Quem espera um confronto entre o ex-presidente Lula e o juiz federal Sérgio Moro, durante depoimento marcado para esta quarta-feira (10), vai se decepcionar. Foi o que disse há pouco o próprio magistrado ao fazer a palestra de abertura do 1o Congresso do Pacto pelo Brasil, realizado em Curitiba pelo Observatório Social do Brasil (OSB), diante de mais de 400 espectadores.
“Não é um confronto, não é uma guerra. O juiz não é parte do processo. Me preocupa essa expectativa em relação a um ato banal. Não há nada de decisivo que pode acontecer nesta audiência. O juiz vai apenas ouvir para depois formar sua opinião e se decidir”, disse Sérgio Moro.
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Lula e Moro acirram batalha antes de depoimento
Ressaltando que o depoimento de Lula “é um ato natural dentro do processo penal”, ele comparou a audiência de quarta com o primeiro depoimento do empresário Marcelo Odebrecht: “Gerou-se uma grande expectativa em torno do primeiro interrogatório do presidente do grupo Odebrecht e, no entanto, quando ele foi depor em juízo, foi algo absolutamente banal, sem nenhum demérito em relação a ele”.
“É o momento que o acusado tem para se defender, um acusado que pode ser inocente, que pode ser culpado. O acusado pode permanecer em silêncio, pode até prestar falso testemunho – o acusado tem até a possibilidade de faltar com a verdade, sem ter nenhum tipo de punição, como permite a legislação brasileira”, prosseguiu.
Aplaudido de pé assim que seu nome foi anunciado para subir ao palco do auditório da Federação das Indústrias do Estado do Paraná (Fiep), onde se realiza o evento, Moro foi brindado com uma inesperada pergunta da plateia assim que começou a falar. “Por que a gravata vermelha?”, perguntou alguém. “Vermelho de fraternidade”, respondeu.
PublicidadeVídeo polêmico
O juiz se referiu às críticas que recebeu por ter gravado no fim de semana um vídeo no qual pediu àqueles que apoiam o seu trabalho para não ir às ruas de Curitiba na quarta-feira, para se contraporem aos manifestantes pró-Lula. Na opinião de alguns, ao usar as redes sociais para se comunicar diretamente com a população sobre processo sob sua responsabilidade, Sérgio Moro rompeu com o comedimento e a imparcialidade que devem nortear a atuação dos magistrados.
“Fui criticado por isso, mas é melhor que esse seja um jogo de torcida única, se as pessoas quiserem sair às ruas para manifestar o apoio ao acusado. Falo isso com tranquilidade porque não sou de nenhum dos times. Sou o juiz. Para mim, se algumas pessoas deixarem de ir às ruas e se expor a situação de risco, isso já é suficiente”, rebateu ele.
Moro também comentou as restrições feitas por vários juristas ao que seria um abuso na decretação de prisões preventivas ou temporárias de suspeitos que ainda não foram julgados. Mais uma vez recebeu palmas ao dizer que tem dúvidas se, sem tais prisões, seria possível à Operação Lava Jato produzir os resultados até agora alcançados.
O futuro da Lava Jato
Ao fazer um balanço das cerca de 50 ações criminais da Operação Lava Jato propostas junto à 13a Vara Federal de Curitiba, da qual é juiz titular, Sérgio Moro falou que é impedido pela Lei da Magistratura de se manifestar sobre os aproximadamente 20 processos ainda pendentes. “Mas posso falar com certa liberdade desses cerca de 30 casos sobre os quais já proferi sentença”, acrescentou.
Para ele, os casos julgados indicam a existência de “corrupção sistêmica”, “a corrupção não como ato isolado, mas como uma espécie de regra do jogo”. Ele destacou a escala bilionária dos esquemas ilícitos descobertos a abrangência dos problemas detectados (que, além da Petrobras, atingiram a Caixa Econômica Federal, a Eletronuclear e o Ministério do Planejamento). “Uma corrupção, sistêmica, serial e muito profunda”.
Na sua avaliação, um dos fatos mais importantes foi o apoio que a sociedade tem dado à Operação Lava Jato. “Não que a Justiça julgará de acordo com a vontade da opinião pública, mas isso tem contribuído para evitar a obstrução da Justiça por pessoas poderosas, que várias vezes tentaram atrapalhar os trabalhos.”
Sérgio Moro acredita, contudo, que o futuro da operação é incerto. “Podemos estar saindo de um quadro de grande impunidade para um cenário de menor corrupção, mas essa transição não está assegurada. Na Itália, houve uma reação muito forte do poder político e não é possível ter certeza que a situação hoje é melhor do que era antes. O Brasil vive uma encruzilhada dessa espécie. Voltar atrás, como se nada tivesse acontecido, ou seguir adiante, com apoio da cidadania mobilizada.”
A última hipótese prevalecerá, segundo ele, se o país tiver “instituições mais fortes que garantam, muito mais do que a continuidade da Lava Jato, o cumprimento da lei e uma democracia mais intensa e de melhor qualidade no Brasil”.
* O jornalista Sylvio Costa participa do 1o Congresso do Pacto pelo Brasil a convite da organização do evento.