Eduardo Militão
Entre maio e dezembro deste ano, a população que elegeu o conjunto dos 81 senadores do Brasil ouviu deles claramente quais são seus limites éticos. A mensagem veio por meio dos sucessivos escândalos cujo ponto comum era o nome de Renan Calheiros (PMDB-AL). Afora opiniões individuais, o Senado disse ao povo que o elegeu que não se sente confortável quando pessoas fartamente acusadas, suspeitas ou “supostamente bandidas”, como se chega a dizer por aí, dirigem os rumos da Casa. Entretanto, os senadores toleram a convivência com essas mesmas pessoas, desde que se mantenham à margem da liderança e que respeitem códigos de não-agressão e corporativismo.
Aos fatos. Renan Calheiros perdeu a cadeira de presidente do Senado a partir de maio. Foram seis denúncias e seis representações do Psol, do DEM e do PSDB ao Conselho de Ética. Resultado: duas absolvições em plenário, três arquivamentos, sendo dois sumários, e um processo parado.
Não importa se as denúncias são verdadeiras ou não. Renan foi obrigado a deixar a presidência porque o poder de fogo das acusações e das conseqüências delas denegria a imagem do Senado e de todos os senadores. O fato de o presidente da Casa ser alvo disso era ainda pior. Por muito pouco, Renan escapou da cassação no primeiro processo – acusado de fazer uma emenda para beneficiar a empreiteira Mendes Júnior e, anos depois, ter despesas particulares pagas pela construtora.
Absolvido, os colegas esperavam que ele deixasse a cadeira maior. Como não o fez, causou irritação nos senadores, que ameaçavam cassá-lo na próxima denúncia, que também era forte (diz o relatório de Jefferson Péres rejeitado pelo Plenário que havia indícios de que Renan comprou uma rádio com uso de laranjas, para burlar a Constituição). O alagoano demorou, mas entendeu ser melhor entregar a cadeira a perder o mandato inteiro. Pediu licença, arrefeceu os ânimos e, enfim, renunciou à presidência.
Estava selado o acordo com os colegas de plenário, que até hoje só conseguiram cassar um senador. Em 2000, perdeu o mandato Luiz Estevão (PMDB-DF), atualmente isolado da política com seu clube de futebol e às voltas com ações judiciais pelo superfaturamento das obras do TRT de São Paulo.
Pelo menos as duas acusações contra Renan que quase custaram seu mandato merecem atenção. Uma emenda à LDO para obra de uma empreiteira que, segundo ele, “apenas intermediava” pagamentos à sua ex-amante não é um fato simples. Disfarçar uma vedação constitucional com laranjas não é de se considerar pouco.
Mas indícios – e até provas – não bastam para cassar um parlamentar no Senado. É preciso que esses indícios incomodem muito a imagem da Casa, que atrapalhem a visita dos senadores às suas bases eleitorais, que lhes retirem a agenda das mãos. Ora, então por que Renan não foi cassado?
Porque isso é suficiente apenas para tirar o comando das mãos de pessoas encrencadas e esconder o problema – ou a suspeita – para baixo do tapete. Para se cassar, é preciso ainda um terceiro elemento, presente no caso Luiz Estevão e inexistente na novela Renan: a falta de amigos e pessoas que lhe sejam simpáticas.
Ao contrário de Luiz Estevão, que era recém-eleito em 2000, Renan não chegou ao Senado dia desses. Foi lançado à vida pública nacional em 1990, quando era líder da tropa de choque no Congresso a serviço de Fernando Collor de Mello, homem cuja missão era “salvar os descamisados” e “caçar os marajás”.
Renan tem colegas, parceiros, amigos. Pessoas que entendem que podem, mais cedo ou mais tarde, ser alvo de denúncias em série de tudo que fizerem – ou que lhes venham a atribuir – num passado recente. “Processo todo mundo tem”, já diz Mão Santa (PMDB-PI), que, em 2001, teve o mandato de governador do Piauí cassado por crime eleitoral.
Se…
Garibaldi Alves (PMDB-RN) assume a cadeira de Renan. Até agora, sabe-se que ele é citado em uma petição no Supremo Tribunal Federal que acusa empresários de desviar dinheiro público. Se houver força nesta notícia ou em outras eventuais acusações e se a repercussão for longa, desgastante e incômoda, o destino do novo presidente será o mesmo de Renan, o ostracismo.
Se Garibaldi fosse um desconhecido cheio de inimigos e nenhum aliado, denúncias levariam-no a terminar como Luiz Estevão. Se…
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