Há poucos brasileiros com tantos passaportes carimbados como o jornalista Marcos Uchôa. Em 39 anos de carreira, o carioca viajou por 115 países. Cobriu oito guerras, oito Copas do Mundo e dez Olimpíadas. Acompanhou de perto tragédias mundiais, terremotos, tsunamis, eleições internacionais e entrevistou algumas das personalidades mais poderosas do planeta. Repórter especial da TV Globo, Uchôa deixou a emissora no final de 2021 depois de 34 anos de casa. “Fiz de tudo no jornalismo”, concluiu ao anunciar sua “aposentadoria”.
Quatro meses depois o jornalista faz planos de voltar em breve aos holofotes. Não mais como repórter, mas para uma experiência inédita em Brasília, palco maior do jornalismo político no país. Uchôa se filiou nessa sexta-feira (1º) ao PSB, partido pelo qual avalia se candidatar a deputado federal em chapa encabeçada por Marcelo Freixo (PSB-RJ), candidato ao governo do Rio de Janeiro.
Em entrevista exclusiva ao Congresso em Foco, Uchôa diz que, pela primeira vez, ser brasileiro passou a ser algo malvisto no exterior e que as ações do governo Bolsonaro envergonham o país lá fora.
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“A imagem do Brasil lá fora está queimadaça, como nunca imaginei. Nas guerras e nos lugares que cobri, você era muito bem tratado quando dizia que era brasileiro. Agora, quando você diz que é brasileiro, as pessoas dizem que a coisa aqui está feia com Bolsonaro. Nunca tinha passado por isso, ser malvisto por ser brasileiro”, conta o jornalista, que foi correspondente internacional por 15 anos. “Ficamos envergonhados, não tem como justificar. Bolsonaro foi eleito pela maioria, mas também deve respeito a nós. Isso a gente não viu ainda.”
Para ele, as eleições de outubro serão determinantes para a definição do Brasil que queremos. É esse chamado, segundo o jornalista, que tem despertado nele o desejo de abrir mão de projetos profissionais, que lhe renderiam muito mais financeiramente do que o salário de um parlamentar, para ajudar na reconstrução do país.
“As eleições deste ano vão ser muito importantes para a democracia como um todo. É preciso que as pessoas pensem muito em quais são os deputados e senadores que elas querem eleger. O Congresso precisa dar um salto de qualidade, avaliar como deputados e senadores votaram e pensam o Brasil. É este o Brasil que a gente quer?”, questiona, para, em seguida, ele mesmo responder. “Não é este o mundo que queremos. É um momento muito delicado. Se o bolsonarismo crescer e ele sendo reeleito, vai ser muito ruim para o país.”
PublicidadeFilho de um professor universitário e de uma professora de inglês, Uchôa conheceu dentro de casa as amarguras de uma ditadura militar. Criança, viu o pai, o sociólogo Pedro Celso Uchôa Cavalcanti Neto, partir para o exílio. Para encontrá-lo, era despachado com as irmãs pela mãe para países onde Pedro Celso viveu, como Polônia, Estados Unidos, França e Itália.
“A gente precisa parar, ver o que pode fazer. A boa política é conversar com adversários. Nesse aspecto também Bolsonaro manda muito mal. Tem de ter consenso e diálogo. Essa coisa de que o grande líder, o Messias, vai decidir tudo é lamentável. É abdicar de qualquer reflexão. Não há como terceirizar para alguém que se mostrou pouco capaz como presidente da República.”
Antes de se formar em jornalismo, Uchôa cursou um ano de Medicina e outro de Ciências Sociais. Trabalhou em um hotel internacional e em balcões da Air France antes de ter sua primeira oportunidade na extinta TV Manchete. Fluente em sete idiomas (além do português, fala inglês, espanhol, francês, italiano, alemão e russo), Uchôa demonstra entusiasmo em aprender outra linguagem complexa, a da política.
“Sei que tenho muito a aprender, estou longe de ser um repórter da TV Globo de política em Brasília, um Nilson Klava. Entendo mais a teoria do que a prática. Como repórter, já tive de estudar tanta coisa que acho que posso aprender também sobre política, por mais complexa que seja a coisa.” Filiado ao PSB a convite de Freixo, e classificando-se como de centro-esquerda, o repórter decidirá ainda em abril seu futuro político. Mas ressalta que tem os pés no chão. “O fato de ser conhecido não me dá direito de ter expectativa de nenhum “já ganhou”, ressaltou.
Veja a íntegra da entrevista de Marcos Uchôa ao Congresso em Foco:
Congresso em Foco – Depois de uma carreira de sucesso no jornalismo, por que decidiu se filiar a um partido político?
