Antonio Neto*
A crise financeira que explodiu na meca do capitalismo, os EUA, parece não ter fim. Num curto espaço de tempo, três grandes movimentos estatizantes, envolvendo empresas gigantes de crédito imobiliário e a maior segurada do país, a AIG, fizeram-se necessários, pasmem, no templo maior do neoliberalismo.
Como se isso não bastasse, o terceiro maior banco de investimentos norte-americano, a tristemente famosa Merrill Lynch, foi vendido a preço de banana ao Bank of América. Já o Lehman Brothers, a quarta maior instituição norte-americana, não teve a mesma sorte. Com a ausência de compradores, entrou em concordata. O segundo maior banco de investimentos dos EUA, o Morgan Stanley, teve que sair em campo na busca de algum novo sócio para evitar a sua própria falência.
Os sinais da crise já eram evidentes. A monstruosa dívida mobiliária norte-americana, gerada pelo sistema bélico norte-americano (invasão do Iraque, do Afeganistão e a suposta guerra ao “terror”) associado à sede desmedida dos bancos por lucros vultosos, já havia apresentado os indícios do colapso.
Leia também
Já no primeiro semestre deste ano, as mãos do tesouro norte-americano foram responsáveis por operações que indicavam os primeiros sinais da crise. O Bear Stearns, poderoso banco de investimento, foi adquirido pelo JPMorgan com recursos do banco central norte-americano.
Anteriormente, algumas medidas de estímulo à economia, como a redução da taxa de juros, a edição de um pacote fiscal de mais de US$ 100 bilhões e a abertura de linhas de crédito especiais para empréstimos de emergência tentavam dar alento às famílias americanas atingidas pela crise.
Os economistas que não rezam pela rígida cartilha da ortodoxia monetária – a mesma que os americanos ignoram, mas fazem de tudo para que sirva de bússola para a nossa e outras economias – chegam a uma conclusão definitiva: o longo ciclo de descolamento da esfera financeira em relação à economia produtiva real chegou ou está próximo do fim.
O fato é que, desde o início dos anos setenta, a partir do rompimento unilateral pelo governo dos Estados Unidos com os parâmetros de emissão monetária definidos pelo Acordo de Bretton Woods, o fim do padrão dólar-ouro, os mercados financeiros se expandiram de forma espantosa, com o claro propósito de atender à ganância dos oligopólios financeiros norte-americanos, responsáveis pela sustentação da indústria da guerra e de outros segmentos cujas práticas monopolistas muito bem conhecemos em diversas partes do mundo.
Mais cedo ou mais tarde, essa imensa bolha especulativa iria estourar, revelando, de forma incontestável, que os processos de desregulamentação dos mercados, levado a cabo de modo radical nos EUA, provocariam uma crise sem precedentes, pois a lógica do livre-mercado, ou do neoliberalismo, se preferirem, é a do lucro pelo lucro e o desrespeito total à concorrência, aos consumidores e às economias nacionais, inclusive a norte-americana.
E agora, por mais paradoxal que seja, é a mão grande do Estado norte-americano, às custas dos seus contribuintes, que “salva” o mercado, ou melhor, os mega-especuladores da falência. “É o fim o neoliberalismo”, sentenciaram muitos, pois, rigorosamente, os bancos foram estatizados, para arrepio dos pregoeiros do neoliberalismo.
Quanto ao Brasil, não há dúvidas de que a inflexão das políticas públicas verificada desde o início do segundo mandato do presidente Lula, com o deslocamento do Estado como centro indutor do desenvolvimento nacional, especialmente, através do PAC, criou condições muito mais favoráveis para enfrentar a crise. Favoráveis, porém, não suficientes, em razão, fundamentalmente, da deterioração das contas externas do país. Basta dizer que, nos primeiros sete meses deste ano, acumulamos um déficit nas transações correntes de US$ 19,5 bilhões, em um quadro onde o saldo comercial do país se reduz de forma grave, pressionado pelas despesas com importações, em crescimento acelerado e superior à expansão das exportações, como também pela crescente remessa de lucros para o Exterior.
Mantida essa tendência, segundo o Ipea, chegaremos ao final deste ano com um déficit em conta corrente entre US$ 27,5 bilhões e US$ 34,5 bilhões, que nos forçará, mais uma vez, a depender da conta de capital para o fechamento de nossas contas externas, razão pela qual é preciso voltar a considerar o controle do câmbio como uma necessidade de curto prazo para conter os inevitáveis e indesejáveis ataques especulativos à nossa economia.
Outra medida fundamental é o cuidado com nosso mercado interno, algo absolutamente impossível diante da perversidade das taxas de juros praticadas pelo Banco Central (Selic), que conspiram abertamente contra a geração de empregos, as políticas sociais, o consumo e a produção.
Ao contrário do que tentam disseminar, a “débâcle” da economia americana não deve ser motivo para recuarmos do caminho percorrido. A crise é uma oportunidade para aprofundarmos o nosso descolamento dela, ampliando a relação comercial dentro das fronteiras da Unasul.
Portanto, com esses dois movimentos – controle do câmbio e redução dos juros reais – estaremos efetivamente blindados para continuarmos no rumo do desenvolvimento nacional, vocação inexorável a um país da estatura do Brasil.
*Antonio Neto é presidente da Central Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB) e do Sindicato dos Trabalhadores em Processamento de Dados e Empregados de Empresas de Processamento de Dados do Estado de São Paulo (SINDPD-SP). É membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI).