Uma parábola conta de uma família que reclamava da casa apertada e para resolver o problema alguém sugeriu como solução colocar um bode dentro da casa. Piorou tudo. Mas quando tiraram o bode, todos se esqueceram dos problemas anteriores e acreditaram que aquele bode era, sim, o problema principal.
No caso da PEC 5/2021, todos se esquecem do texto original, lembrando apenas das deformações realizadas na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania e que tornam o texto verdadeiramente problemático. Com isso, pedem a derrubada integral dela.
Os bodes também prejudicam boas inclusões ao texto como o trecho onde fica definido que, instaurada sindicância ou processo disciplinar contra membro do Ministério Público (MP), a prescrição se interrompe até a decisão final.
O próprio Deltan Dallagnol se beneficiou disso, escapando de um de processo administrativo disciplinar no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) que foi adiado 42 vezes e depois acabou prescrito.
Nos estados
A PEC permite que dois terços do Conselho Superior da Instituição sejam indicados por Procuradores-gerais dos estados, geralmente alinhados aos governadores. Imagine isso em estados como Minas Gerais, alinhado ao bolsonarismo?
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Vide a Prevent Senior que escapou do MP-SP. Walter Correa, ex-médico da Prevent, fez a seguinte declaração durante o seu depoimento na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI): “A Prevent Senior prosperou graças à falha das entidades fiscalizadoras”.
É claro, com esse poder todo, basta um procurador alinhado a um governador mal-intencionado para que a caçada de governadores contra prefeitos proeminentes e de oposição ao respectivo governador se deflagre.
Descontrole
Mas isso não excluí o debate. Precisamos de mecanismos de controle externo ao Ministério Público. Hoje o CNMP mal pune seus transgressores e, do jeito que está, certamente não dá.
Mas o que fazer quando a cúpula do MP se torna um órgão de governo aditivado dos benefícios da vitaliciedade, irredutibilidade salarial e inamovibilidade? Mais, tudo isso municiado com poderes que permitem a criação daquilo que vimos seguidas vezes na lava jato, isto é, a materialidade de provas para dobrar a verdade ao seu sabor.
O descontrole na PGR é tão grande que uma notícia-crime contra o procurador-geral da República Augusto Aras no Conselho Nacional do Ministério Público foi despachada para o gabinete do próprio Aras que prontamente mandou a petição para Senado, onde goza de crédito com os senadores.
A PEC 05/2021 só tornaria absurdos como estes ainda mais corriqueiros e erra da mesma maneira que a lava jato errou, com soluções simplistas para problemas complexos.
Tudo isso é reflexo de um debate que ficou lá atrás, em 2013, quando o país enterrou a PEC 37. Esta buscava incluir a apuração de investigações criminais como atividade privativa da polícia judiciária e deu ainda mais poderes a um MP que hoje se coloca acima das instituições e constantemente se reveza com as forças armadas no imaginário posto de poder moderador.
Esse sentimento de que estão acima das demais instituições fica quando mais claro quando lembramos quem tentou sequestrar a política entre 2013 e 2018.
Exagero? Basta ver como os entusiastas e viúvas da lava jato se comportam nas redes em relação ao debate entorno da PEC, dizendo que o MP é o a peça fundamental no equilíbrio de toda a estrutura do Estado ou guardiões da democracia.
Reforço, em forças armadas, nem Ministério Público são poderes moderadores!
Mas não é abrindo uma avenida para que outros transgressores controlem o MP que isso irá se resolver. Não se cura uma unha encravada amputando o pé.
As alterações na PEC permitem que CNMP revise e anule atos do MP que “interfiram” na “ordem pública, ordem política, organização interna e independência das instituições e órgãos constitucionais”. Mas, qual seria a definição precisa para essas interferências? A amplitude dos termos é problemática e perigosa, quem definiria os atos que interferem ou não?
Não podemos imbuir o PGR de ainda mais poderes justamente pelos episódios que listei acima, a PEC dará autoridade quase que monárquica ao Procurador-Geral para comandar a instituição.
Se todos aqueles que defendem o Estado de Direito ficaram perplexos com o que ocorreu na operação lava jato, isso só tende a piorar com um MP refém das forças políticas de ocasião.
O CNMP que hoje não faz parte da solução, passaria a fazer parte do problema.
E agora?
O Ministério Público deveria ser instado a atuar no que é de relevância para sociedade, punir os seus membros que visam apenas o ganho pessoal, cada vez mais frequentes com procuradores que atuam quase que exclusivamente voltados aos holofotes e slides duvidosos.
A quem interessa a colocação de um bode na sala de uma PEC que em sua essência buscava apenas uma maior democratização na composição do CNMP, algo que é sim importante e urgente?
Os trechos problemáticos servem apenas de combustível para a gritaria dos lavajatistas e setores dentro do MP que se dizem guardiões da democracia enquanto defendem a prisão em segunda instância, fim do foro privilegiado, a produção sistemática de relatórios de inteligência com auxílio da ABIN e as ações oportunistas em pleno processo eleitoral.
Mais uma vez, trago para esta coluna, a reflexão do Promotor de justiça, Haroldo Caetano:
“Um tema que vamos ter de enfrentar é o papel do Ministério Público. A experiência desses pouco mais de 30 anos provou que a concentração de poderes no MP brasileiro, cujo desenho institucional é único no mundo, tornou-se armadilha contra o projeto de 1988”.
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