Diego Moraes
Uma rápida visita à página do Senado na internet revela um dado, no mínimo, curioso: 11 dos 81 senadores assumiram o mandato sem terem recebido sequer um voto do eleitor. O bloco dos suplentes (veja a relação completa) ocupa hoje o mesmo número de cadeiras que o PT e só não é mais numeroso do que as bancadas do PMDB (21), do PFL (16) e do PSDB (16). Devido à eleição dos titulares ou à cassação do colega, cinco deles já se apoderaram definitivamente do cargo e dali só saem no último dia do mandato.
Voto, eles podem até não ter. Mas, na licença dos campeões das urnas, usufruem todas as prerrogativas que a Constituição reserva aos senadores da república, como direito a voto e a palavra no plenário e nas comissões, inclusive as CPIs, e de sugerir emendas ao orçamento da União. São beneficiados, inclusive, pelo foro privilegiado - direito de responder a processos apenas no Supremo Tribunal Federal (STF).
Têm direito ainda a gabinete particular, automóvel com motorista, verba de gabinete e indenizatória (quantia paga pelo Congresso para financiar despesas do parlamentar no estado). Em resumo, estão aptos a representar seus estados como candidatos eleitos.
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Como a Constituição não prevê eleição para a escolha de novos senadores em caso de renúncia ou de cassação dos titulares, nessas circunstâncias, o substituto assume até o fim do mandato.
Mas, ao contrário do que ocorre na Câmara, onde os substitutos dos deputados são definidos por ordem, conforme os votos que conquistaram na eleição, a suplência no Senado é definida por chapas, com nomes pré-definidos. Quando o titular renuncia, se licencia por questões de saúde ou para ocupar cargos de confiança, o suplente assume o mandato. Cada senador tem de dois a três suplentes. A maioria, é verdade, nem sequer chega a circular pelos corredores do Congresso.
O problema é que o eleitor geralmente não é informado sobre quem está mandando para Brasília na garupa de seu candidato. Tampouco conhece os critérios usados na definição da suplência. Mesmo porque os suplentes quase nunca aparecem no horário eleitoral gratuito do rádio e da TV e o processo de escolha desses reservas de luxo nem sempre é dos mais claros.
Herança de mandato
Alguns dos atuais suplentes assumiram o mandato em definitivo, como o tucano Flexa Ribeiro (PA), que vai ficar na Casa até 2011. Ele ocupa o lugar de Duciomar Costa (PTB), que renunciou ao cargo para ser prefeito de Belém. Destacado como um senador de perfil mais técnico, Rodolpho Tourinho (PFL-BA) está no Senado desde 2003, quando assumiu a cadeira até então ocupada por Paulo Souto (PFL-BA), governador baiano. Ex-ministro de Minas e Energia, Tourinho tomou gosto pelo cargo e é candidato à reeleição. Outro que também herdou a vaga do titular é Valmir Amaral (PTB-DF), no lugar de Luiz Estevão (PMDB-DF), eleito em 1998 e cassado em 2001.
Para chegar ao Salão Azul, nome do largo corredor que dá acesso ao plenário do Senado, os aspirantes à vaga de senador precisam demonstrar força nas urnas. O senador menos votado nas eleições de 2002 foi Augusto Botelho (PDT-RR), que conquistou 77.635 votos - marca quatro vezes maior que a do deputado mais bem votado no estado. Para os suplentes, não vale o crivo das urnas, mas eles não costumam ser escolhidos ao acaso pelos partidos. Alguns são empresários bem-sucedidos que colaboram com doações generosas à campanha do titular. Outros foram escalados unicamente para manter o mandato sob controle do partido ou do grupo político do senador em períodos de afastamento do parlamentar.
Senado tamanho família
A relação entre o titular e o suplente chega a ser, em alguns casos, umbilical. Não é raro encontrar senadores cujos suplentes sejam parentes de primeiro grau. O baiano Antonio Carlos Magalhães (PFL) é um desses. Chamou para sua chapa o filho Antonio Carlos Júnior, pai do deputado Antonio Carlos Magalhães Neto (PFL-BA).
Júnior ainda não teve a oportunidade de assumir um gabinete nesta legislatura. Porém, passou quase dois anos como senador a partir de maio de 2001, quando o pai renunciou após o episódio da violação do painel eletrônico da Casa.
Na época, o presidente da Casa era o hoje deputado Jader Barbalho (PMDB-PA), que figurava na lista dos que escalaram parentes para a suplência. Meses depois, ele também renunciou, acusado de desviar recursos do Banco do Estado do Pará (Banpará). O primeiro na lista para assumir a vaga era seu pai, Laércio Barbalho.
Laércio, porém, enfrentava problemas de saúde e preferiu não tomar posse. O cargo sobrou para o segundo-suplente, Fernando Castro Ribeiro, acusado de envolvimento no desvio de recursos do Banpará. Ex-secretário de Jader, ele assumiu o mandato em outubro de 2001.
