Por Henrique Fróes
O réveillon é um ritual marcado pelo signo da esperança. A chegada de um novo ano traz consigo a promessa de que o futuro nos reserva nada mais do que boas surpresas. Ganhamos nesse dia o direito de fantasiar com um mundo inexplicavelmente melhor, embalados pela luz dos fogos de artificio e inebriados pelas taças de champanhe.
Nada mais humano que essa crença em dias melhores: eis o que nos lembra o mito de Prometeu tal como representado na tragédia de Ésquilo. O titã que rouba o fogo dos deuses para restituí-lo à raça humana também é o responsável por nos fornecer um remédio contra o desespero. Diz Prometeu em diálogo com o coro, na tradução de José Pedro Serra:
– Fiz com que os homens deixassem de olhar a morte de frente.
– Que remédio encontraste para este mal?
– Enraizei neles cegas esperanças.
O texto da tragédia destaca de forma notável o caráter ambíguo da esperança. Ela nos é imprescindível na tarefa de desviarmos o olhar da presença inescapável da nossa própria finitude. Sem esse esquecimento, não teríamos forças para continuar seguindo em frente.
Ao mesmo tempo, a esperança surge como algo enganador, ilusório, que nos impossibilita enxergar a verdade de nossa condição. Se tivéssemos a consciência constante da morte seríamos obrigados a repensar todo o nosso modo de viver, tudo o que é realmente importante para nós. Assim, temos o direito de perguntar: a esperança é realmente um bem ou um mal para a humanidade?
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No fundo da caixa de Pandora
Vejamos como o tema da esperança aparece em outro mito grego: o de Pandora. Forjada pelos deuses para servir de vingança ao roubo do fogo de Prometeu, ela é dada de presente ao irmão desse, Epimeteu. Pandora será responsável por abrir o jarro que continha todos os males que passaram a afligir os seres humanos. Mas, na versão do mito contada por Hesíodo em O trabalho e os dias, Pandora fecha a tampa antes que a esperança pudesse sair, restando sozinha dentro dele.
A interpretação dessa passagem do mito desperta polêmicas até hoje, mas, de acordo com a interpretação do classicista Hermann Fränkel, a tentativa de antecipar eventos imprevisíveis é um elemento crucial da estrutura humana, tendo em vista os males a que ele está sujeito no decorrer da vida e que foram espalhados pela abertura do jarro.
O que caracteriza, no entanto, essa esperança – entendida como essa tentativa de antecipação – é o fato de que ela nunca se realiza, ou seja, nunca se mostra por inteira: é por isso que, na imagem do mito, ela se mantém escondida dentro do vaso.
Assim, a esperança só se renova a cada ano pelo fato mesmo dela nunca se realizar. A cada virada, desejamos mais saúde, sucesso, paz e felicidade, mesmo sabendo, lá no fundo, que o ano que se inicia será, provavelmente, tão ou mais penoso que aquele que se passou. Mas é o próprio fato de nos esquecermos disso que faz com que tenhamos força para encarar de forma otimista o que está por vir. Sejamos, pois, esperançosos, até porque não teríamos como não o sê-lo.
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