Agora que “custo Brasil” (entraves que prejudicam o crescimento e o desenvolvimento do país) deixou de pertencer tão-somente ao jargão econômico e político para ganhar as manchetes policiais e se transformar em vocabulário criminal (operação que apura o escândalo dos créditos consignados no Ministério do Planejamento), é hora de dizer a verdade ao povo brasileiro.
As roubalheiras kleptocratas de bilhões ou trilhões (anualmente), que levam ao enriquecimento criminoso ou favorecido dos poucos que fazem parte das elites (políticas e empresariais) que governam e/ou dominam a nação, como revelam as comprovações da Operação Lava Jato, ocupam lugar destacadíssimo no rol de obstáculos estruturais, burocráticos, políticos e econômicos que desestimulam o investimento, diretamente ligado à credibilidade, que está na lona do nosso país, em razão da corrupção e da cartelização da economia em favor do grupo dos 1% (se tanto). Em síntese: fazem parte do “custo Brasil”.
As pilhagens e picaretagens das elites kleptocratas, ademais, estão diretamente vinculadas ao subdesenvolvimento, ao baixo crescimento econômico (porque agravadoras da desigualdade), ao desemprego (mais de 11 milhões de pessoas buscavam trabalho no trimestre março-maio de 2016 – 11,2% de desocupados), à sonegação organizada de impostos, à evasão de divisas e à criação de empresas em paraísos fiscais, que representam um conjunto de fatores fortemente comprometedores da produtividade, da competitividade, da empregabilidade e da prosperidade do país.
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O Brasil, embora sugado diuturnamente pelos parasitas kleptocratas (barões ladrões e/ou aproveitadores do dinheiro público, de todas as ideologias), durante um longo período foi uma presa (uma vítima) valente, posto que, apesar das pilhagens das elites dominantes (tanto de esquerda como de centro ou de direita), conseguiu crescer com firmeza até 1980 (quase 5% ao ano, de 1900 a 1980).
Daí para frente os parasitas sugadores (políticos e empresários e financistas bem posicionados dentro do Estado) se degeneraram completamente, tornaram-se sedentários, seus órgãos foram se atrofiando (sem perder a capacidade de sucção), ao mesmo tempo em que a presa (o país espoliado), combalida, foi se definhando, perdendo forças, até chegar ao atual estágio de recessão aguda (que não tem data para acabar) e de desmoralização completa.
Somente os danos econômicos e sociais gerados pela falência da Petrobras já seriam mais que suficientes para mostrar o quanto custam ao povo brasileiro as elites e oligarquias kleptocratas, que vivem e se enriquecem do loteamento de cargos, do aparelhamento do Estado, da corrupção, do capitalismo de carteis assim como da ineficiência fiscalizadora. O vínculo entre as propinas, as “doações eleitorais” de araque (na verdade: lavagem de dinheiro) e os contratos superfaturados (17% de sobrepreço em cada contratação, diz o Tribunal de Contas da União) está mais do que evidenciado pela Lava Jato.
As perdas materiais já começam a aparecer nos balanços, mas os danos sociais, políticos e econômicos (os custos totais) da kleptocracia brasileira vão muito além do dinheiro desviado e surrupiado. São as elites e oligarquias governantes e dominantes as grandes responsáveis pelo grau insuperável de degeneração moral no ambiente cultural, econômico e político. Sem credibilidade não há investimento, e sem investimento não há crescimento econômico.
Depois de quase 160 anos de imoralidade e devassidão com a coisa pública (1822-1980), a kleptocracia brasileira, copiando ipsis litteris o desenrolar histórico da kleptocracia colonial portuguesa, que durou pouco mais de três séculos (1500-1822), atingiu o ápice da decrepitude (física, moral e intelectual). O boom das commodities (2004-2010), como o canto da sereia, que nos envaideceu com a ilusão da chegada do futuro (Domenico de Masi), não passou de uma Síndrome do Titanic (alegria passageira, antes do naufrágio fatal).
