A situação é mais delicada para 23 reeleitos, que terão de conciliar as atividades em plenário e nas comissões com suas defesas no Supremo para não terem o mesmo destino de seus ex-colegas condenados. Esses deputados já são réus em ações penais. Nesses casos, os ministros abriram processo por entender que há indícios de que os parlamentares cometeram os crimes atribuídos a eles pelo Ministério Público. Os outros 50 reeleitos são alvos de inquérito, investigação preliminar que pode resultar ou não na abertura da ação penal.
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Suspeitas recorrentes
Juntos, os reeleitos colecionam cerca de 150 inquéritos e ações penais. As suspeitas mais comuns são de crimes contra a Lei de Licitações, que se repetem 33 vezes, e peculato, que aparece em 30 oportunidades. Os crimes eleitorais, com 27 citações, corrupção, com 14, e lavagem de dinheiro, com 12, completam a lista das acusações mais recorrentes. Mas também há casos de trabalho escravo, formação de quadrilha, tráfico de influência, sonegação fiscal, entre outros.
A lista dos reeleitos que ainda devem explicações à Justiça alcança 15 partidos, o Distrito Federal e 24 estados. Dos 38 peemedebistas que renovaram o mandato, dez estão pendurados no Supremo. Na mesma condição figuram nove deputados do PR, do PP e do PT; e sete do PSDB. Mas são dois tucanos os campeões em investigação: o mato-grossense Nilson Leitão e o catarinense Marco Tebaldi.
O deputado de Santa Catarina reúne o maior número de ações penais: quatro processos por crimes de responsabilidade, contra a Lei de Licitações e falsidade ideológica. Todas as denúncias se referem à sua gestão na Prefeitura de Joinville, encerrada em 2008. O tucano responde ainda a dois inquéritos. “Não se tratam as ações penais de investigação, mas de instrução penal. Nenhuma trata de desvio de recursos”, ressaltou a assessoria do parlamentar assim que as investigações chegaram ao Supremo, ainda em 2011, ano de estreia de Tebaldi na Câmara. Quase quatro anos depois, os ministros não julgaram nenhum desses casos.
Operação Sanguessuga
Dono da maior votação da bancada de Mato Grosso este ano, com 127.749 votos (8,78% dos válidos), Nilson Leitão é o parlamentar reeleito com maior número de investigações em andamento no STF: são sete inquéritos. O ex-líder da oposição na Câmara avança para seu segundo mandato na Casa arrastando pendências do período em que administrou o município de Sinop (MT), localizado a 500 km ao norte de Cuiabá. “Esses inquéritos são do começo do meu mandato de prefeito. Todos serão julgados improcedentes”, afirma. Ao menos uma das investigações decorre da Operação Sanguessuga, deflagrada pela Polícia Federal em 2006. Nilson era prefeito da cidade quando mais de 70 congressistas foram denunciados pela CPI que investigou a chamada máfia das ambulâncias no Congresso.
Apesar de não ter sido acusado de receber propina, ele foi denunciado por fraude em licitações na compra de veículos e equipamentos odontológicos que serviriam como unidades móveis de saúde, controladas pelo grupo Planam, dos empresários Darci e Luiz Antônio Vedoin. O caso subiu para o STF em 2011, assim que ele se elegeu deputado. Mas as acusações acabaram prescrevendo. No ano passado, a pedido da Procuradoria-Geral da República, a ministra Rosa Weber determinou a retomada das apurações na forma de inquérito pelo crime de apropriação ou desvio de bens ou rendas públicas, que ainda não prescreveu.
Este não é o único caso rumoroso em que o deputado mais votado de Mato Grosso se envolveu. Em 2007, Nilson foi preso pela Polícia Federal na Operação Navalha, suspeito de participar de um esquema de desvio de recursos públicos protagonizado pela empreiteira Gautama, de Zuleido Veras. Na época, o então prefeito classificou como “arbitrária” a ação da PF.
