No cabo, sem querer, assisti ao filme Sylvia (Plath?) – sim, era ela -, uma espécie de biografia bastante fiel e sombria da escritora Sylvia Plath (1933-1963), que se suicidou enfiando a cabeça num forno aos 30 anos, uma espécie de ícone para gerações de escritores do mundo inteiro. Não pelo suicídio, mas porque com apenas 30 anos de vida conseguir tocar o imaginário, traduzir uma espécie de espírito de época – início da guerra fria, a denúncia nua e crua da suprema hipocrisia do “american way of life”, sobretudo através da denúncia da “popização da cultura” – a difusão duma cultura de plástico quem nem é de plástico nem cultura mas puro merchandising em nome do permanente saque mundial feito pelos americanos, “popização” que destruiu a verdadeira cultura enquanto práxis e lugar do “sublime”, do ideal e do utópico. Como se tais elementos tivessem que ser urgentemente descartados do gênero humano. Sempre em nome da manutenção do império americano que se mantém com o saque global, etc.etc.etc.
A perspectiva escolhida pela diretora Christine Jeffs, com Gwyneth Paltrow e Daniel Craig (vivendo o marido poeta e canalha, Ted Hughes) – esclarece muitos elementos que eu própria desconhecia de sua biografia, eu, que dela só li The Bell Jar – e me apaixonei perdidamente. Tanto que meu romance terá como título Botlle’s (também é um jarro, que, apesar de não ser de cristal, se enche e esvazia conforme os acontecimentos da vida ou as marés, o que dá no mesmo). Mas, ao fim e ao cabo, Sylvia nos legou um perfeitíssimo, puro, magnífico Jarro de Cristal – um objeto perfeito, qual uma ânfora de Fídias: além de sua poesia, entregou a si própria como sacrifício. The Bell Jar é a própria Sylvia, percebem?
Porque ela é the must como escritora? Tentarei explicar: Sylvia escreve como um assassino – seja qual for o fato a ser reportado, o relato é frio, objetivo, totalmente desprovido de emoção, detendo-se demorada, quase desnecessariamente, em detalhes específicos (que só interessariam a um assassino, certo?): funcionais, irônicos, atrozes, banais, involuntariamente poéticos, detalhes dos quais jamais se daria conta um ser humano comum, daí seu estranhamento, sua absoluta originalidade – como se a narradora, embora presente na ação, os visse de longe, de fora, do alto e protagonizado por estranhos, incluindo ela própria – fatos como a perda do emprego, a ruptura dum grande amor, a mudança para um país estranho, a tentativa de suicídio, a separação do marido, e por aí vai.
Sylvia e sua obsessão pelo suicídio: da primeira vez, tomou todas as pílulas da mãe e se escondeu no porão, em local inacessível. Foi achada após três dias, porque ingeriu pílulas demais e as vomitou, por isso sobreviveu. Aí se casou com um canalha, o poetinha Ted Hughes (who?) com vários prêmios literários e amantes recorrentes, uma porra dum sujeito com o qual, se eu fosse ela, não viveria dois dias e daria um pé na bunda, mas não, lá vai dona Sylvia querer “salvar” do naufrágio um casamento inexistente, somando a tudo uma dupla maternidade catastrófica!
Situação que absolutamente ELA NÃO QUERIA, era puro sacher-masoch, suas bodas com o Abismo, e este é o grande mistério!Porque o Abismo retribui o olhar. Então, aos trinta, é compreensível que tenha metido a cabeça no forno e morrido por inalação de gás (imaginam quanta coragem é preciso para isso?), DEPOIS de ter preparado o café da manhã para os filhos – leite e pão com manteiga – e deixado junto à caminha de ambos; feito isto, vedou o acesso da cozinha aos demais cômodos com fita crepe, para que as crianças não inalassem o gás, etc.etc.
Sylvia louca? De certa forma. Talvez, ingênua, inadaptada ao mundo, ironicamente o que a Sylvia escritora e poeta absolutamente genial não são.
Neste âmbito, o mundo é que tome muito cuidado com ela.
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