Ainda estou me decidindo se morro ou não de cirrose, a turma aqui em casa não ia achar a menor graça, então lembro que li no Reinaldo Morais que se ele tivesse de parar de beber, cheirar e fazer jogging logo cedo todo dia, a vida não teria a menor sentido (ou algo assim). Tentei procurar a frase exata naquele romance dele de duzentas mil páginas, mas é a coisa mais perdível do mundo, leu, gostou, valeu, mas pra retornar a ela, impossível, no entanto, tenho absoluta certeza que ele disse isso muito melhor do que eu estou tentando dizendo agora, enfim com mais ou menos o mesmo significado/e quem se importa com significados, porra? Quem está falando em significados, porra? Eu queria a frase exata, precisava da frase exata, aliás estou sempre precisando de alguma coisa urgentemente, feito o Nöll naquele conto do caralho que absolutamente você não leu, claro, então é bobagem ficar fazendo esse tipo de citação, aludir a algo que ninguém lembra ou sabe ou leu, é uma merda, o mundo vai se tornando um bocado restrito assim, sabia, cara?E não adianta nada se emputecer, não adianta mesmo.
Sem contar que estou ficando literariamente afásica , troco todas as letras quando escrevo, deve ser efeito ANTECIPADO da cirrose da qual ainda não me decidi se morro ou não, até porque segundo minha hepatologista, uma baiana maravilhosamente arretada, tenho essa hepatite C há uns 20 anos, é mole?Peguei onde? Tem que ser contato tipo sangue com sangue contaminado, mas pelo que eu saiba nunca dei o cu, mesmo assim, just in case, fiz exame mas néca de Aids, maravilha, ao menos isso, então pelo sexo não foi. Nunca tomei transfusões de sangue, jamais, de forma que só restam meus malditos tratamentos dentários, uma sangueira do caralho, prótese que cai não cai, arranca não arranca, balança e cai e sangra, sangra mais. Deve ter sido por aí. FOI AÍ, porra.
Mas que interessa agora onde e como, porra, se mediante os fatos preciso me decidir se morro ou não de cirrose hepática; lendo a biópsia cientifico-me que em vários setores do fígado estou com necroses de terceiro grau, um record e tanto, baby, sem contar que sou alcoólatra há uns 30 anos, daí pra mais. Paralelamente (algo que, claro, nada tem a ver) com o fato de meus dentes SEMPRE terem sido frágeis, problemáticos, desde, sei lá, Então a gente liga as duas coisas e crau: um Sherlock rápido. Pena que não seja ficção. Pra ler nas férias.
E pensa que sinto Mágoa ou Remorso ou Arrependimento ou alguma merda no gênero? De forma alguma, o fato é que PRECISO CONTINUAR BEBENDO, só assim a vida faz algum sentido. OK, ok. Não sou nenhum cônsul britânico em Quauhnahuac/ México tipo Under The Volcano (aliás um puta filme, o último do John Huston), desses caras que, quando em cana, bebiam mescal no penico, íntimos de flagrar abutres em lavatórios: Malcolm Lowry aterroriza qualquer aspirante a dipsomaníaco, podem apostar. E imaginar que foi o Osman Lins, abstêmio de carteirinha, que me deu esse livro “pela qualidade literária” através da Julieta, aquela mulher metida dele. Sei. Under the Volcano foi uma espécie de pito literário – para mim largar mão de ser drogada e alcoólatra e dar vexame perante a patota literária chiquérrima que frequentávamos nos anos 80 e à qual eu só pertencia devido a meu talento in-so-fis-má-vel.
Ok,ok, você fica mudando de assunto e não decide se morre ou cuida da porra dessa cirrose a caminho – ou será da morte a caminho? Engraçado, ficou fashion dizer que as coisas “estão a caminho” – in coming! – outro americanismo de merda, será que brasileiro não sabe pensar na própria língua? supondo que ele pense, claro. Quanto a você, pense e decida se morre ou não de cirrose, é simples, uma elementar operação decisória.
Bom. Digamos que, provisoriamente, estarei me decidindo nos próximos seis meses (minha hepatologista arretada vaticina que, já que tenho essa merda há 20 anos, seis meses a mais ou a menos não farão grande diferença). E me libera profilaticamente uma garrafa de vinho a cada 24 horas. Nada mal. Protelemos, pois.
Ah, Márcia, você adora acostamentos quando o automóvel estaria pronto para a viagem! Um cara, meu primeiro psicanalista, me disse isso: você tem dinheiro no banco e não saca.
Mas, profeticamente, respondi a ele num conto que escrevi aos 34 anos (uma frase que só AGORA fez sentido): se não estivesse ferida, estaria voando. Então, eu te desmascaro, espertinho, não tem mais graça. Definitivamente não. Por isso vou continuar me decidindo, etc. E vamos considerar isto uma obra em progresso (a work in progress), fui clara?
(1) Dou um doce pra quem adivinhar o quê eu estaria homenageando com este nome!
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