por Délber Lage*
Não há dúvidas de que a concessão de crédito é um motor relevante para a economia, particularmente quando concedido de forma sustentável. Para as famílias, sua disponibilidade pode representar incentivo ao consumo e melhoria no seu bem-estar como um todo. É por esta razão que o governo tem prestado especial atenção à questão e buscado formas de incentivar a competitividade no setor – o que inclui oferta de crédito em condições mais favoráveis.
O crédito consignado, neste contexto, destaca-se como uma das mais importantes linhas de crédito dos brasileiros – ficando atrás apenas do crédito imobiliário. A tradicional linha de crédito, cujas origens remontam à década de 1940, ainda no governo Dutra, representa hoje uma injeção considerável de recursos na economia, ficando na ordem de 634 bilhões de reais em 2023. Os valores concedidos para trabalhadores com carteira assinada, neste mesmo ano, chegaram a 41,3 bilhões de reais.
As declarações do governo, particularmente via Ministério do Trabalho, de que serão adotadas medidas para promoção e incentivo do consignado privado não soam, nesse sentido, como surpresa. De fato, uma eventual adoção de ajustes para a promoção do setor possivelmente terá um impacto muito positivo para os trabalhadores e suas famílias.
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No entanto, a forma vaga com que tais ajustes foram anunciados e a correlação destes incentivos com o fim do saque-aniversário são elementos dignos de nota, e um debate mais profundo acerca da questão merece ser realizado.
De acordo com o governo, o novo modelo do consignado privado seria uma contrapartida ao fim do saque-aniversário. A intenção com as mudanças propostas e a centralização dos pedidos do consignado privado na plataforma do FGTS Digital, segundo o Ministério do Trabalho e Emprego, é aumentar o acesso ao crédito e baratear o custo do empréstimo. Como consequência dessa mudança, e com o fim do saque-aniversário, o governo viabilizaria – em tese – uma alternativa de crédito mais em conta para os trabalhadores, ao mesmo tempo em que preserva as reservas do fundo, também utilizadas para financiamento habitacional.
Apesar de igualmente relevantes, as pautas do incentivo ao consignado privado e do fim do saque-aniversário não deveriam ser tratadas como equivalentes, e a promoção de uma não substitui a extinção da outra. Isto porque, por exemplo, o consignado privado e o saque-aniversário possuem valores e finalidades distintos: enquanto o ticket médio do crédito consignado privado varia entre R$12 a 25 mil e é utilizado, em sua maior parte, para custear uma obra ou comprar um carro novo, o do saque-aniversário fica em torno de R$ 1.500 a R$ 2.000, servindo para demandas mais imediatas e de rotina.
Portanto, a correlação entre as duas agendas parece mais uma necessidade de justificativa (e/ou contrapartida) do governo para o fim do saque-aniversário do que decorrente de uma eventual sobreposição das linhas de crédito. Dessa forma, é importante que os debates ocorram de forma apartada, e que a viabilidade da adoção de uma ou outra medida seja definida em relação a seus próprios méritos e consequências esperadas.
No que se refere ao consignado privado, o principal ponto a ser debatido é a operacionalização das medidas que foram anunciadas pelo governo. Se, por um lado, ninguém pode contestar a premissa de que medidas de incentivo e maior competição no setor são benéficas, por outro há muito que se discutir sobre como os resultados esperados podem ser alcançados.
Dentre inúmeros questionamentos, alguns saltam aos olhos. É importante, por exemplo, que se estabeleça como a implementação ocorrerá na prática. Se os trabalhadores poderem se valer tanto do marketplace a ser criado no FGTS quanto dos canais tradicionais à sua disposição, eles de fato terão mais alternativas, e poderão optar por aquela mais conveniente à sua necessidade naquele momento. Por outro lado, se o governo optar por centralizar e canalizar no FGTS digital toda a originação do consignado privado, os trabalhadores poderão sofrer com tempos de oferta muito maiores do que os disponíveis em outras opções, além de perderem a possibilidade de taxas mais customizadas para seu perfil ofertadas pelas instituições financeiras, por outros canais.
Questionamentos semelhantes devem ser colocados em relação à infraestrutura de tecnologia para viabilizar de forma eficiente um volume tão alto de transações; às rotinas dos RHs e tratamento de inconsistências entre a plataforma do FGTS e os ciclos de folha de pagamento; e, por fim, à avaliação, pelas instituições financeiras, do risco da empregadora – fundamental para a definição da taxa de juros do consignado.
* Délber Lage, CEO da Salary Fits, Doutor pela PUC Minas, professor e advogado
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