Itamar de Carvalho Júnior*
Quando se iniciou no Brasil em meados dos anos 90 o processo de privatização das empresas estatais, tendo como pano de fundo a mudança da atuação do Estado, passando este de prestador para fiscalizador dos serviços, entendeu-se que seria necessária a criação de agência reguladora no setor de saúde. Esse órgão seria criado para funcionar nos mesmos moldes das agências reguladoras criadas para a fiscalização da execução dos serviços públicos delegados aos agentes privados.
Criou-se assim a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que substituiu a Secretaria de Vigilância Sanitária (SVS). A Anvisa, como não poderia deixar de ser, foi criada por meio de medida provisória, que logo foi convertida na Lei nº. 9.782/1999.
As normas da Constituição Federal de 1988 dispõem que tais ações e serviços são livres à iniciativa privada, sobre a qual o Estado poderá exercer o poder fiscalizatório em sede do exercício de “poder de polícia”, por imprimir relação de sujeição geral, diferente dos serviços públicos, os quais detêm caráter de relação de sujeição especial entre o Estado e o particular prestador. Porém, por se tratar de serviços de relevância pública, deveriam esses serviços receber maior atenção estatal.
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No primeiro momento, até mesmo pela interpretação das normas constitucionais aplicáveis, entedia-se que o papel da agência reguladora seria o controle técnico sanitário: o controle e fiscalização de procedimentos, produtos e substâncias de interesses para a saúde.
Essa competência fica nítida nos incisos I e VI do artigo 200 da Constituição: “I – controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substâncias de interesses para a saúde e participar da produção de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos, hemoderivados e outros insumos”, e “VI – fiscalizar e inspecionar alimentos, compreendido o controle de seu teor nutricional, bem como bebidas e águas para consumo humano.”
Com o passar do tempo ocorreu grande mudança nas normas infraconstitucionais (cuja constitucionalidade é duvidosa), em especial na Lei de criação da Anvisa. Com essa mudança, a Anvisa ganhou mais competência, pelo menos é o que ela entende ter ocorrido, passando a partir de então a regular não somente o caráter técnico das pessoas submetidas às suas regras, mas também a regulação econômica. Ou seja, o controle de atos não relacionados aos atos técnicos, mas o controle dos atos com finalidade mercantil.
Vale destacar os pontos mais importantes no que diz respeito à “regulação econômica” realizada diretamente pela Anvisa.
O primeiro ponto diz respeito à publicidade e propaganda de medicamentos. A matéria é hoje regulamentada pela Resolução da Diretoria Colegiada – RDC 102/2000, dividida em propaganda e publicidade de medicamentos comercializados sob prescrição médica e os comercializados sem prescrição médica. Tanto um como o outro sofrem controle prévio da Anvisa, só podendo ser veiculadas propagandas que forem aprovadas e liberadas pela agência. No caso dos medicamentos comercializados sob prescrição médica, a publicidade só pode ser destinada aos profissionais habilitados para prescrevê-los ou dispensá-los nos postos de comércio.
Vemos nesse ponto que a Anvisa regulamenta e controla diretamente o primeiro ato de natureza econômica de toda cadeia para a comercialização de serviços e produtos voltados à saúde.
O segundo ponto referente à “regulação econômica” surgiu no início do ano 2000, quando o governo federal criou a Câmara de Medicamento (Camed), órgão destinado para exercer o controle do preço de medicamentos. Tal órgão é composto por diversos ministérios, bem como pela Anvisa.
A Camed foi substituída pela Câmara de Regulação de Medicamentos (CMED), que cria diretrizes econômicas a serem seguidas pelas empresas do setor farmacêutico, cabendo à Anvisa o papel principal de aprovar o preço dos medicamentos. Vale ressaltar que não é somente homologar o preço, mas sim conferir ao medicamento o preço que ela entende adequado de acordo com informações econômicas fornecidas pela empresa detentora do medicamento. Informações como o preço do mesmo medicamento realizado em outros países, o custo com propaganda, o custo com distribuição.
Por fim, destacamos a recente RDC 185/2006 da Anvisa, resolução que determina a apresentação de informações econômicas referente aos produtos para saúde (equipamentos médico-hospitalares). Nesse caso, ainda estamos em fase embrionária de monitoramento dos preços, e as informações que as empresas deverão apresentar se assemelham àquelas apresentadas pela indústria farmacêutica e assinaladas acima.
Com apenas esses três pontos, já podemos reconhecer que nos dias de hoje a Anvisa exerce não só um controle técnico sanitário, por meio da edição normas técnicas, tal como as Boas Práticas de Fabricação de Medicamentos, mas também desempenha uma função de regulação econômica. Ou seja, está fugindo do seu foco inicial, que era de controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substâncias do setor de saúde. Anda controlando também a saúde financeira das empresas.
* Advogado das áreas de Direito Administrativo, Regulatório Econômico, Consultivo e Contencioso do escritório Correia da Silva Advogados – (itamar.carvalho@correiadasilva.com.br).
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