José Boaventura Santos*
O tiro disparado pelo vigilante Pedro Gonçalves de Almeida, empregado da empresa GP, na agencia Bradesco de São Miguel Paulista, bairro da zona leste da capital paulistana no ultimo dia 06 de maio deste ano contra o aposentado Domingos Conceição dos Santos, que o levou a óbito, dias depois, ferindo ainda outro cliente do banco, como de costume, levanta um debate fundamentalmente focado na capacitação e preparo dos vigilantes.
Por esse enfoque, a imprensa, a polícia, os “especialistas”, guiam a opinião pública, para apontar o culpado e repetir o “mantra” da condenação imediata, fácil, simplista, condenando o autor da fatalidade como seu único e exclusivo responsável, sem qualquer outra preocupação de investigar as suas efetivas razões e causas.
O pior é que essa condenação, além de superficial e apressada contra o autor do disparo, aponta seu dedo inquisitório para toda a categoria, agravando os sintomas que têm levado alguns colegas ao adoecimento mental e emocional, conseqüência das pressões do ambiente de trabalho e da completa falta de apoio operacional, pessoal por parte das empresas empregadoras, sem contar a ausência de qualquer forma de apoio psicossocial ou mesmo clínico.
O vigilante tem uma condição de preparo relativamente razoável, algumas vezes bem melhor do que certos setores policiais. Além do curso de formação e do atestado da sua idoneidade moral e criminal, tem de se submeter a exame psicológico no momento da formação e a cada dois anos, baseado em requisitos fixados nacionalmente pelo Ministério do Trabalho e pela Policia Federal.
Os problemas começam a partir daí.
A preparação é genérica, não específica. Assim, um vigilante formado pode laborar tanto num banco, como num hospital, numa escola ou mesmo num cemitério, setores com características completamente diversas. Cada um exige perfis pessoais e psicológicos bastante específicos.
No ambiente bancário, o vigilante lida com um nível de pressão altíssimo. Num dos maiores bancos brasileiros, como ocorrido há pouco tempo, se acontece um assalto e os vigilantes seguem todos os procedimentos, o banco exige que a empresa afaste esses vigilantes de qualquer uma das suas agências. Resta para estes trabalhadores a seguinte conclusão: no caso de um assalto neste banco, o vigilante tem três opções: matar, morrer ou ficar desempregado.
A porta de segurança é um instrumento importante e indispensável para o trabalho do vigilante numa agência bancária, mas a convivência com este instrumento é outro elemento de estresse cotidiano para o trabalhador. No estudo publicado pelo Professor Carlos Carrusca (Assédio: do moral ao psicossocial) é registrado o seguinte diagnostico:
“… a presente pesquisa evidenciou que, em alguns casos, tais sistemas podem ser geradores de conflitos interpessoais e desgaste emocional para vigilantes…” (pag. 180).
Na mesma obra, um vigilante entrevistado declara:
“ O estresse pra mim é o nervosismo que as pessoas transmitem para gente. A pessoa chega nervosa, desconta em você. Aí você fica … não tem nada a ver com aquilo… aí chega outro e faz a mesma coisa… aí chega outro e faz a mesma coisa… aí, aquilo ali vai te … dando… vai te enchendo. Você vai querer… chega uma hora que você não agüenta, você estoura …” (Vieira, Carlos Eduardo Carrusca- Assédio: do moral ao psicossocial- Editora Juruá/2008, pág. 68).
Como então se dá a relação empresas/bancos e a capacitação, apoio e acompanhamento psicológico dos vigilantes? Para os primeiros, o exame (em sua maioria, muito superficial, por sinal) a cada dois anos é suficiente e seguro para atestar a manutenção das condições de um vigilante. Consideram-no um “certificado de garantia”, imutável, como se a mente humana, as condições subjetivas, as pressões cotidianas no trabalho, os problemas pessoais ou de foro íntimo não causem nenhuma alteração nas condições emocionais indispensáveis na lida diária e no mister de oferecer segurança a pessoas e ao patrimônio.
E, se um vigilante alega para sua empregadora (como registrado nos Sindicatos com freqüência) num determinado dia que não se encontra em condições de permanecer numa agência portando uma arma? Sem dúvida, a grande maioria das empresas dirão que este trabalhador está procurando folga.
Em verdade, a grande maioria das empresas não possui nenhuma forma de apoio técnico e operacional, tampouco psicológico ao trabalhador. E o apoio é assim apontado na obra do Professor Carrusca:
“Uma questão que fica particularmente evidenciada neste estudo é a relevância do suporte psicossocial ao trabalhador, fator que contribui para a manutenção da saúde mental”(pág.181).
O colega da GP acusado de fazer o disparo tinha mais de 10 anos de emprego na mesma empresa, sem qualquer anormalidade registrada.
Despreparo ou falta de treinamento, com certeza, não pode ser apontado de forma simplista como elemento para a condenação do vigilante Pedro. Ele, como muitos outros vigilantes é também vítima do descaso de empresas e bancos por falta de apoio operacional e psicossocial.
*José Boaventura Santos é presidente da Confederação Nacional dos Vigilantes
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