Congresso em Foco – Agora que a minuta está pronta e nas mãos de lideranças indígenas e do Congresso, quais os próximos passos?
Marivaldo Pereira – A ideia da portaria é solucionar o conflito na demarcação de terras indígenas. Aumentar a transparência e o espaço para quem tenha alguma informação que possa contribuir, criar canais para mediação desses conflitos. O que se busca? Primeiro, preservar o direito de todos os envolvidos, desde as comunidades indígenas, até aqueles que ocupam a área de boa-fé. Segundo, dar mais segurança jurídica e agilidade ao processo de demarcação. Hoje, em razão da ausência de mecanismos para a mediação de conflitos, o processo de demarcação acaba sendo judicializado. Isso faz com que a conclusão demore algo em torno de dez, 20 ou mesmo 30 anos em razão das infindáveis disputas judiciais. A ideia é resolver tudo isso. Por isso, o ministério fez essa minuta de portaria e vem dialogando com as lideranças dos agricultores, os parlamentares inclusive, e também as lideranças das comunidades indígenas, para construir um texto que atenda aos dois lados e induza à redução da tensão.
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Vocês incluíram na discussão ministérios de Minas e Energia, Meio Ambiente e Transportes. Ruralistas e indígenas veem que vocês estão interessados em que o PAC não fique travado por disputas. Há uma preocupação com obras como usinas hidrelétricas e rodovias?
Na verdade, o que se quer é o seguinte: todo órgão que tiver dado que interesse ao processo de demarcação poderá trazer essas informações, que serão consideradas por aqueles que desenvolvem estudo técnico para delimitação da terra indígena. A ideia é cientificar esses órgãos, que, se tiverem algum interesse, vão indicar alguém para acompanhar e trazer essas informações, que certamente enriquecerão o estudo técnico a ser elaborado. A ideia é essa. Não necessariamente se tem o foco em uma política pública ou outra. A Secretaria-Geral e a Secretaria de Direitos Humanos, se tiverem alguma informação, poderão trazer.
De acordo com a minuta, haverá pelo menos três oportunidades de recurso contra a demarcação. O senhor acredita que isso vai apressar esse prazo de dez, 20, 30 anos?
Isso permitirá que os conflitos sejam levantados no momento da discussão da demarcação. Já há a possibilidade de a presidente da Funai provocar uma mesa de diálogo aqui no Ministério da Justiça. A ideia é tratar desses conflitos antes. Aí eu reduzo a possibilidade de judicialização após a portaria de demarcação. É isso que reduzirá esse tempo perdido com a litigância judicial.
A crítica tanto do Cimi quanto do gabinete do Padre Ton, da bancada indigenista, é que o maior número de recursos vai aumentar a demora na criação das terras. Isso procede?
Toda perspectiva da mediação é o contrário. Se você tem uma briga com seu vizinho, onde é mais fácil de resolver? No mediador da esquina, com os dois se cumprimentando e resolvendo o conflito, ou levando o problema para o Judiciário? Um mecanismo de mediação é muito mais ágil. Por mais que se amplie a possibilidade de esse conflito ser antecipado e esclarecido antes, há um ganho de ser solucionado em mesa de negociação. É um ganho infinitamente superior a uma eventual demora ocasionada por essas oportunidades de participação. A possibilidade de todos sentarem em uma mesa é um ganho superior a uma demanda judicial ainda que essa ação seja decidida em única em instância. Hoje o processo vai na primeira instância, segunda, STJ e STF, como o caso de Raposa Serra do Sol.
Mas isso não vai impedir a pessoa de, depois de todo esse processo, recorrer ao Judiciário.
Claro. Mas, sem dúvida alguma, se tenho mediação, vou resolver grande parte dos conflitos. Além disso, quando tenho processo com ampla transparência, ampla possibilidade de discussão, foi tentada uma mediação e ao final tenho o resultado da demarcação, não tenho a menor dúvida que, quando esse processo for questionado judicialmente, será muito mais difícil de derrubá-lo, de ter uma decisão contrária a um procedimento feito dessa forma.
Qual foi o diagnóstico para se chegar a essa proposta?
O diagnóstico é que faltava tornar mais claras as possibilidades de participação. E a grande inovação é a possibilidade de uma mediação desses conflitos, evitando que eles só apareçam depois da portaria de demarcação e que essa discussão seja feita só na Justiça.
Esse prazo de dez, 20, 30 anos se reduzirá para quanto?
É difícil dizer. Quando falamos, dez, 20, 30 anos, esses prazos variam no âmbito judicial e no processo de demarcação, de acordo com a região, com a terra indígena. Não dá pra dizer um prazo. Vai variar de acordo com cada caso concreto. Dificilmente você vai encontrar um caso igual ao outro. Todos têm suas peculiaridades, comunidades, área, forma de ocupação. É muito complexo e não dá pra padronizar.
O deputado Jerônimo Goergen, da Comissão da Amazônia, diz ser pequeno o prazo para os órgãos se manifestarem. A portaria prevê 15 dias para indicar representantes e 30 dias para prestar informações. Isso vai ser mudado?
