Márcia Denser*
Quando os países mergulharam na espiral hiperinflacionária nos 80, não havia a quem recorrer a não ser ao Banco Mundial e ao FMI. Chegando lá, eles deram de cara com o muro de ortodoxia da Escola de Chicago, treinado a encarar crises econômicas, não como problemas a serem resolvidos, mas preciosas oportunidades a serem aproveitadas para expandir as fronteiras do livre mercado. Porque o oportunismo das crises estava embasando a lógica das instituições financeiras mais poderosas do mundo e isso representava uma traição fundamental aos seus princípios fundadores.
Assim como a ONU, o Banco Mundial e o FMI foram criados como uma resposta direta ao horror da Segunda Guerra Mundial. Com o objetivo de não repetir os erros que permitiram a ascensão do nazismo e fascismo na Europa, as potências mundiais se reuniram
Mas o Banco Mundial e o FMI não seguiram essa visão universal, deixando de distribuir o poder de acordo com o princípio de “um país, um voto”, como na ONU. Ao contrário, basearam a força dos participantes conforme o tamanho de suas economias, o que deu aos EUA um poder de veto efetivo sobre as decisões mais importantes, enquanto Europa e Japão controlavam o resto. Nos anos 80, Reagan e Thatcher usaram suas administrações altamente ideológicas para atrelar as duas instituições aos próprios interesses, transformando-as em veículos essenciais para o progresso da cruzada corporativa.
A colonização do FMI e do Banco Mundial pela Escola de Chicago não foi um processo assumido, mas acabou se tornando oficial em 1989 quando seu porta-voz, John Williamson, apresentou ao mundo o “Consenso de Washington”, uma lista de políticas consideradas vitais para a saúde econômica. Tais políticas, apresentadas com incontestáveis (“Não há alternativa!”, era o famoso jargão de FHC) incluíam diretrizes ideológicas baseadas no triunvirato neoliberal de Friedman: privatização, desregulamentação do comércio e cortes drásticos dos gastos públicos. E tais políticas correspondiam às expectativas dos poderosos de Washington em relação à América Latina.
O FMI publicou seu primeiro programa de “ajuste estrutural” em 1983. O princípio era simples: os países em crise precisavam desesperadamente de ajuda emergencial para estabilizar suas moedas. Quando a privatização e as políticas de livre-comércio são empacotadas junto com o socorro financeiro, os países não têm outra escolha senão aceitar o pacote completo. A cena esperta é que os economistas sabiam que o livre comércio e as privatizações não só nada tinham a ver com o fim da crise, como poderiam aprofundá-la.
Contudo, dentro das estruturas de poder de Washington, havia o reconhecimento de que os países endividados estavam se submetendo às suas regras por meio de uma combinação de falsas promessas e clara extorsão: Quer salvar seu país? Venda-o! Chegou-se a reconhecer que privatização e livre comércio – dois elementos centrais do pacote de ajuste estrutural – não tinham ligação direta com a criação da estabilidade monetária. Mas dizer o contrário era praticar “má economia”, isto é, “cometer heresia” contra a ideologia dominante.
Vamos dar apenas o exemplo da crise argentina: no começo dos anos 90, o Estado argentino vendeu as riquezas do país tão rápida e completamente que o projeto ultrapassou o que havia acontecido no Chile uma década antes. Em 94, 90% das empresas estatais haviam sido vendidas para companhias privadas, incluindo Citibank, Bank Boston,etc., as espanholas Repsol e Telefônica. Antes da privatização, o presidente Menem e o ministro Domingo Cavallo
prestaram um “enorme serviço aos novos donos”: demitiram 700 mil empregados das estatais. E num país ainda traumatizado pela tortura em massa, Menem comparou o processo como “uma grande cirurgia sem anestesia”. O único modo de implementar o “ajuste estrutural” imposto por Washington foi tirando vantagem da s
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