A maior parte dos cidadãos utiliza serviços públicos todos os dias, seja pegando um ônibus no seu município, seja utilizando indiretamente o serviço da vigilância sanitária quando vai a um restaurante. Porém, esses dois serviços públicos têm uma diferença fundamental: um é pago e o outro não. Isso acontece porque na maior parte do país, quem administra a operação de ônibus são empresas privadas que ganham uma concessão da prefeitura para prestar o serviço e em troca cobrar por ele, já a vigilância sanitária é prestada pela ANVISA, dentro do arcabouço do sistema único de saúde, em conjunto com os órgãos estaduais e municipais.
Parece justo, porém, essa cobrança tem um grave problema: ela deixa parte da população de fora. E é justamente a parte que mais precisa, a que não pode pagar. Além desta, há outra questão fundamental: se o transporte é um direito social, inscrito no artigo 6º da Constituição, negar o acesso a quem não pode pagá-lo, é equivalente a criar cidadãos que têm menos direitos, ou de segunda classe.
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Porém, nosso objetivo não é falar sobre transporte e nem sobre vigilância sanitária. A principal questão a ser debatida é a prestação de serviços públicos que cheguem a toda a população, sem discriminar nenhum cidadão por raça, cor, gênero, orientação sexual, ou qualquer outra especificidade.
Imagine se para entregar a declaração de ajuste anual do imposto de renda, os cidadãos precisassem procurar um aplicativo de uma empresa privada. Em primeiro lugar, seria necessário saber se tal aplicativo é confiável, e não apenas um meio de pessoas mal intencionadas roubarem seus dados. Depois, verificar de algum modo se a empresa realmente teria o convênio com a Receita Federal, e se ela tem capacidade de entregar essas informações do modo exigido pelo órgão. E, por fim, precisaria pagar para baixar esse aplicativo, ou fazer sua declaração em meio a uma série de anúncios.
Ou pior, se um cidadão em situação de pobreza que necessitasse fazer seu cadastro em um programa social, como o Auxílio Emergencial ou o Auxílio Gás, precisasse pagar pelo acesso ao Cadastro Único. Isso impossibilitaria o cidadão de ter acesso ao seu direito, um ataque à cidadania e, por consequência, à democracia.
Acreditem ou não, esse pesadelo virou realidade no Rio de Janeiro. De acordo com matéria publicada no Globo.com, o Detran local firmou convênio com os cartórios para emissão da carteira de motoristas que por sua vez cobram uma taxa adicional pelo serviço. Ao invés de investir na transformação digital, optou pela privatização branca como solução para evitar as filas dos agendamentos que encarece a prestação de serviços, prejudicando seu acesso à população mais pobre.
É buscando evitar situações como essas que funcionários da Dataprev e do Serpro – empresas públicas de tecnologia da informação que mantêm mais de 5 mil serviços aos cidadãos – se uniram na campanha Salve Seus Dados.
É preciso que a população saiba que, com a privatização das empresas, uma série de importantes mudanças podem acontecer no acesso aos serviços públicos. Mas não só, também haverá mudanças em relação a guarda e segurança de seus dados pessoais, empresariais e até sobre a soberania do próprio país em que vivem.
Pela natureza do trabalho que realizam – fornecer ferramentas digitais para diversos órgãos e empresas do governo – Dataprev e Serpro não são tão conhecidas pela população como a Petrobras ou a Eletrobras. Contudo, elas fazem parte de uma concepção de País democrático, que segue a constituição de 1988, que preconiza o acesso à cidadania para a realização plena da democracia. E são imprescindíveis para que o futuro do Brasil siga democrático.
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