Ergon Cugler*
Após a desarticulada operação do Executivo para liberação do auxílio emergencial para trabalhadores informais e desempregados, a linha de crédito de R$ 40 bilhões oferecida às empresas para evitar demissões durante a pandemia da covid-19 tem seu alcance limitado aos que mais precisam, pois, mesmo com mais de um mês desde sua publicação via Programa Emergencial de Suporte a Empregos (Pese), apenas 1% do crédito total (R$ 413,5 milhões) foi liberado para as pequenas e médias empresas (PMEs) garantirem os salários de seus funcionários.
Dentre detalhes da Medida Provisória (MP) 944/2020, a obrigatoriedade de folha de pagamento processada em banco participante do programa tem impossibilitado milhares de PMEs de receberem o crédito. Isto é, da estimativa de 1,4 milhão de empresas e 12,2 milhões de trabalhadores que teriam acesso à linha de crédito, apenas 19,3 mil empresas (1,3%) e 304 mil trabalhadores (2,5%) conseguiram garantir a manutenção do salário através do programa.
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Segundo o presidente da Câmara dos Dirigentes e Logistas (CDL) do Distrito Federal, José Carlos Magalhães Pinto (em entrevista) cerca de 95% das empresas estão tendo dificuldade em acessar a linha de crédito. O crédito do Pese é exclusivo para empresas com receita bruta anual superior a R$ 360 mil e igual ou inferior a R$ 10 milhões, com destinação obrigatória à folha de pagamento e teto de dois salários mínimos (R$ 2.090) por funcionário.
Novamente
No mesmo fôlego, com a aprovação do auxílio emergencial na Câmara e no Senado em abril, a cena se desdobrou entre o Executivo tentando puxar para si a iniciativa da destinação de recursos (de R$ 600 por pessoa) e o Congresso alertando que se o Executivo quisesse, teria preparado Medida Provisória para liberação de recursos antes da aprovação do projeto no Legislativo.
Ainda assim, mesmo com a aprovação no Senado, passaram-se dois dias para então o Executivo sancionar a medida (Lei 13.982/2020), apontando ainda que seria necessária uma nova Proposta de Emenda à Constituição para se somar à Medida Provisória e ao Decreto ainda em elaboração pelo Governo Federal.
PublicidadePorém, um estudo do Ipea, trouxe à luz que, dentre 59,2 milhões de brasileiros aptos para o auxílio, 48,3 milhões (81,7% do total) poderiam ter recebido o recurso de imediato, destoando da retórica do Executivo. Na disputa da narrativa, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, chegou a afirmar que “o fim do isolamento [propagado pelo Executivo] foi pressão da Bolsa de Valores”, fazendo o Executivo postergar a aprovação de medidas que mantivessem as pessoas em suas casas.
“E daí?”
Por enquanto, a limitação do Programa Emergencial de Suporte a Empregos impossibilita R$ 39,5 bilhões em linha de crédito, enquanto, no cenário de menor agilidade do Executivo em empenhar esforços em localizar os beneficiários fora do Cadastro Único para o Auxílio Emergencial, a retenção – ou, o recurso que o Executivo deixa de investir -, significam outros R$ 20 bilhões, inviabilizando, apenas com o Auxílio, o recurso para mais 8,8 milhões de famílias (aproximadamente 23,9 milhões de pessoas).
Ambos recursos, imprescindíveis para a superação da crise multidimensional que enfrentamos, seguem com a burocracia anunciada como impeditivo para seu acesso. Ocorre que, muito além da retórica, o Executivo parece apostar na omissão como estratégia para postergar o auxílio aos trabalhadores para testar a fome da população, jogando a culpa na burocracia para ver quem volta à postos.
Dentre legislações relacionadas, as de flexibilização e suspensão de trabalho seguem sem impeditivos burocráticos para sua execução, exemplo à Medida Provisória 927/2020 (flexibilização dos requisitos e prazos para teletrabalho e banco de horas, antecipação de férias e feriados, etc.) e à Medida Provisória 936/2020 (suspensão do contrato e redução de jornada e salário).
Alternativas não faltam. Para a liberação da linha de crédito às empresas cabe a ampliação imediata do Programa às PMEs que cumprem sua folha de pagamento em outras modalidades, tal como aos funcionários que recebem seus salários em dinheiro, em cheque ou bancos fora do cadastro do Pase. Para o auxílio emergencial, a mobilização de demais instituições para processamento e disponibilização dos recursos é etapa inicial para reduzir as volumosas filas que se transformam em aglomerações enquanto a orientação é de isolamento social.
Independente da estratégia, a omissão do Executivo evidencia-se cada vez mais por especialistas que, mesmo dispostos a somar nas arenas de combate aos efeitos da pandemia, seguem distanciados pelo Governo da condução de políticas que demandam de expertise diversa e unidade nacional. Já se sabe que “quem tem fome, tem pressa”, no entanto, junto à tragédia anunciada, aprendemos da pior forma, como a ingerência em posse do Estado potencializa a letalidade durante a crise.
*Ergon Cugler é pesquisador da Universidade de São Paulo (USP), associado ao Observatório Interdisciplinar de Políticas Públicas (Oipp) e ao Grupo de Estudos em Tecnologia e Inovações na Gestão Pública (Getip).
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