Fernando Brettas *
Mensalão, corrupção, sanguessugas, vampiros, CPIs, caos aéreo, leite adulterado, propinas, lobistas bancando despesas de autoridades, toma-lá-dá-cá como espinha dorsal da relação Executivo-Legislativo, Conselho de Ética (sic), Justiça que concede liberdade a criminosos e colabora indiretamente para a impunidade, dengue, superfaturamento de obras, greves do serviço público, valerioduto…
Esses assuntos foram coletados ao longo de apenas uma semana de leitura de sites e também de jornais e revistas de circulação nacional. Em comum entre eles, o fato de todas as matérias trazerem a palavra “Brasília”.
Menos de 5% da população brasileira já visitou a capital federal. Ou seja, mais de 90% dos brasileiros só conhecem a Brasília retratada pelos meios de comunicação, que trazem diariamente notícias como as mencionadas acima, induzindo a opinião pública a formar uma imagem negativa da cidade. A julgar pelo noticiário, o brasileiro não tem nenhum motivo para se orgulhar da capital de seu país.
Poucos se dão conta de que Brasília não é a culpada pelas mazelas que nela se praticam. A cidade foi criada para abrigar o núcleo político-administrativo nacional, representando um conjunto do que é o Brasil, seus representantes, diferentes sotaques, manifestações culturais e de pensamento. Se esse núcleo apresenta imperfeições, em nada contribui para isso o local em que se situa. Tanto que quando esteve alojado no Rio de Janeiro ou na Bahia, seu desempenho foi eivado de ocorrências tão questionáveis e lamentáveis como as de hoje. Ou alguém é ingênuo a ponto de imaginar que a corrupção e outros desvios no serviço público começaram no país em abril de 1960, com a inauguração de Brasília?
Na verdade, “o conjunto do que é o Brasil”, aí incluído o elenco de parlamentares que os eleitores de todas as partes do país mandam para cá, é que desagrada aos brasileiros. Não a cidade de Brasília, que, em 47 anos, cresceu e se desenvolveu e é uma das melhores para se viver no Brasil. Uma cidade que reúne uma maioria de pessoas honestas, trabalhadoras e também indignadas ao verem manchada a imagem da sua terra, da “capital de todos os brasileiros”. Claro que ela tem seus defeitos, tem seus corruptos, mas isso todas as cidades os têm. Só que Brasília paga um preço mais alto por ser a capital federal.
A cidade carrega o estigma de dar guarida à roubalheira, às mazelas, às maracutaias, e os brasilienses – as gerações que aqui nasceram e os originários de outras regiões que constituíram família e desenvolveram suas carreiras profissionais neste pedaço do Brasil – acabam sendo co-responsabilizados pelos demais brasileiros.
É muito comum serem chamados de “marajás”, de “lobistas” (no mau sentido da palavra) ou serem questionados jocosamente sobre seu possível envolvimento em cada novo caso de corrupção revelado, além de ouvirem outros comentários desabonadores. São vítimas desse preconceito os padeiros, os jornalistas, os executivos, os pequenos empresários, enfim, um grande número de profissionais e cidadãos que, muitas vezes, não mantêm nenhuma relação direta ou indireta com o poder. Apenas vivem na cidade, ao contrário de muitos protagonistas de escândalos, que usam a capital como palco para suas negociatas, mas têm residência fixa em outros locais. Basta ver o exemplo de políticos mensaleiros, ora processados no Supremo Tribunal Federal, reeleitos com a benção dos mesmos brasileiros que atribuem a Brasília a raiz dos problemas nacionais.
Recuperar e valorizar a imagem do “conjunto do que é o Brasil” é o que os brasilienses pretendem com a mobilização da sociedade civil que será iniciada neste 7 de novembro, sem interferência de políticos ou entes governamentais. A campanha Brasília, meu amor é inspirada no movimento semelhante I love New York, que estabeleceu um marco na história daquela metrópole. Guarda algumas semelhanças com o projeto norte-americano, mas extrapola iniciativas como o Cansei e outros movimentos liderados pela população insatisfeita com esta ou aquela questão. Nossa campanha não se restringe a um período de duração, nem está orientada para a realização de protestos. Pelo contrário, quer trazer à tona discussões sobre o que é preciso fazer para a capital brasileira ser mais respeitada no contexto nacional.
Reside aí a grande força da campanha, que poderá gerar uma onda positiva para o Brasil. Ao mexer diretamente com conceitos que também vão despertar o patriotismo, queremos aflorar no brasileiro um sentimento mais intenso: que ele passe a enxergar com melhores olhos não apenas a capital, mas seu país como um todo. Por isso, os organizadores de Brasília, meu amor – entidades que representam setores produtivos – esperam contagiar outras cidades a fazerem o mesmo: promoverem manifestações, discutirem o futuro de suas regiões, identificarem o que está errado e proporem soluções, além de pressionarem os dirigentes públicos a tomarem atitudes que atendam aos anseios populares. Tanto é assim que a campanha terá sua fase inicial restrita a Brasília, mas, em seguida, ganhará espaço nas demais regiões. A indignação dos brasilienses pretende se transformar em motivo de orgulho de todos os brasileiros.
* Fernando Brettas, 45 anos, é presidente do Sindicato das Agências de Propaganda do Distrito Federal (Sinapro/DF) e um dos coordenadores da campanha “Brasília, meu amor”.
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