Marcos Uchôa – Estou me filiando porque quero ajudar bastante na candidatura do Marcelo Freixo, de longe o melhor candidato [ao governo do RJ]. O Rio de Janeiro tem um histórico horrível, com cinco ex-governadores presos, um deles ainda na cadeia. O Freixo fez um trabalho muito bom como deputado estadual e, agora, como federal. Além de bom político, é uma pessoa boa. É importante o valor do político e da pessoa.
Falta maior engajamento político por parte do brasileiro?
Neste momento quero me engajar. A gente passou muito tempo no Whatsapp, batendo panela, mas isso é pouco. Este ano vai ser muito importante para a democracia como um todo no estado e nacionalmente. É preciso que as pessoas pensem muito em quais são os deputados e senadores que elas querem eleger. O Congresso precisa dar um salto de qualidade, avaliar como deputados e senadores votaram e pensam o Brasil. É este o Brasil que a gente quer? Está faltando conversa sobre isso, sobre o que queremos para o nosso bairro, nossas cidades, nossos estados e nosso país. Em termos de meio ambiente, economia, política social, esse discurso antivacina, essa agressividade… é isso que a gente quer? Não é este o mundo que queremos. É um momento muito delicado. Se o bolsonarismo crescer e ele sendo reeleito, vai ser muito ruim para o país.
Por quê?
Fui correspondente internacional por 15 anos. A imagem do Brasil lá fora está queimadaça, como nunca imaginei. Nas guerras e nos lugares que cobri, você era muito bem tratado quando dizia que era brasileiro. Agora, quando você diz que é brasileiro, as pessoas dizem que a coisa aqui está feia com Bolsonaro. Nunca tinha passado por isso, ser malvisto por ser brasileiro. Trump, Orban, Erdogan, Putin, há no mundo vários exemplos de políticos que valorizam esse tipo de discurso desrespeitoso para minorias, ou maiorias. Quando você vê a guerra entre Ucrânia e a Rússia, você prefere estar do lado de um país que, bem ou mal, é democrático ou de um país que decide tudo com verniz de democracia. A Rússia tem partido, eleições, Judiciário e midia, mas está tudo nas mãos do Putin. A gente enxerga esse processo na eleição do Bolsonaro. O STF tem papel preponderante, o Congresso em alguns momentos e a mídia também, mas o ataque sem parar do Bolsonaro e do pessoal dele é assustador.
Você pretende se lançar candidato este ano?
Esta não é uma eleição qualquer e, por isso, estou me filiando e avaliando uma candidatura. Seria a deputado federal porque minha experiência de vida tem mais a ver com pensar o país. Não estou decidido ainda. Este mês eu devo decidir. Estou mergulhando em uma piscina na qual nunca mergulhei, nunca trabalhei na cobertura política em Brasília.
Quais suas primeiras lembranças da política?
Meu pai, Pedro Celso Uchoa Cavalcante Neto, era militante estudantil em 1964, muito ligado a Brizolla. Com a ditadura, virou exilado político. Minha mãe e ele se separaram. Minha mãe me mandava visitá-lo na Polônia, na França, na Itália, nos Estados Unidos, onde ele estivesse. Meu pai não tem ligação direta com a política hoje, continua dando aulas nos Estados Unidos, mas mora no Brasil. A ditadura me privou do meu pai. Isso mostra como a democracia afeta diretamente a vida das pessoas, inclusive na sua história pessoal. Mas, como cidadão, falando de política com P maiúsculo, tem a ver com esse incômodo de vivemos em um país com tanta gente pobre, que não consegue sobreviver. Estamos vendo pessoas em fila para pegar ossos. Não precisávamos passar por isso. Os últimos dez anos foram ruins.
Como mudar isso?
A gente precisa parar, ver o que pode fazer. A boa política é conversar com adversários. Nesse aspecto também Bolsonaro manda muito mal. Tem de ter consenso e diálogo. Essa coisa de que o grande líder, o Messias, vai decidir tudo é lamanetavel. É abdicar de qualquer reflexão. Não há como terceirizar para alguém que se mostrou pouco capaz como presidente da República. Ele começou o governo detonando os países árabes, parceiros comerciais importantes, dizendo que ia colocar a Embaixada do Brasil em Jerusalém. Depois xinga a China, nossa maior parceira comercial. Xinga o Biden e se aproxima de Trump. Xinga a Argentina. Não há um mínimo de inteligência. Ele tem todo direito de não gostar, mas é presidente de um país que tem relações econômicas. Isso é uma coisa óbvia, você não xinga seus fregueses. Quem tem uma birosca, um butiquim, sabe que não pode tratar mal os seus fregueses.