A escolha, em alguns casos, começa no conforto do lar. O piauiense Mão Santa (PMDB) indicou a própria mulher, Adalgisa Carvalho, para integrar sua chapa, eleita em 2002. "Adalgisinha", como é chamada carinhosamente pelo senador, ainda não teve oportunidade de substituir o marido. Já o tucano Eduardo Siqueira Campos (TO), eleito em 1998, convidou a irmã, Thelma Siqueira Campos, que assumiu mandato logo no início da legislatura, em fevereiro de 1999, até março de 2000.
Alguns senadores preferem colocar os filhos na reserva, caso precisem licenciar-se do mandato. É o caso de Alberto Silva (PMDB-PI), que definiu Marcos Tavares como primeiro-suplente, e de Gilberto Mestrinho (PMDB-AM), que escolheu João Thomé Mestrinho, seu primogênito.
Outros convidam compadres políticos, como Maguito Vilela (PMDB-GO), cuja suplente é a também peemedebista Íris de Araújo, mulher do prefeito de Goiânia, o ex-ministro e ex-governador Íris Rezende. De 2003 até agora, a substituta já assumiu o mandato três vezes e passou quase um ano como senadora.
Senadora por acaso
Em algumas chapas, a escolha do suplente é remetida à casualidade. O caso mais curioso foi o de Regina Assumpção, ex-secretária do PTB de Minas Gerais. Contratada pelo partido apenas para colar selos em cartas, ela jamais sonhara sequer em ser vereadora. Acabou escalada como primeira-suplente de Arlindo Porto (PTB-MG) para a eleição de 1994. E assumiu mandato no Senado por quase dois anos.
A escolha dela não passou de um equívoco. Porto queria ser candidato ao governo do estado, mas na última hora optou pelo Senado. Como os prazos de inscrição já estavam quase esgotados, o nome de Regina foi parar provisoriamente na ficha de candidatura. No fim, o partido esqueceu de substitui-la.
Em abril de 1996, Porto foi nomeado ministro da Agricultura e a ex-secretária tomou posse no Senado. Pela falta de experiência, ela seguia apenas a recomendação dos líderes e, por isso, teve atuação discreta. Por sorte, Regina não deixou o cargo antes da volta do titular. O segundo-suplente era um subordinado dela na secretaria do PTB.
Suplentes que aparecem
O petista Sibá Machado (AC) também chegou ao Senado sem enfrentar as urnas. Está desde o início da legislatura no lugar de Marina Silva, ministra do Meio Ambiente. O congressista tem passado de militância partidária e, ao contrário de Regina, não caiu de pára-quedas na política. Apesar disso, confessa que nunca havia pensado em chegar ao Senado. "Alguns pensavam: como o Sibá vai assumir um mandato em que a Marina era a marca? Assumi a missão com medo, mas determinado a fazer", diz o senador, que teve atuação destacada na CPI dos Correios.
Com o passar dos dias, alguns suplentes ganham espaço no Senado. Tanto que Wellington Salgado (PMDB-MG), suplente de Hélio Costa (PMDB-MG), atual ministro das Comunicações, preside a Comissão de Educação. Outros se destacam por atuações ousadas ou até mesmo por inusitados acontecimentos após o período em que ostentaram o posto de legisladores.
O hoje deputado Francisco Escórcio (PMDB-MA) fez barulho em sua breve passagem pelo Senado. Segundo-suplente do ex-senador Alexandre Costa, morto em 1998, o peemedebista assumiu o mandato por apenas quatro meses em 2002. O pouco tempo foi suficiente para que ele apresentasse o polêmico projeto que cria o estado do Planalto Central. A proposta prevê a desapropriação de parte do território de Goiás e a anexação de cidades-satélites do Distrito Federal e municípios do entorno para a criação de uma nova unidade da federação.
Outro suplente que também ganhou destaque nos jornais, mas nas páginas policiais, foi o empresário José Gonçalves Pereira, o Xico Pneus, suplente de Magno Malta (PL-ES). Ele foi preso durante a Operação Esfinge da Polícia Federal, em março deste ano, acusado de envolvimento com uma quadrilha que fraudava importações e sonegava impostos.
Por casos como esses, alguns suplentes dizem enfrentar certo preconceito de senadores eleitos. "Já me disseram para não falar disso, mas eu acho que tem preconceito sim. Acham que suplente é coisa de outro mundo, é caroneiro", lamenta Sibá Machado. O senador Cristovam Buarque (PDT-DF) discorda. "Quando eles chegam aqui, até esqueço quem é suplente. Vejo todos como senadores", afirma.
Enquanto esteve à frente do Ministério da Educação, em 2003, Cristovam fui substituído no Senado por Eurípedes Camargo, cujo perfil se diferenciava dos colegas eleitos. Negro e de origem pobre, Eurípedes foi serralheiro e presidente da Associação dos Incansáveis Moradores da Ceilândia, primeiro movimento de sem-teto do Distrito Federal, antes de assumir uma cadeira no imponente Senado.