A sessão da semana passada, quando foi adiada a votação do relatório de Aldo Rebelo (PCdoB-SP) sobre o novo Código Florestal, foi um daqueles momentos que saem da previsão até do mais experimentado analista das ações e movimentos do Congresso Nacional. Aldo, os líderes e ministros envolvidos, passaram o dia inteiro em reunião. Anunciavam ter chegado a um acordo. A versão final do texto era distribuída. De repente, o líder do governo, Cândido Vaccarezza (PT-SP) sobe à tribuna e, surpreendentemente, alinha toda a base do governo ao oposicionista e minúsculo Psol, recomendando o voto a favor de um requerimento de adiamento da pauta feito pelo partido de Heloisa Helena e Plínio de Arruda Sampaio. Até hoje há quem se pergunte o que de fato aconteceu.
Deixo as análises ambientais para minha amiga Renata Camargo, que é quem entende dessas coisas. Fico aqui, no meu metiê, da tentativa de análise política. E, nesse ponto, o que parece ter acontecido é o seguinte: a máquina de sustentação parlamentar do governo, a estrutura e a lógica na qual o governo Dilma e os governos anteriores a ela também se sustentam, deu xabu, deu defeito.
Diante da informação de que Aldo chegava ao plenário com um texto diferente do que foi submetido a acordo, com as tais pegadinhas mencionadas por Marina Silva no seu Twitter, pequenas alterações que fragilizavam ainda mais mecanismos de preservação ambiental que queria ver mantidos, diante da aparente maioria dos ruralistas no momento, o governo perdeu o controle da situação. Já não sabia qual seria o resultado final da apreciação do relatório de Aldo. Já não tinha ideia de como orientaria o voto da sua bancada. Muito menos sabia se sua bancada acompanharia a sua orientação. A única solução possível foi articular uma retirada para tentar rearrumar a casa e reassumir o controle.
Numericamente, a base do governo conta com 383 deputados. Representa 74% do total. Maioria tão ampla não deveria jamais criar uma situação na qual o governo não fosse capaz de prever como se sairia numa votação. O problema é que tais números podem significar muita coisa ou podem não significar nada. Depende da situação. O defeito que decorre da forma como se estruturam as maiorias parlamentares no Brasil é que elas não são formadas a partir da convicção. O que move a formação da maioria são as promessas de poder, de cargos, de verbas. Para boa parte dos partidos, não exatamente para que possam colocar em prática suas ideias e convicções, mas para que possam se valer dessas estruturas de poder para … se manterem no poder. Do contrário, por que um partido como o PMDB seria parceiro de todos os governos desde a redemocratização do país? Por que o senador Romero Jucá permanece líder seja de que governo for?
Como claramente se pode ver na campanha presidencial, nem Dilma nem Serra tinham por trás de si um detalhado e bem acabado programa de governo que apresentavam aos seus prováveis parceiros. Não obtiveram seus apoios exatamente diante do convencimento de que tinham as melhores propostas para o país. Ora, se a maioria não se formou a partir de um sentimento de convicção, é fácil vê-la desmanchar-se no ar, como aconteceu na semana passada: basta que haja um conflito entre as convicções do governo e as convicções originais de cada parlamentar. É o que se dá na discussão do Código Florestal.
Um dos reflexos do aumento do custo das campanhas políticas foi o crescimento do número de parlamentares que chegam ao Congresso como representantes de setores organizados da sociedade, que financiaram suas eleições. Antes do golpe de 64, num tempo em que as campanhas eram bem mais baratas, boa parte do Congresso era formada por profissionais liberais: médicos, jornalistas, advogados, etc. Hoje, há um número grande de empresários, que defendem seus próprios interesses ou de organizações como a Confederação Nacional da Indústria (CNI) ou a Confederação Nacional da Agricultura (CNA); de sindicalistas, ou ligados a associações fortes da sociedade civil. O grupo de empresários rurais, a chamada bancada ruralista, é uma das mais fortes dessas bancadas da sociedade civil organizada.
Na hora de optar entre o apoio a uma posição não muita clara do governo (porque o governo tem representantes do agronegócio no Ministério da Agricultura e dos ambientalistas no Ministério do Meio Ambiente) e a posição daqueles que financiaram a sua chegada ao Congresso, não é difícil imaginar com quem os parlamentares ficarão. É quando a adesão comprada em troca de poder dá xabu. O Brasil nunca tentou formar uma maioria a partir de uma proposta de país que merecesse a adesão pelo convencimento. Mas os governos insistem em dizer que não há outra forma de se fazer maioria senão em troca de poder e benesses. Então, durmam com um barulho desses.
Chega de “todo mundo faz”, a missão
E o Palocci, para se defender, diz que não foi o único ministro a vender caro serviços de assessoria depois de deixar o governo. E emenda dizendo que “o valor de mercado” de um ex-ministro é muito grande.
É. Não foi o único mesmo. E deve mesmo ser alto “o valor de mercado” de um ex-ministro.
Acho que vou transformar “Chega de todo mundo faz” numa espécie de mantra.
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