Ricardo Ramos*
Empossado em meio às crises políticas do mensalão e do mensalinho, o presidente da Câmara, Aldo Rebelo (PCdoB-SP), notabilizou-se em nove meses pelo tom conciliador dos discursos e pelas muitas promessas de colocar projetos considerados importantes em votação. De setembro de 2005 para cá, expressões como "agenda mínima" e "esforço concentrado" entraram para o vocabulário dos deputados sem, contudo, se traduzirem numa melhora nítida em relação à tumultuada gestão de Severino Cavalcanti (PP-PE).
Levantamento realizado pela assessoria do Plenário a pedido do Congresso em Foco mostra que, durante a gestão Aldo, a cada quatro dias de votações no Plenário, mais de três estavam com a pauta trancada por medidas provisórias. Isso ocorre quando vence o prazo constitucional para a análise das MPs. Com isso, a votação das demais proposições tem de aguardar na fila. De 28 de setembro, quando Aldo assumiu o comando da Casa, até a quarta-feira passada, a Câmara realizou 105 sessões deliberativas. Dessas, 82 (78,1%) estavam com a pauta obstruída por MPs (veja quadro).
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O percentual é semelhante ao registrado por Severino Cavalcanti em seus sete tumultuados meses de gestão. Com o pernambucano, a pauta da Câmara esteve trancada em 81 (78,65%) das 103 sessões dedicadas às deliberações. No período em que teria sido distribuído o mensalão, ou seja, ao longo dos dois anos da administração de João Paulo Cunha (PT-SP), a Câmara promoveu 315 sessões para apreciar propostas. E em "apenas" 177 delas a pauta estava trancada – ou 56,2% do total.
Proposições aprovadas
A dificuldade dos deputados em liberar a pauta se reflete diretamente no tipo e na qualidade das propostas aprovadas. Se considerarmos apenas as MPs, as propostas de emenda à Constituição (PEC’s), os projetos de lei complementar (PLP’s) e os projetos de lei (PL’s) aprovados pelo Plenário, a gestão Aldo aparecerá como a que mais chancelou matérias enviadas pelo Executivo (veja tabela).
Sob Aldo, 60% das matérias importantes aprovadas pelo Plenário foram MPs – ao todo a Câmara já aprovou, desde o final de setembro passado, 36 delas. Apenas três PL’s dos 17 aprovados pela Casa foram propostos por deputados. Com Severino na presidência da Casa, os deputados aprovaram proporcionalmente menos MPs. Ao todo, 27 das 55 matérias importantes aprovadas (49% do total). Além disso, dos 27 PL’s aprovados, dez foram de deputados.
Com João Paulo, a Câmara votou mais medidas provisórias do que com Aldo e Severino. De 268 matérias importantes, 145 delas – ou 54% do total – eram MPs. Entre os anos de 2003 e 2004, a Câmara aprovou 103 projetos de lei, dos quais 34 de autoria de deputados.
Culpa dos cassáveis
A Presidência da Câmara, por meio da sua assessoria de imprensa, diz que os números insatisfatórios da atual gestão são frutos da conjuntura política. Aldo assumiu, no dia 29 de setembro de 2005, na esteira da renúncia de Severino Cavalcanti e em meio ao escândalo do mensalão. Por conta da crise política, em 13 ocasiões, o Plenário teve que votar processos de cassação. "O fluxo das votações acabou prejudicado pelos processos de cassação", justificou.
Ainda segundo a assessoria de Aldo, "a pauta está pronta". "A tarefa da Presidência foi feita. Mais que isso, como convocar os deputados para votar, o presidente não pode fazer". Entre as proposições que podem ser votadas tão logo o Plenário desobstrua a pauta, estão, além da proposta de emenda à Constituição que pretende abolir o voto secreto em plenário, os requerimentos de urgência dos projetos de cotas para as universidades e o da Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas.