A suspeita de envolvimento com a chamada “máfia das ambulâncias” também persegue outro deputado reeleito. Prestes a concluir seu terceiro mandato, Josué Bengston (PTB-PA) é réu em duas ações penais desencadeadas pela suspeita de que recebeu propina da Planam em troca de apresentação de emenda ao orçamento. Na lista dos 72 congressistas denunciados pela CPI em 2006, o petebista desistiu da reeleição naquele ano, admitindo desgaste com o episódio. Voltou quatro anos depois, mas sem se livrar da acusação criminal por envolvimento no esquema.
Trabalho escravo
Favorecido pelos mais de 1,5 milhão de votos obtidos por Celso Russomanno (PRB-SP), deputado mais votado da nova legislatura, Beto Mansur (PRB-SP) conseguiu renovar, pela quarta vez, seu mandato na Câmara. Proeza alcançada com pouco mais de 31 mil votos.
O ex-prefeito de Santos foi um dos quatro candidatos beneficiados pela sobra de votos de Russomanno. Com a reeleição, Mansur segura no STF uma acusação que se arrasta há uma década na Justiça: a de que manteve 46 trabalhadores em condição análoga à de escravo em duas fazendas de sua propriedade no interior de Goiás. Entre as vítimas, segundo a denúncia, havia sete menores de 18 anos à época – dois dos quais de apenas 14 anos.
No processo, ao qual a reportagem teve acesso, Mansur diz que nunca aprovou se, “eventualmente”, algum trabalhador foi impedido de deixar sua fazenda por dever alimentos comprados no serviço. Contou também não ter conhecimento da presença de menores em suas terras. As duas propriedades ficam entre os municípios de Mutunópolis e Bonópolis, no norte goiano, a cerca de 350 quilômetros do gabinete do deputado em Brasília. Na época da denúncia, as duas fazendas estavam avaliadas em mais de R$ 6 milhões, com suas 3,6 mil cabeças de animais de grande porte.
Uma abundância que contrastava flagrantemente com a situação denunciada pelo Grupo Móvel de Combate ao Trabalho Escravo: condições degradantes de trabalho, jornada exaustiva e servidão por dívida. Em sua defesa, o deputado alegou que houve coação e abusos na fiscalização e que sua fazenda era “modelo” na região. Desde outubro do ano passado, Beto Mansur responde a outro inquérito por trabalho escravo no Supremo. Ele ainda é alvo de outras duas investigações, por crime de responsabilidade e por crime praticado por funcionário público contra a administração em geral.
Entre os cinco senadores reeleitos, dois têm pendências no Supremo. Nenhum deles, porém, é réu. Assis Gurgacz (PDT-RO) responde a inquérito por dispensar licitação para a compra de combustíveis quando era prefeito do município de Ji-Paraná, entre 2000 e 2002.
Lava Jato
Já o ex-presidente Fernando Collor (PTB-AL) passou a ser investigado, em julho, por suspeita de participação no esquema desbaratado pela Polícia Federal na Operação Lava Jato. Reeleito com quase 690 mil votos, o senador alagoano virou alvo de um inquérito que apura suas relações com o doleiro Alberto Youssef, acusado de comandar um esquema de lavagem de dinheiro que movimentou ilegalmente R$ 10 bilhões no país e jogou a Petrobras para o centro de duas CPIs no Congresso.
A suspeita sobre o ex-presidente foi remetida ao Supremo pelo juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba, Sérgio Fernando Moro, após a Polícia Federal identificar comprovantes bancários que mostravam depósitos feitos pelo doleiro, no valor de R$ 50 mil, na conta do senador. O petebista diz ser inocente.
A Operação Lava Jato pode aumentar o número de parlamentares reeleitos sob investigação no Supremo. E incluir, ainda, senadores a caminho da segunda metade do mandato. Depoimentos prestados no sistema de delação premiada por Alberto Youssef e pelo ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa indicam o envolvimento de outros congressistas em um esquema de corrupção na estatal. Por enquanto, alguns poucos nomes foram ventilados. Caso as acusações sejam confirmadas, a relação dos envolvidos tem potencial para causar um furacão no Congresso. E aumentar ainda mais a já numerosa bancada dos enrolados na Justiça.
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