Qual o seu sentimento quando vê isso?
Ele abraçar Putin na guerra com a Ucrânia provoca um sentimento de vergonha a muitos brasileiros. Ficamos envergonhados, não tem como justificar. Bolsonaro foi eleito pela maioria, mas também deve respeito a nós. Isso a gente não viu ainda. Na pandemia, isso ficou muito escancarado. Esse é o sentimento de muita gente em alguns momentos. Muita gente pode ter votado nele em um momento anti-PT. Acho razoável esse sentimento naquele momento. Hoje não dá para entender, nem digo aceitar. Não dá para entender alguém achar que esse cara é bom presidente para o Brasil. Ele detona a Amazônia. A União Europeia, importante parceira comercial nossa, diz que não vai comprar de nós se continuarmos fazendo isso. Entrei apenas na seara da questão financeira. Isso se reflete na economia do dia a dia, na falta de emprego, no subemprego ou no emprego que paga mal porque você não tem para onde correr. Tudo gera um clima muito ruim para o país.
No Rio de Janeiro a situação não é boa…
O Rio de Janeiro está muito mal. Essa festa com 2 mil pessoas do governador [Cláudio Castro], com camarão e uísque. Como podem fazer isso num momento como esse? Em lugar público, com artista tocando e recebendo. De onde veio o dinheiro? Ele diz que os secretários pagaram. Uma festa dessa nunca menos que R$ 1 milhão. Quanto ganha um secretário? É muito chocante a desfaçatez, a falta de pudor de fazer essas coisas com uma população tão sofrida como é a brasileira como um todo.
O país paga pela omissão da sociedade?
Isso precisa mudar. Temos um nível altíssimo de competência em todas as áreas no país. Ninguém vai fazer nada? Quando você fala isso está se omitindo, porque você também é alguém. Isso me motiva a me filiar e a pensar com carinho em uma candidatura. Muita gente diz que sou repórter e que fiz coisas legais. Tenho propostas boas de trabalho, com salário muito melhor que de deputado. Mas acho que tem hora que temos de pensar nos outros.
É maior hoje sua propensão a se candidatar ou não?
Hoje ainda estou em dúvida se me candidato: 50% para cada lado.
Qual sua relação com Marcelo Freixo, que é o candidato do seu partido, o PSB, ao governo do Rio?
Estive poucas vezes com o Freixo. Almocei com ele no Rio quando era correspondente em Paris. Almocei com ele e a minha mulher, em 2012 ou 2013, ele era deputado estadual. O tempo passou. Acompanhei a história dele na CPI das Milícias. Estive com o Freixo no fim do ano passado, conversando sobre as coisas da política. Foi quando surgiu essa conversa e ele me sugeriu a ideia de candidatar.
Você acompanhou eleições em vários países. Que tipo mais de coisa o incomoda na poítica brasileira?
A política é uma coisa que me interessa. Sempre me interessou no mundo. Cobri muitas eleições fora do Brasil. É um tema que foi ficando mais incômodo na medida em que o país foi piorando. Mas vejo que é possivel melhorar. O nosso dinheiro está sendo usado para esses atos de campanha. O ex-ministro Marcos Pontes apareceu em rede nacional dias atrás porque ele é candidato. É feio isso. Eu cobri o lançamento espacial dele no Cazaquistão. Não era o ministro da Saúde falando em rede nacional sobre a pandemia. Era o ministro da Ciência e Tecnologia de um governo que cortou quase todo o dinheiro para a área. O que ele fez? Esse negócio do orçamento secreto do Congresso também é muito feio. A coisa pública tem de ser transparente, porque é dinheiro de todo mundo, precisamos saber quem fez, como e quando. Fica difícil aceitar uma coisa dessa. É como se estivessem reproduzido mecanismos corruptos de maneira quase oficial.
Você é considerado uma referência no jornalismo brasileiro por muitos colegas. Não teme que a política faça as pessoas esquecerem da sua trajetória de sucesso no jornalismo?
Várias pessoas já me disseram para não me candidatar, que vou me queimar. Mas parte da culpa por essas coisas que estamos vivendo vem da omissão. A imprensa também erra muito, ao não diferenciar os bons políticos dos maus políticos, como se todos fossem ruins. O fato de ser conhecido não me dá direito de ter expectativa de nenhum “já ganhou”, é uma disputa. Sei que tenho muito a aprender, estou longe de ser um repórter da TV Globo de política em Brasília, um Nilson Klava. Entendo mais a teoria do que a prática. Como repórter, já tive de estudar tanta coisa que acho que posso aprender também sobre política, por mais complexa que seja a coisa.