A conversa aconteceu poucos minutos antes do início do discurso de despedida de Gleisi Hoffmann no Senado. Comentava um peemedebista: A mulher declara publicamente que Palocci tem de sair do governo. Pede claramente a cabeça do companheiro. E ganha como prêmio o cargo dele. Em seguida, o peemedebista abre os braços e conclui: Como é que pode querer vir cobrar da gente fidelidade e lealdade depois disso?
Eis aí a reação não declarada publicamente. Após o discurso final de Gleisi no Senado, os apartes foram vários. E todos elogiosos. Mas nos corredores, era da forma descrita acima que os peemedebistas reagiam. Conheço Gleisi há coisa de vinte anos ou mais, quando ela era a principal assessora do então deputado Paulo Bernardo. Já extremamente competente, uma das primeiras pessoas a saber ler as informações do Sistema Integrado de Acompanhamento Financeiro (Siafi) e extrair dali denúncias contra o governo ao qual então fazia oposição. Ou seja: para quem a conhece, a trajetória de Gleisi não é nenhuma surpresa.
E é o que ela vinha demonstrando na sua primeira experiência como parlamentar no Congresso. Mas é daí que vem o primeiro problema: ela é uma política com pequena experiência. Como ela mesma fez questão de dizer na sua primeira entrevista após a escolha, Gleisi não terá condições de exercer o comando da articulação política como era atribuição de Palocci. Somando esse fato com a reação não declarada dos peemedebistas, fica claro que a saída de Palocci e a entrada de Gleisi terão de ser apenas o primeiro passo para uma série de mudanças, uma reformulação mais profunda. Por enquanto, só a entrada de Gleisi coloca o governo naquele refrão da canção de Caetano Veloso: Tudo certo como dois e dois são cinco.
Antes de qualquer coisa, Gleisi terá que ter habilidade para desfazer a imagem referida pelo peemedebista do primeiro parágrafo. O processo vivido por Palocci é reflexo do quão longe o PT é capaz de ir nas suas disputas internas. Ok, Palocci ficou imensamente rico em curtíssimo tempo e mostrou-se incapaz de demonstrar que isso tenha acontecido de uma forma inteiramente regular e lícita. Mas como é que ficamos sabendo disso? Dentro do governo, não há muita dúvida do caminho: foi fogo amigo, a denúncia, desconfia-se, saiu de dentro do próprio PT.
Se foi assim mesmo, saiu de dentro do próprio PT a denúncia que derrubou o principal ministro de Dilma e desestabilizou o seu governo. Na véspera da troca, o PT recusa-se a assinar uma moção de apoio a Palocci proposta pela senadora Marta Suplicy (SP). E petistas, como a própria Gleisi, externaram a opinião de que ele tinha de deixar o governo. Daí o raciocínio peemedebista: o PT trama a queda de Palocci, recusa apoio a ele, cria um desgaste para o governo e sai premiado por isso; como poderá cobrar lealdade dos demais parceiros?
Ao escolher Gleisi como substituta de Palocci, Dilma está repetindo com todas as letras a estratégia de Lula na queda de José Dirceu. Da mesma forma, trocou o mesmo superpoderoso ministro da Casa Civil por uma mulher com fama de competente dando a ela a tarefa de exercer a gestão das ações de governo. Tomara que não, mas o velho Karl Marx acreditava que a história só se repete como farsa.
Afastando-se Gleisi da articulação política, o governo terá, então, de refazê-la completamente. Diminuído numa estrutura em que o protagonismo era de Palocci, o ministro das Relações Institucionais, Luiz Sérgio, não tem a menor condição de herdar sozinho o papel de se relacionar com o Congresso. Ele hoje não é respeitado nem dentro do governo. Ganhou o apelido de ministro garçom: a única coisa que faz é anotar pedidos.
O PT exigirá que o cargo continue no partido. Mas quem hoje no PT, tirando aqueles que se queimaram nos mensalões da vida, tem capacidade de articulação política com o Congresso? E se a tarefa passar para o PMDB, o governo, o PT e mesmo os demais parceiros aceitarão esse aumento de poder dos peemedebistas?
E há ainda outros problemas. O líder do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza (PT-SP), está em rota de colisão com o líder do PT, Paulo Teixeira (PT-SP). Também ainda não se resolveram os problemas da disputa entre ele e o presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS). E Vaccarezza vem tendo problemas também com outros partidos da base. O episódio do Código Florestal deixou diversas sequelas graves.
Aldo Rebelo, por exemplo, não perdoa ter sido abandonado pelo governo, que nada fez para que ele ganhasse a pecha de vilão do meio ambiente. No Senado, novas inabilidades na condução da discussão do código já trouxeram novas ameaças de explosão. Diante da informação de que seria vetado pelo Palácio do Planalto como relator do Código Florestal, o senador Luiz Henrique (PMDB-SC), por exemplo, ameaçou assinar a CPI sugerida pela oposição para investigar Palocci.
Enfim, o fato é que a coisa enrolou na relação política do governo com o Congresso. De uma forma surpreendente para quem reúne as condições que Dilma reúne. Mais de 70% de apoio numérico tanto na Câmara como no Senado, uma oposição formada por um partido que não para de brigar internamente e outro em vias de extinção. E mesmo assim, perde votações importantes. É óbvio que o governo está perdendo para si mesmo. Precisa mudar urgentemente.
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