Dizem que no Brasil lei boa não pega. E um dos receios de quem defende a Lei de Acesso a Informações Públicas é justamente que, passado o período inicial de implementação, o texto, por falta de resultados práticos, acabe caindo no esquecimento. De fato, o que hoje se verifica em boa parte dos órgãos públicos em Brasília, nos estados e municípios é um certo atraso na implementação dos dispositivos necessários para fazer com que, no dia 16 de maio, as informações estejam acessíveis ao cidadão, como prevê a lei sancionada pela presidenta Dilma Rousseff no ano passado. Em parte, reclamam os responsáveis em cada órgão, porque o próprio governo federal ainda não editou o decreto com a regulamentação da lei. Apesar do esforço de alguns setores, esse é o risco da Lei de Acesso: frustrar expectativas.
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Dependerá da própria sociedade evitar que esse risco aconteça. Essa é a opinião do diretor regional para as Américas da Transparência Internacional (TI), Alejandro Salas (foto). Em entrevista ao Congresso em Foco, Salas diz que é, de fato, impossível para o governo dar conta de todo o trabalho sozinho. Por isso, os cidadãos devem se aliar ao poder público. “Acho que a grande lição para o Brasil é justamente aproveitar o momento para fomentar a participação popular”, considera Salas. Para ele, uma proposta como a Lei de Acesso só dá certo se o cidadão comprar a ideia e cobrar a sua implementação.
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Por exemplo, é importante que as pessoas saibam que, a partir de 16 de maio, terão o direito de pedir qualquer informação a qualquer órgão público. O órgão ficará obrigado a dar a resposta. Em caso contrário, precisa fundamentar a razão da negativa. Essa negativa pode ser contestada, e em cada poder haverá um órgão que dará a palavra final sobre essa contestação. No caso do Poder Executivo, será a Controladoria Geral da União. “É importante que as pessoas saibam que têm de se esforçar, têm de correr atrás dos dados, têm de fiscalizar. O governo, sozinho, não vai dar conta do trabalho. Nenhum governo dá”, disse.
Via de mão dupla
Nesse sentido, o diretor da Transparência Internacional lembra que a Lei de Acesso é uma via de mão dupla. Salas alerta para o perigo de os governos se preocuparem somente com a oferta de informações. Ou seja: criarão portais de transparência e outras ferramentas semelhantes, mas nos quais continuarão mantendo o controle sobre o que irão ou não informar. Isso não basta, alerta ele. Os governos precisarão estar preparados também para atender às demandas dos cidadãos.
Para o diretor, além de trabalhar pela implementação das regras, o governo deve fazer campanhas para fomentar a demanda cidadã, pois para ele, não adianta existir a lei se ninguém a utilizar. “Pessoas como nós, pesquisadores e jornalistas, achamos que isso [pedidos de informação] é algo que acontece de maneira espontânea, que todo mundo quer fiscalizar o governo e que todos estarão atrás de informações. Mas não é isso que acontece. Na América Latina, por exemplo, temos alguns exemplos em que organizações com boas intenções promovem a lei, sobretudo os jornalistas que se empenham sobre ela, mas ninguém a usa”, disse. Mostrar que o direito de ter acesso a qualquer informação está ao alcance de cada um é fundamental.
Para exemplificar, Salas relembra um caso anedótico que aconteceu no México durante o governo de Vicente Fox Quesada, em 2001. Analisando a base de dados públicos da administração federal, um cidadão comum encontrou os gastos presidenciais e descobriu que haviam sido gastos R$ 440 mil dólares na reforma da residência oficial do presidente, o palácio de Los Pinos. Grande parte do dinheiro foi usado para comprar toalhas de banho. Na época, o caso tornou-se um escândalo e levou à demissão de alguns funcionários do governo. “São detalhes como esse que aproximam o cidadão do governo, e mostram como o controle e o monitoramento podem ser feitos”, explica ele.
Além de buscar parcerias na sociedade para divulgar as informações, outra função importante que cidadãos comuns podem desempenhar é de “traduzir” os dados. “Existem duas coisas centrais que devem ser feitas. A primeira é que o governo tem que buscar formas de entregar a informação de forma acessível aos cidadãos comuns”, diz Salas. A segunda coisa, explica o diretor da Transparência Internacional, é que esses dados, mesmo publicados de forma clara, sempre podem ser mais explicados por aqueles que sabem lidar com números, estatísticas e outras ferramentas semelhantes. Reunindo e cruzando informações, os cidadãos podem retirar ainda outras informações importantes dos dados que estão disponíveis. “Ou seja, quem sabe lidar com números pode traduzi-los para as demais pessoas”, conclui Salas. Para ele, muitas vezes a lei é cumprida, pois as informações são disponibilizadas. “O problema é quando o governo faz isso de maneira incompreensível e os cidadãos não conseguem aproveitá-la”, explicou.
Mapa quase completo
Para Salas, agora que o Brasil também tem a sua lei de acesso a informações, o mapa do acesso na América Latina está quase completo. “O Brasil era uma grande falha, porque afinal de contas, estamos falando sobre um direito básico e fundamental que 190 milhões de cidadãos brasileiros não tinham”, disse.
Onze países da América Latina já possuem legislações próprias que regulamentam o direito de acesso a informações. Antes do Brasil, o último país a aprovar uma lei de acesso foi El Salvador, em dezembro de 2010. Costa Rica, Cuba, Venezuela e Paraguai continuam sem uma lei específica sobre o tema. No mundo, 88 países já possuem leis de acesso à informação.
Salas esteve no Brasil na semana passada para acompanhar uma reunião da presidenta Dilma Rousseff com Huguette Labelle, presidenta do Conselho de Administração da TI. Na ocasião, Labelle elogiou a atuação de Dilma Rousseff e disse estar confiante de que o Brasil está avançando cada vez mais no que chamou de “boa política”. “Saímos da reunião com uma impressão muito positiva. Sentimos que a presidenta está a par de tudo o que está acontecendo sobre este tema. Não ficamos com a impressão de que um assessor explicou tudo cinco minutos antes da reunião. Ela de fato se interessa pelo tema”, elogiou Salas. O projeto da Lei de Acesso foi enviado pelo Executivo ao Congresso quando Dilma era ministra-chefe da Casa Civil no governo de Luiz Inácio Lula da Silva.