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Além de não contar com os votos da base aliada, o governo terá de enfrentar a resistência da oposição, caso queira levar a proposta de reforma sindical adiante. Mais do que isso: terá de resistir às provocações pela incapacidade de gerar os 10 milhões de empregos prometidos pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva na campanha eleitoral de 2002. Ministro do Trabalho no governo Itamar Franco, o deputado Walter Barelli (PSDB-SP) critica a proposta de emenda constitucional (PEC) encaminhada pelo governo ao Congresso, após um ano de discussões no Fórum Nacional do Trabalho (FNT). Segundo Barelli, ao contrário do anunciado pelo Planalto, nunca houve consenso nas reuniões do colegiado composto por representantes das centrais sindicais, dos sindicatos patronais e do governo. “Se não tem consenso, o Congresso vai ter de obtê-lo de uma outra maneira. O debate democrático está começando agora no Congresso, já que, até agora, não o foi”, critica. Leia também Conhecedor há mais de 30 anos da estrutura dos sindicatos e das leis trabalhistas brasileiras, Barelli reconhece como “ambicioso” o projeto do governo. “A proposta tenta mudar coisas que estão muito arraigadas dentro do movimento sindical brasileiro. E, por outro lado, tenta criar coisas que não existem no sindicalismo mundial”, argumenta o ex-secretário de Trabalho dos governos Mário Covas e Geraldo Alckmin, em São Paulo. O PSDB pretende alterar, no mínimo, dois pontos da proposta, adverte o tucano: o que institui a contribuição negocial, espécie de imposto pago após votações em assembléias e que substitui o atual imposto sindical compulsório, e o que cria o sindicato derivado, um tipo de entidade que não precisa comprovar sua representatividade e que seria atrelado às centrais sindicais, confederações e federações, ou seja, uma entidade hierarquicamente superior. “Tudo isso é invenção. Para essas coisas, nós (do PSDB) certamente vamos apresentar emendas”, avisa o deputado, que chegou à Câmara há pouco mais de quatro meses, na condição de suplente. O deputado também critica o excesso na definição de normas da nova estrutura sindical. “Estamos criando uma CLS, a Consolidação das Leis Sindicais. O que a gente sempre dizia no movimento sindical é que ele (o movimento) foge de um problema criando uma lei. É daí que a gente tem uma legislação (trabalhista) tão extensa como a CLT”, diz. Apesar das críticas, Barelli enxerga avanços na proposta do governo, como os dispositivos que garantem a negociação obrigatória coletiva e a autonomia para que as centrais sindicais negociem diretamente com os sindicatos de bases. “Isso é a legalização de uma prática que já ocorre”, afirma o deputado, que foi diretor do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese) durante mais de duas décadas. Congresso em Foco – Qual a avaliação do senhor sobre a proposta de reforma sindical enviada pelo governo ao Congresso Nacional? Walter Barelli – É um projeto muito ambicioso, porque tenta mudar coisas que estão muito arraigadas dentro do movimento sindical brasileiro. E, por outro lado, tenta criar coisas que não existem no sindicalismo mundial: o modelo de sindicato e a contribuição negocial. O modelo de sindicato vai criar um tripartismo (ampliação dos poderes do estado para intervir na vida dos sindicatos). É criada também a contribuição negocial, que quer substituir o imposto (sindical), mas tem algumas características de imposto, depois de ser votada em assembléia. “Eu não concordo com alguns opositores que lêem que já está claro nesse projeto que vão passar por cima do direito dos trabalhadores. Não é bem isso, eu não leio assim” O senhor acredita que essa reforma vai tirar direitos dos trabalhadores, como sustentam os críticos? Eu não leio dessa maneira. Ela é apenas parte de um processo, para que depois seja discutida a reforma trabalhista. Dentro da reforma sindical, tem a questão da negociação coletiva. É nessa parte, no meu modo de ver, que está o ponto alto (da proposta), porque aí está se regulamentando uma prática que já vem sendo feita por sindicatos e empresas. A maioria já negocia da maneira que está sendo colocada. A questão dos direitos dos trabalhadores