Ele chegou a ser confundido por seguranças como um “deputado recém eleito”. Mas João Luiz, nome oficial do músico e escritor Lobão, na verdade teve a entrada autorizada pelo presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), para negociar a possibilidade de os manifestantes acompanharem a sessão do Congresso. Um dos grandes hit makers dos anos 1980, ele brigou com gravadoras, fez lobby por uma legislação de numeração de discos e, inclusive, tocou de graça nos comícios de Lula na campanha de 2002. Após ter furado o bloqueio, ele rodou pela Câmara. Esteve na liderança do DEM, entrou no plenário e ficou quase uma hora no cafezinho, onde atendeu políticos, assessores e tirou fotos com fãs.
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Um dos momentos presenciados pela reportagem foi uma conversa de Lobão com o deputado Pastor Marco Feliciano (PSC-SP). Após o parlamentar paulista se apresentar – “você sabe quem eu sou? Sou o Marco Feliciano” -, os dois conversaram sobre política, a pauta no Congresso e a forma que a política hoje é feita no país. Feliciano disse que o Parlamento precisa de pessoas como o Lobão. Mas o músico franziu a testa para a proposta. Afirmou não se interessar pela política partidária, confessou que lhe falta a “disciplina” para ter um mandato.
“É preciso muita disciplina, minha vida toda está voltada para a música”, comentou. Ainda na tentativa de convencer o músico a se candidatar, o deputado pastor afirmou que o trabalho é apenas às terças e quartas-feiras, que teria os outros dias para fazer o que gosta. Mesmo assim, Lobão não pareceu interessado na proposta. Por enquanto, a militância política como cidadão e artista parece satisfazer João Luiz no momento.
Tão longe, tão perto
Na conversa, Feliciano fez diversas críticas aos grupos que atuam pelos direitos LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros). “Apanhei muito quando presidi a Comissão de Direitos Humanos”, desabafou Feliciano. “Porra, já me chamaram de homofóbico várias vezes. Logo eu, amigo de Cazuza, de Renato [Russo]”, retrucou Lobão. Outro ponto de vista similar ocorreu na educação. Para ambos, existe uma “doutrinação de esquerda” nas escolas.
PublicidadeLobão tem mais quase dois metros de altura. Barba longa grisalha, veste calça jeans mais justa e uma camiseta azul clara. Parece quase despido de vaidade, ao contrário de Feliciano, que usa ternos bem cortados, barba aparada e cabelo alisado. Um é roqueiro, já foi preso por tráfico de drogas e apoiou o PT e o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST). O outro é pastor evangélico e cantor gospel. Mas, no direcionamento político, estão mais próximos do que leva crer a imagem que ambos passam para o público.
Neste momento, Feliciano lamenta já ter tentando conversar com o cantor e não conseguido resposta. Disse ter um bom relacionamento com o filósofo Olavo de Carvalho, o mais citado entre os conservadores brasileiros, mas que não recebeu uma resposta de um tuíte direcionado ao cantor. “Poxa, são tantas as menções [no Twitter]”, respondeu o músico, que em seguida deu seu telefone para o dublê de deputado e pastor da Igreja Catedral do Avivamento, ligada à Assembleia de Deus.
Desilusão
“Eu era petista até 2005”, disse Lobão ao Congresso em Foco, durante conversa de aproximadamente 30 minutos no cafezinho do plenário da Câmara. De calça jeans e camiseta azul clara, o autor de discos seminais do rock brasileiro da década de 1980 como “Cena de cinema” e “Vida bandida”, passou pela liderança do DEM acompanhado pelo deputado Mendonça Filho (PE). Chegou a cogitar acionar o Supremo Tribunal Federal (STF) para que as galerias do plenário fossem abertas. Recusou a proposta de assistir sozinho a sessão, considerou que não seria justo com os outros manifestantes impedidos de entrar.
A desilusão com o PT começou em 2005, quando vieram à tona as relações de Waldomiro Diniz, assessor próximo de José Dirceu, com o contraventor Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira. Os escândalos seguintes, como a corrupção nos Correios e o mensalão, são citados pelo músico como os fatos responsáveis pela da mudança. “Nunca fui muito petista. Eu admirava a honestidade dos caras. Do [Eduardo] Suplicy, do [José] Genoino (risos).” Este período da política nacional reforçou uma desconfiança que começou ainda na escolha de quem tocaria a política cultural do novo governo: Gilberto Gil. Na visão de Lobão, o cantor, um dos ícones da Tropicália e da MPB, trabalharia a favor das gravadoras e do mainstream musical.Nestes nove anos, a desilusão de Lobão só aumentou. Por isso, ao mesmo tempo em que trabalha em um novo disco, para ser lançado no próximo ano. Também escreve um livro, que será lançado pela editora Record. O título provisório é “Vamos tirar o hype do PT”. Não será a primeira aventura literária do artista: em 2010 saiu sua autobiografia, “50 anos a mil”, e, três anos depois, “O manifesto do nada na terra do nunca”, em que ele aborda o que considera como “estado de letargia” do Brasil.
A ideia é que “Vamos tirar o hype do PT” saia em formato de ensaio. Vai mostrar como, na visão do cantor, existe uma “estética de esquerda” que ainda faz sucesso no Brasil. Mas o texto ainda está em rascunho. Aliás, uma das possibilidades que Lobão cogita é lançar um combo com o álbum em vinil e o livro. Inicialmente, o novo disco deve sair pela própria gravadora do cantor, Universo Paralelo. Porém, o formato em vinil seduz, podendo sair separadamente. “Vou conversar com a Record sobre esta ideia [do combo disco e livro].”
Lobby
Não é a primeira vez que o cantor visita o Congresso Nacional em circunstâncias especiais. No início do século, ele mesmo admite ter comparecido diversas vezes para “fazer lobby” pelo projeto que obrigava as gravadoras a numerar os discos vendidos. Quando o mercado ainda era forte na venda de mídia física, uma reclamação recorrente entre músicos era a falta de controle sobre a quantidade de cópias vendidas nas lojas, já que isso influenciava no valor recebido pelos artistas.
Mesmo assim, a visita de hoje teve um contorno de ineditismo. Lobão entrou pela primeira vez no cafezinho do plenário da Câmara, local onde deputados, assessores e jornalistas podem almoçar, tomar café e ter conversas mais reservadas. Parado em um canto, conversou com parlamentares e atendeu a pedidos de foto enquanto esperava seu iPhone carregar. “O cafezinho é pitoresco”, resumiu. Na hora da conversa com o Congresso em Foco, por exemplo, o local estava cheio de parlamentares, que almoçavam enquanto a sessão do Parlamento transcorria.