A gastronomia é hoje um instrumento de aproximação entre os povos. O que a ideologia, a xenofobia e o ódio racial distanciam a culinária une. Difunde sabores e promove receitas que estreitam laços entre as culturas de territórios distintos. Assim, o risoto, a pizza e as massas “parlam” a língua italiana, mas são falados em idiomas de países distantes. Tornaram-se pratos globais.
Lembro das minhas primeiras viagens a Nova York, quando eu ficava fascinada com os estabelecimentos comerciais que mostravam as diversas raízes culinárias dos habitantes oriundos de países diversos. A chamada “Big Apple” é tão marcantemente cosmopolita que chega a ter restaurantes especializados em “northern italian cuisine”, a sofisticada cozinha italiana do norte. Em Londres, onde morei por um ano e meio, também são comuns feiras culinárias onde se celebra a “cozinha do mundo”. O grande exemplo são os mercados públicos, que já foram tema na coluna.
Mas a questão que quero salientar aqui sobre gastronomia e cultura culinária são as memórias afetivas trazidas junto com os pratos de nossas mães e avós. Eu gosto de assistir a programas sobre gastronomia na TV e todos os chefs e aspirantes a chef suspiram quando lembram da “receita” de suas mães/avós/tias. É também o conceito de “confort food”, que nos remete a momentos saborosos de nossa infância, quando temos as primeiras experiências de descobertas de novos sabores.
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As receitas e iguarias de outros idiomas culinários tornam-se embaixadoras de culturas e de costumes dos povos. A própria história da gastronomia imprime e incorpora vocabulários. Dizem que a palavra “bistrô”, os pequenos restaurantes familiares na França, vem do russo “býstro”, que significa “depressa”. A palavra seria pronunciada nos cabarés pelos cossacos sedentos que ocuparam Paris em 1814. Hoje o termo ganhou o mundo, como sinônimo de pequenos restaurantes de inspiração francesa.
As comidas típicas tornam-se símbolos de nacionalidade, assim como as bandeiras e as camisetas das seleções de futebol também “falam” pelas nações. O quibe sempre nos remete ao Líbano e à Síria, não importa onde esteja sendo degustado. A feijoada é, claro, verde-amarela, assim como a Quiche Lorraine “parlez français”.
Não dá para citar tudo aqui, mas as tortilhas costumam vir com as cores do México, a “paella” nos fala da Espanha, o bacalhau (e a sardinha também), remetem a Portugal. O sushi é japonês, assim como o hamburguer e o cachorro-quente (hot-dog!) são típicos dos Estados Unidos. O chucrute vem da Alemanha, o ceviche do Peru e o Pad Thai (omelete, camarão, talharim de arroz frito, amendoim e temperos) nos transporta para a Tailândia.
É uma viagem multisensorial de sabores e de temperos, salpicada de lembranças e de histórias. E é também um instrumento de “soft power”, poder brando ou poder suave, expressão usada na teoria das relações internacionais para descrever a habilidade de Estados para influenciar outros países por meios culturais. O conceito foi inventado pelo professor de Harvard Joseph Nye.
Por isso, quando você topar com esses quitutes típicos servidos com bandeirinhas de suas nações pelas embaixadas nas celebrações de datas nacionais, saiba que está experimentando o poder e o sabor das cozinhas étnicas, cada vez mais globais.
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