Em conversa com jornalistas, Aldo jogou ontem a responsabilidade pela morosidade nas votações de projetos na Casa para o governo. Segundo o deputado, o conflito entre governo e oposição em torno das MPs, que trancam a pauta há três meses, dificulta a definição de uma pauta de prioridades. "Temos muitos projetos de repercussão para a sociedade na área de saúde, educação, segurança pública, aguardando a desobstrução da pauta e a construção de uma pauta de prioridades", afirmou.
Prioridades de Aldo
Desde novembro do ano passado, Aldo aponta a Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas como prioridade. "Essa é uma prioridade absoluta para a Câmara", declarou ele oito meses atrás. Pouco depois, o deputado também se comprometeu com estudantes que colocaria, em votação, a proposta que institui a política de cotas nas universidades.
Aldo também declarou no final de novembro passado que iria conversar com os líderes para votar, após o destrancamento da pauta, a PEC que acaba com o nepotismo nos três Poderes. Esquecida após a queda de Severino Cavalcanti, a matéria sequer consta da Ordem do Dia.
"Exageradamente democrático"
Apesar de reconhecer que a Câmara vive um período atípico por causa das investigações dos sucessivos escândalos, o presidente do Conselho de Ética, Ricardo Izar (PTB-SP), considera que o posicionamento "exageradamente democrático" de Aldo tem contribuído para o alto número de sessões deliberativas desta gestão com pautas trancadas por MPs. "Às vezes, apenas um líder pede para não se votar uma determinada matéria. E o Aldo aceita, porque não quer desagradar a ninguém".
Deputado constituinte, Izar sugere que Aldo se inspire no ex-presidente da Assembléia Nacional de 1987, Ulysses Guimarães (1985/88), para liberar as votações. "O Ulysses dizia: vamos votar e nós votávamos. Ficávamos até de madrugada votando. E quem perdia, tinha que se contentar." Na avaliação de Izar, é essa postura que falta ao presidente da Câmara. "Quando não há acordo, ele tem todo o poder de fazer a pauta e chamar os líderes para votar, porque aqui nunca há unanimidade".
Para o deputado Fernando Gabeira (PV-RJ), é difícil definir de quem é a culpa pela paralisia do plenário da Câmara. "O governo tem grande responsabilidade ao bombardear o Congresso por MPs", afirma. "Mas o Congresso tem sua parcela de culpa por não se unir para votar logo essas medidas".
Segundo Gabeira, a paralisia da Câmara por causa das MPs interessa ao governo. "Desgasta ainda mais a imagem do Legislativo", avalia. Questionado se o colégio de líderes poderia estimular as bancadas dos partidos a acelerar as votações da Casa, Fernando Gabeira mostrou-se cético. "Desde a crise do mensalão, ele (o colégio de líderes) foi abalado". "Os acusados estavam com medo, e quem não era, escondia-se", afirma.
Na semana passada, diante de um quorum de votação visivelmente insuficiente, o deputado Julio Delgado (PSB-MG) brincou em plenário ao dizer que não votaria mais nenhuma MP. "Nem mesmo uma que garantisse uma casa na praia de Pajuçara (em Pernambuco) para minha família."
Delgado enumera apenas duas propostas relevantes votadas este ano pelo Plenário da Casa: o pacote de minirreforma eleitoral, elaborado pelo senador Jorge Borhnhausen (PFL-SC), e a PEC 347/96, que instituiu a redução do recesso parlamentar, ambos aprovados durante a convocação extraordinária do início do ano.
O deputado do PSB avalia que as MPs se tornaram uma forma recorrente de elaborar leis desde a Constituição de 1988 e estão sendo indiscriminadamente por todos os governos. Mas ele acredita que o governo Lula "usou e abusou" dessa ferramenta para, inclusive, obstruir a pauta quando lhe foi conveniente. "Isso é uma vergonha!", exclamou Delgado, quando informado sobre a quantidade de dias que a pauta da Câmara estava trancada por MPs nos últimos meses.
*Colaborou Rafaela Céo
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