Fábio Góis
Fundado em 1972, o Conselho Indigenista Missionário é um órgão missionário vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), e tem a responsabilidade de ser o braço da Igreja Católica junto às populações indígenas. Entre suas principais metas está a intensificação da interação entre aldeias indígenas e povos ditos “majoritários”, promovendo o respeito à liberdade de costumes e à diversidade cultural.
São mais de 400 missionários, que compõem 112 equipes espalhadas Brasil afora. Cabe às 11 regionais do organismo a articulação dos trabalhos junto às comunidades indígenas, tendo como referência o Secretariado Nacional com sede em Brasília.
Bienalmente, é realizada a Assembléia Geral do Cimi, com o objetivo de discutir os assuntos prioritários e fazer um balanço dos anos anteriores. A diretoria do Cimi é composta pelo atual presidente, Dom Erwin Krautler, pelo vice-presidente, Roberto Liebgott, dois secretários e onze coordenadores regionais.
Nesta entrevista exclusiva ao Congresso em Foco, Roberto Liebgott, faz críticas à atuação da Funai e diz que os suicídios dos índios são resultado da ação do “homem branco”.
Congresso em Foco – O senhor acha que a Funai é falha em relação às políticas de assistência aos índios?
Roberto Liebgott – Na nossa avaliação a Funai é falha não somente no que se refere à segurança para os índios. A Funai, por ser o órgão federal responsável pela execução da política indigenista no país, deveria estar mais bem estruturada fisicamente, com pessoal capacitado para o exercício das funções técnicas e de assistência e com orçamento compatível com as necessidades das populações indígenas em todo o Brasil. Se a Funai tem sido inoperante, a responsabilidade é do Ministério da Justiça, ao qual ela é vinculada. Mas é fato que a Funai precisa ser repensada em sua estrutura, funcionamento, formas de atuação, assumindo uma concepção de indigenismo desvinculada de proposições integracionistas. A interlocução com os povos indígenas e suas lideranças deve ser assumida como estratégia indispensável para a formulação de políticas e ações desse órgão oficial. As atribuições da Funai estão direcionadas basicamente para a questão da terra, sendo sua responsabilidade a demarcação, a fiscalização e a proteção das áreas indígenas. Mas essas funções (que são vitais para a garantia de todos os outros direitos constitucionais) ela não dá conta em desempenhar por razões orçamentárias, burocráticas e políticas.
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Na sua opinião, por que, segundo o levantamento da Funasa, o índice de suicídios, principalmente entre índios jovens, aumentou?
O suicídio entre os Kaiowá é motivo de inúmeras discussões, debates e estudos acadêmicos. Reflete uma realidade complexa e parece estar vinculada, entre outros fatores, à falta de perspectiva de futuro. A maioria da população Guarani Kaiowá vive uma situação de confinamento em pequenas reservas, ou em acampamentos de beira de estrada, onde enfrenta todos os tipos de adversidades na luta pela demarcação de seus territórios tradicionais. As lutas destas comunidades contrariam grandes interesses, pois as terras indígenas são ocupadas ou interessam a latifundiários do estado que se organizam e exercem pressão sobre as autoridades públicas com o objetivo de impedir que os direitos indígenas sejam assegurados. Além dessa pressão que se manifesta em nível político, há uma contínua e intensa pressão sobre as comunidades e suas lideranças – manifestada através do preconceito, da discriminação, do desrespeito, de ameaças e também no uso direto de violência física. Não são poucos os casos de agressões praticadas contra indígenas nas diversas cidades do estado de Mato Grosso do Sul. A Polícia Federal reconhece que os fazendeiros constituem, para seus serviços, milícias armadas. Portanto, os suicídios têm relação direta com a violência vivenciada pelos Kaiowá, especialmente a realidade de confinamento a que o povo estão submetidos. E a única alternativa, nesse contexto, é a demarcação das terras reivindicadas pelos Guarani Kaiowá, para assegurar-lhes as condições adequadas de viver e as possibilidades de vislumbrar um futuro propício e favorável. Quem tem a responsabilidade de demarcar as terras indígenas é o governo federal, por meio de seu órgão indigenista, mas o que temos presenciado são a omissão e a negligência oficiais diante desta dramática realidade.
O levantamento do Cimi mostra que a insuficiência de terras em Mato Grosso do Sul está entre as principais razões da violência contra os índios. Nesse caso, quem representa maior ameaça: os próprios índios ou os produtores rurais?
As terras em Mato Grosso do Sul estão concentradas nas mãos de latifundiários que plantam soja, que cultivam cana para produção do etanol ou que possuem grandes rebanhos de gado. Os povos indígenas foram confinados em reservas criadas pelo SPI ou depois pela Funai. As terras que eram de ocupação tradicional desses povos foram transferidas pelos governos à empresas colonizadoras que as lotearam e distribuíram – grande parte das terras concentram-se em poucas mãos. O embate que se desenvolve na região é protagonizado por setores privilegiados que desejam manter-se na terra, contra os povos que buscam assegurar, retomar ou restabelecer seus territórios imemoriais. Em Mato Grosso do Sul a mensagem de morte e violência contra os povos indígenas repercute cotidianamente e tem sido patrocinada por latifundiários, fazendeiros, empresários. Esses realmente incitam, promovem e praticam a violência e depois a defendem nos tribunais. Portanto, são eles que ameaçam os povos indígenas, com forte aparato político de sustentação, e não o contrário.
O senhor acha que, quando o levantamento estiver concluído (uma vez que ainda está em fase de conclusão),o número de mortes terá aumentado?
As informações e dados sobre violência estão sendo tabulados neste mês de janeiro, e por essa razão podem ainda ser alterados. As informações nos chegam das diferentes regiões em que o Cimi tem presença de missionários atuando junto às comunidades indígenas, bem como de dados publicados na imprensa e em fontes oficiais, reunidas pelas equipes e regionais da entidade. Também são catalogadas as informações fornecidas por lideranças e comunidades indígenas. O levantamento dos casos de violência contra os povos indígenas vem sendo realizado desde 1988, e publicado em relatórios que são sistematicamente disponibilizados à sociedade. Nossa perspectiva é de que os dados relativos a 2007 sejam sistematizados até o início do mês de fevereiro para, então, realizarmos a análise das informações. Portanto, não podemos afirmar se o número de mortes é superior ao que temos divulgado, mas já é evidente que nunca, desde que o Cimi iniciou este levantamento, ocorreram tantas agressões contra a vida dos indígenas. Até agora registramos 81 assassinatos ocorridos em diversas regiões do Brasil.
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