Alex Cavalcante Alves *
Desde a redemocratização do país, iniciativas legislativas ou administrativas vêm destacando a importância da participação social na Administração Pública como forma de consolidar e dar efetividade a políticas públicas. De envolver a população nos processos de tomada de decisão governamental, desenvolver o espírito cívico e, especialmente, permitir que o tomador de decisão possa conhecer a realidade das partes afetadas antes da realização da escolha governamental.
Apesar de usualmente associada pela opinião pública a governos de esquerda, a participação social não tem coloração partidária. No Brasil dos últimos trinta anos, governos das diferentes correntes políticas implementaram, em alguma medida, nas três esferas de governo e nos três Poderes, ações com vistas a promover a participação social. Independentemente de ideologia, a participação social é elemento basilar da gestão pública democrática: sejam adeptos do modelo de Estado de bem-estar social ou do Estado mínimo, governos democráticos exigem participação social na gestão. Os que dela podem prescindir são apenas os governos autoritários.
O orçamento participativo de prefeituras, os conselhos de consumidores e audiências públicas sobre modelo de reforma do Estado, as audiências públicas que antecedem a concessão de licenciamento ambiental, as ferramentas de “Fale Conosco” do Poder Legislativo, as Ouvidorias dos órgãos públicos, os conselhos de políticas públicas… São todos exemplos de participação social.
O Decreto nº 8.243, de 23 de maio de 2014, que instituiu a Política Nacional de Participação Social (PNPS) e o Sistema Nacional de Participação Social (SNPS), encontrou muita resistência de formadores de opinião e tecnocratas, que chegaram a enxergar naquele normativo elementos de remissão ao autoritarismo comunista, que poderia resultar na tomada de assalto de repartições públicas por “elementos” despreparados para a tomada de decisões técnicas. Interessante mencionar que o decreto não faz qualquer remissão a integrantes de partido A ou B, de militantes desta ou daquela corrente, mas sim faz referência a “representantes eleitos ou indicados pela sociedade civil”.
Enquanto a participação social for enxergada como nociva ou indesejável, e a atuação dos cidadãos ou seus representantes nos instrumentos de participação for desmerecida pela opinião pública, continuaremos a ter um grande afastamento entre as decisões governamentais e os reais anseios da sociedade. Com o consequente “analfabetismo” da população quanto às escolhas que necessitam ser feitas no âmbito da gestão e das políticas públicas.
A sensação do cidadão de que “há alguém, que não eu, com mais ‘capacidade técnica’ para se preocupar com isso” o faz não se preocupar se os recursos limitados de seu município devem ser investidos prioritariamente na reforma e ampliação de um hospital ou na melhoria do asfaltamento. A ausência de preocupação com a escolha gera a desconexão do cidadão com tais temas, o que certamente interessa a governantes e gestores públicos que tenham pouco apreço por accountability.
Algumas constatações estão disponíveis na consistente literatura sobre o assunto, como o fato de a área social, ligada diretamente ao dia a dia da população, ser mais permeável à participação social do que a área de infraestrutura, por exemplo. Estudiosos de porte já criticaram em suas falas a impermeabilidade à participação pública por parte de colegiados técnico-burocráticos da estrutura governamental. Qualquer que seja o ponto defendido, as análises constantes das obras sobre o assunto costumam apontar que, dos gabinetes de políticos ou gestores da máquina pública até as ruas, costuma haver uma expressiva distância, a qual a participação social tem grande capacidade de reduzir.
* Servidor e estudioso da Administração Pública, Alex Cavalcante Alves é coordenador do Movimento Gestão Pública Eficiente (MGPE) e autor do livro A recondução do servidor público: doutrina e jurisprudência à luz da Lei 8.112/1990 e da Constituição Federal.