só vai ser tratada se houver reforma trabalhista. Eu não concordo com alguns opositores que lêem que já está claro nesse projeto que vão passar por cima do direito dos trabalhadores. Não é bem isso, eu não leio assim. A proposta dá poder para que as centrais sindicais negociem diretamente com uma determinada categoria. Caso o projeto seja aprovado, o senhor não acredita que a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e a Força Sindical poderão sair fortalecidas, em detrimento dos sindicatos de base? Eu acho que isso é a legalização de uma prática que já ocorre. As centrais sindicais são atores sociais fortíssimos, participam de várias atividades. Eu acho que é um legalismo querer que as centrais sindicais entrem na estrutura sindical da maneira vertical, como foi colocada: central, confederação, federação e sindicatos de base. Efetivamente, se você fizer uma negociação em que a central estabelece as regras, você está substituindo o sindicato de base, se ele não estiver participando da negociação. Não é a regra de hoje: as negociações nascem no sindicato de base, e a central influencia. Grandes teses nascem nas centrais, mas se não tiver sindicatos transmitindo essas grandes teses, elas não andam. Na prática, se vingar esse projeto que fortalece as centrais sindicais, isso é bom ou ruim para os trabalhadores brasileiros? Aí é que está. É não entender o processo. Eu acho que as centrais já negociam. Eu já vi muitas vezes o Marinho (Luiz Marinho, presidente da CUT) e o Paulinho (Paulo Pereira da Silva, presidente da Força Sindical) sentados às mesas de negociação, dizendo coisas para categorias que não são as (categorias) deles. Há um legalismo em dizer: “Não, eu é que vou fazer, eu sou o maior”. Tem isso. O modelo sindical brasileiro proposto dá às centrais a capacidade de trabalhar por dentro dos sindicatos, o que não é permitido na estrutura atual. Então, o senhor considera que não vai haver uma grande mudança na estrutura sindical brasileira, caso esse projeto seja aprovado? Acho que vai. Se aprovar do jeito que está, é legalismo. Eu não sei (o que vai acontecer) no futuro. Poderá degringolar. Só os trabalhadores é que poderão dizer. A reforma tem sido alvo de muitas críticas. Há, dentro da base governista, quem defenda um projeto alternativo, apresentado pelo deputado Sérgio Miranda (PCdoB-MG). Ao contrário da reforma enviada pelo governo, ele mantém a unicidade sindical e não prevê a instituição do imposto negocial, O que o senhor acha dessa proposta? Ainda estou estudando essa proposta. Não vou me manifestar ainda sobre ela. De todo modo, qual será o posicionamento do PSDB em relação à proposta do governo? A proposta tem coisas boas, mas tem invenções que não estão de acordo com a nossa cultura sindical, como o sindicato biônico, que eles chamam de sindicato derivado, e a contribuição negocial. Tudo isso é invenção. Para essas coisas, nós certamente vamos apresentar emendas. Da maneira como está, você está criando uma legislação extensa. O que nós queríamos era trabalhar com uma legislação enxuta, que não precisasse de regulamentações. Para não acontecer o mesmo que ocorreu com a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) ao longo dos anos… Estamos criando uma CLS, a Consolidação das Leis Sindicais. Não é bem o que eu penso, e também não é bem o que o PSDB pensa a respeito. O que a gente sempre dizia no movimento sindical é que ele (o movimento) foge de um problema criando uma lei. É daí que a gente tem uma legislação (trabalhista) tão extensa como a CLT. “O debate democrático está começando agora No caso, a proposta deverá ser aprofundada pelo Congresso? Eu acredito que vai haver muita dificuldade para que esse projeto ande. No dia 7 de abril, por exemplo, a Frente Nacional Contra a PEC 369/05 (da reforma sindical), esteve na Câmara. Ela foi organizada por um vice-presidente da CUT (Wagner Gomes). Ou seja, nem a CUT está a favor. No debate que foi feito entre a CUT e a Força Sindical, o Paulinho fez propostas de mudança nesse projeto. O governo entregou dizendo: “Isso é fruto de um grande consenso entre centrais sindicais, empresários e o governo”. Não ocorreu isso. Em todas as mesas das quais participamos – e foram quatro desde