Dificilmente vamos ter uma proposta que agrade integralmente os dois lados. Nosso papel é buscar o meio-termo, a pacificação. Ao mesmo tempo em que estamos garantindo maior transparência, temos que garantir que o processo ande. Acho que a proposta vai no meio-termo.
A bancada ruralista diz que, em princípio, considera o texto positivo, mas o Cimi declarou que o texto é um “presente” ao agronegócio e que ele não pode ser emendado, mas rejeitado.
Vamos dialogar com eles. Entendemos o texto como um avanço para ambos os lados. Quando se tenta resolver um conflito de forma pacifica, não se pode questionar que isso é um avanço. A portaria é um avanço. Cria mecanismos para o diálogo. Não podemos permitir que a demarcação seja feita fechando os olhos para o conflito. Ao final isso pode resultar em um conflito físico ou uma litigância judicial durante anos e anos. A portaria ela não fecha os olhos, mas abre os olhos para o conflito e traz soluções. É um ganho inestimável. Eu vou concretizar os direitos assegurado às comunidades indígenas, mas sem fechar os olhos para os outros interesses envolvidos, que devem também ser assistidos pelo poder público. No diálogo, vamos avançar. Sempre na tentativa de tentar pacificar.
A portaria vai enterrar a tramitação da PEC 215, que transfere ao Congresso a demarcação das terras? Vai acalmar a bancada ruralista?
A abertura da discussão é uma sinalização do governo de estar empenhado na solução pacifica dos conflitos. A tramitação é uma questão interna do Congresso. Temos posição contrária à PEC. Acreditamos que medidas como essa portaria são o primeiro passo na busca da pacificação e de toda tensão envolvida no processo de demarcação.
A portaria é o meio-termo entre a PEC e a situação atual?
Nós, do Ministério da Justiça, acreditamos que a portaria é um caminho para a pacificação muito mais interessante do que a PEC. Já nos manifestamos pela inconstitucionalidade [da PEC] depois de aprovada. Talvez seja um esforço que não traga nenhum resultado. A discussão da portaria pode ser um esforço muito mais interessante. A pacificação é do interesse das comunidades indígenas e dos agricultores.
Até quando vocês vão esperar para receber contrapropostas à minuta?
Na próxima semana [esta semana] talvez já tenhamos algumas contribuições para refletir sobre elas. Estamos conversando com as comunidades indígenas.
A portaria de fato será publicada quando?
Estamos esperando para ver como a minuta será recebida. Tendo isso, não sei precisar uma data. Estamos começando o diálogo agora.
Além de prefeituras, estados, ministérios, há a previsão de participação de cidadãos ou de entidades da sociedade civil, mesmo a CNA? Ou isso vai estar restrito a órgãos estatais?
É o que está na portaria. Você pode, dependendo da situação da área, se o grupo técnico [da Funai] entender que alguma entidade possa contribuir para esse estudo, ela pode notificar.
O Cimi diz que os outros órgãos chamados a participar do processo de demarcação – prefeituras, estados e ministérios – têm “interesses diametralmente opostos às comunidades”. Isso procede?
Eu não conheço o dia a dia desses órgãos. Se alguém tem alguma coisa a dizer sobre a demarcação, é melhor que a gente saiba durante o processo. Melhor que ser surpreendido depois por decisão judicial. É melhor que tudo que seja dito seja considerado ao longo da demarcação. Se a informação é trazida para o processo, tem caráter técnico e é relevante, tem que ser considerado. Trata-se de um processo. Não tem que olhar quem tem interesse. Se eu recebo uma petição aqui, não tenho que olhar se a pessoa gosta ou não da secretaria. A ideia é viabilizar que qualquer cidadão possa trazer informações e essas informações sejam avaliadas.
Qualquer cidadão vai poder trazer? Não é só esses órgãos?
Os órgãos serão notificados. Hoje, se tem um processo de demarcação, você pode peticionar. Isso é garantido.
O cidadão vai continuar peticionando perante a Funai. Não quer dizer que ele será atendido ou respondido…
É de praxe que se tenha alguma resposta. A diferença é que esses órgãos podem ter alguma informação. Por isso, serão notificado. Agora, pressupor que, de início, um órgão público é contra o interesse… um órgão público não pode ser contra o interesse garantido constitucionalmente.
É melhor reclamar no curso de noivos do que quando o sacerdote pergunta se alguém se calara para sempre?
Exatamente. Essa é a questão.
Como está a situação dos guarani-kaiowá no Mato Grosso do Sul? Vão assentar ou indenizar os agricultores?
Óbvio que a ideia é tratar de todos os conflitos no Mato Grosso do Sul, mas iniciar com a terra indígena Buritis. Estão em uma mesa de diálogo junto com o governador do estado. Estamos discutindo com o governador a fase de conclusão da avaliação da área para depois viabilizar a compensação aos agricultores de boa fé a partir de um acordo judicial.
A compensação é reassentamento ou indenização?
Aí depende do governo do estado. Como ainda está em discussão, não posso dizer.
E sobre os guarani-kaiowá?
Aí tem que ver com a Funai.