção.
O caso de Jader Barbalho é exemplar e abre um precedente perigoso: assaltantes de banco, a partir de agora, com bons advogados, podem exigir na Justiça isonomia de tratamento.
* Ronaldo Brasiliense, jornalista paraense, foi chefe da sucursal da Veja na Amazônia, repórter especial do Jornal do Brasil, O Estado de São Paulo e IstoÉ e colunista do Correio Braziliense. Ganhou o Prêmio Esso em 1998 e 2003.