que o Ricardo Berzoini (atual ministro do Trabalho) apresentou a proposta –, nunca houve consenso entre os participantes. Se não tem consenso, o Congresso vai ter de obtê-lo de uma outra maneira. O debate democrático está começando agora no Congresso, já que, até agora, não o foi. O senhor vê perspectivas para que esse projeto seja aprovado ainda este ano? A única coisa que pode ser aprovada, se andar, é a tal da PEC, embora o Congresso esteja muito paralisado por conta das MPs. “O debate está apenas começando, e a reforma sindical E, se ficar para o ano que vem, esse projeto será aprovado, já que 2006 é um ano eleitoral? Não é bem isso. O Lula, quando foi eleito, disse que iria fazer a reforma sindical. Demorou três anos para que o projeto fosse enviado (ao Congresso Nacional). Agora, as pessoas que fizeram isso para ele apresentaram um projeto que não tem unanimidade. Então, vai ser muito difícil andar. É o que eu disse: o debate está apenas começando, e a reforma sindical só vai avançar se, dentro da Câmara, tivermos condição de fazer uma grande alternativa a isso que está aí. Até o momento, o governo não expôs os pontos que ele deseja alterar com a reforma trabalhista. O que o senhor vislumbra nesse sentido? É o moderno versus o antiquado. As leis são feitas estabelecendo questões já resolvidas entre as partes. Hoje, o que é que está acontecendo? Já passamos pela segunda revolução industrial, entrando numa era da comunicação. Mudaram muito as relações de trabalho. Uma reforma trabalhista é para trabalhar com esta realidade. Enquanto trabalhamos com uma realidade que era a do Brasil agrário, precisamos pensar o país para frente. Aí é que você tem de fazer a reforma trabalhista. E, na avaliação do senhor, quais são os pontos mais importantes para essa reforma trabalhista? A minha proposta é desonerar as folhas de pagamento sem mexer no direito do trabalhador, e encontrar outra maneira para cobrar os encargos sociais. Quem paga a previdência social, não é quem recolhe. Porque o industrial, o comerciante e o prestador de serviços, eles descarregam (os impostos) no preço do produto. Ao recolher a previdência no preço do produto, você, primeiro, desonera os pagamentos, dá um benefício fiscal de 35% para muitas empresas. Isso vai significar mais empregos. Você não precisa aumentar nenhum preço, porque a parcela da previdência já está na formação de custo de todos os produtos. Então, se você calibrar bem, não será preciso aumentar nenhum preço, porque mudou o sistema. E, com isso, você terá maior arrecadação, maior emprego. Isso que é importante para o país do jeito que ele está hoje. Estou trabalhando nisso, tenho propostas para apresentar no Congresso nessa direção. Para mim, reforma trabalhista é fazer leis que facilitem o emprego. Essa proposta já se tornou um projeto de lei? Não. Eu ainda estou trabalhando nela. Não é tão simples assim, principalmente porque tem uma parte que é sobre a questão de como calibrar os impostos. No passado, estava conversando com alguns conhecidos meus e fazendo os cálculos. Mas, com a mudança das equipes de governo (entre 2002 e 2003), esse era um pessoal que estava dentro do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e que hoje não está mais. Eu vou ter de criar condições para que esses cálculos sejam feitos, já que não tenho acesso a todos os números necessários. Eu tenho discutido isso com meus companheiros. O líder do partido (deputado Alberto Goldman) já conhece a proposta, algumas lideranças maiores do partido também. Está na linha daquilo que o PSDB pensa. O governo se vangloria de ter tido, no último ano, um bom resultado na economia. O senhor acredita que esse resultado tem se refletido na criação de postos de trabalho? Pouco, mas sim. Ainda se têm taxas de desempregos enormes. Foi neste governo que o desemprego cresceu até 20%. Então, é preciso recuperar muito emprego perdido no primeiro ano do governo Lula. “Da maneira como esse governo organiza a política Há possibilidade de se criar 10 milhões de empregos no país até 2006, uma das propostas de campanha de eleição de Lula? Da maneira como esse governo organiza a política econômica, de jeito nenhum. É possível se criar mais desemprego, do que mais emprego. |