A Lava Jato está comprovando que somos uma kleptocracia latino-americana escatologicamente decadente (improdutiva e não competitiva), sem credibilidade (notas rebaixadas), sem crescimento (aliás, em recessão abismal) e sem nenhuma perspectiva de recuperação, salvo se ocorrer o milagre (que seria o 2º, em complemento ao 1º, que é a Lava Jato) da mobilização coletiva em torno, desde logo, de princípios moralizadores do sistema político-eleitoral, que deveriam ser discutidos e votados pelo povo em plebiscito (seguido de lei confirmadora obrigatória).
Profundas mudanças terão que ser produzidas: proibição de reeleição no executivo e no Senado, apenas dois mandatos nos demais cargos do Legislativo, diminuição do número de parlamentares, aprovação do “recall” (destituição do eleito pelo povo) e um longo eticétera. Enquanto não acontece a mobilização popular e a devida pressão, só se vê degradação moral, com imenso efeito paralisante que tomou conta da nação. As primeiras profundas mudanças devem começar pelo lado político, porque compete a ele traçar depois as regras do mercado competitivo (abandonando-se de vez o capitalismo de laços, como diz Lazzarini).
Vários fatores, destacando-se evidentemente o parasitismo extrativista da kleptocracia (que usa os recursos públicos para promover fortuna incalculável para poucos – digamos, 1% -, em detrimento dos muitos – 99%), levaram o país à “armadilha do lento crescimento” (Bonelli e Veloso). De 1900 a 1980 nosso crescimento econômico esteve perto de 5% (a.a.). De 1980 a 1994 baixou para 1,7% (ver P. Singer, em Brasil – Um século de transformações, p. 125). De 1948 a 1980 o crescimento anual foi de 7,5%.
A brasileira é uma economia de baixo crescimento desde 1980 (década perdida). Entre 1981 e 2003 o Brasil cresceu em média apenas 2,2% (muito abaixo dos 7,5% de 1948 a 1980). De 2004 a 2010 nosso crescimento foi de 4,5% (foi o canto da sereia). De 2011 a 2014 a taxa média voltou para 2,2%. De acordo com as previsões do Instituto Brasileiro de Economia (FGV/IBRE), de 2011 a 2016 o crescimento pode não superar a 0,4% (ou até ser negativo; ver Silvia Matos, em A crise de crescimento do Brasil, p. 1). Estudo econométrico indica que apenas 30% da desaceleração brasileira se deve a fatores externos; os fatores domésticos são responsáveis pelos outros 70%.
A continuar o baixo crescimento da renda per capita, o Brasil somente alcançaria o atual padrão de vida dos EUA no final do século XXI (E. Bacha). Estamos em recessão desde o segundo trimestre de 2014. Por detrás desse colapso está a catastrófica produtividade brasileira assim como o péssimo gerenciamento da coisa pública (ambos entrelaçados pelo capitalismo de carteis ou de compadrio).
No Brasil kleptocrata investe-se pouco e o desperdício de recursos é imenso. As razões dessa tragédia estão na baixa qualidade gerenciadora dos agentes políticos, no “espírito extrativista” dos parasitários empresários e financistas bem posicionados dentro do Estado, que além disso é vítima do aparelhamento assim como do loteamento de cargos, sem contar a quantidade infinita de irregularidades administrativas e de governança.
A Operação Lava Jato e outras congêneres estão revelando a perniciosidade macabra (salvo raríssimas exceções) das lideranças políticas e empresarias que comandam a nação, de qualquer modo, só mostram uma pequena parte das bandalheiras de que são capazes, quando o propósito é o enriquecimento rápido delas a qualquer custo. A kleptocracia, manobrando as instituições políticas e econômicas em favor dela, faz muita fortuna com o “lucro Brasil”, que necessariamente tem que ser inserido no “custo Brasil”. O país que, durante 200 anos, fica subjugado à expropriação e às roubalheiras das elites dominantes, não é subdesenvolvido por acaso. Essa é a realidade que devemos enfrentar e modificar. Se nada fizermos, o colapso é mais do que previsível.