Eu andava querendo ler Pornopopéia (Rio, Objetiva, 2009) do Reinaldo de Moraes há um bom tempo. Aliás, em muitos anos foi o primeiro lançamento cuja leitura realmente me interessou por duas razões (vocês também vão notar que, ao longo dessa coluna, vão rolar algumas mudanças na minha linguagem até porque a dicção do maldito é altamente contagiosa ,notadamente se você também é escritor (a) e ligadíssimo (a) nesse lance tipo fenômeno estético até porque não leio livros para me “entreter” – verbinho mais filho-da-puta,hein? – com histórias, digo, simplesmente me entreter, quisesse me entreter ligava a HBO, mas para curtir a linguagem porque, não sei se vocês sabem, a linguagem cria o pensamento e vice versa). Bom.
Então razão number one: 1) pela linguagem; 2) um amigo, intelectual da pesada, que também tem um ângulo cínico-cafajeste, logo cuja opinião eu ouço, havia me dito que estava morrendo de rir lendo este último do Reinaldo; 3) o Reinaldo é meio que da minha geração, com avançadíssima quilometragem literária e é sempre bom conferir o que os coleguinhas geracionais estão fazendo para: a) não ficar de touca; b) não ser desagradável ou agradavelmente surpreendido, depende do nível da tua inveja & talento, sempre inversamente proporcionais, porque; c) se talentoso, não invejoso, ou d) quanto mais medíocre – porque não tem essa de “menos talentoso”, talento se tem ou não, já a mediocridade possui gradações – MAIS invejoso.
De forma que, no meu caso, fui agradavelmente surpreendida. Quer dizer, fiquei putamente feliz (como puderam observar, conforme os parágrafos retro e supra, a modéstia não é realmente meu forte. Nem meu nem do Mirisola). Mas o Reinaldo sempre me pareceu meio sobre o modesto. Antes, muito educado. Um cavalheiro. Vai ver que é isso. Há muita diferença entre diplomacia e modéstia. Bom.
Vamos começar desfazendo algumas mitologias das críticas e resenhas literárias about o Pornopop: o personagem principal, Zeca, cineasta maldito, cocainômano, meio alcólatra, habituê duns charos e duns ácidos, gabiruzíssimo, fissurado em mulher, não é dum “individualismo feroz” porra nenhuma! É um sujeito absolutamente comum – como ele, conheço zilhões. Mas acontece que um grande escritor escreve e assina embaixo aquilo que o ser humano em geral não confessa nem pra si próprio, nem debaixo de pau-de-arara. E é precisamente o que RM faz aqui. Auto-exposição? Não. Auto-imolação: a grande literatura custa os olhos da cara para o criador. Senão, compare-se Pornopopéia com Budapeste do Chico: o primeiro é arte, o segundo, entretenimento.
Naturalmente, na orelha do Pornopop o leitor encontra muitíssimos argumentos pra ler o livro por TODAS AS RAZÕES ERRADAS (pela orelha, EU não leria). O primeiro é a mitologia acima do “feroz individualismo”. Outra é a “obsessão pelo prazer”, “não enxergar o ontem e o amanhã, só o agora”. Outra bobagem. Falando francamente, Zeca não passa dum romântico. Fitzgeraldianamente romântico, no sentido daquela frase do Scott Fitzgerald: “Sentimental é aquele que pensa que as coisas duram. Romântico é aquele que espera, contra toda esperança, que as coisas não durem”. Enfim, um personagem terrivelmente complexo.
Mas como é totalmente desgrilado, sem nenhuma metafísica, como ele mesmo diz mais ou menos assim (Reinaldo, não vou MESMO achar essa frase em tijolo de quase 500 páginas, foda-se): “Não sou deprimido, acho que fico deprimido uma meia hora a cada seis meses, já a ansiedade, etc.”, (em suma: Zeca não é hard, pesado, deprê, fosse assim, taí uma razão definitiva pra mim não ler Pornopop), então Zeca passa por amoral/ imoral/filha-da-puta.
Porquanto seja antes compulsivamente namorador, e amor, para ele, é sexo, desejo, (como para mim também) e por aí vai. Ok, às vezes acho que o livro tem sexo DEMAIS – antes por exigências editoriais – e isto enche o saco, mas é só pular essas partes, no problem.
Outra mitologia besta: a orelha informa ao distinto público que “como Zeca, Reinaldo de Moraes chutou o balde vazio da literatice bem-pensante, e que ele ecoa o que se diz nas ruas e não nos departamentos de literatura”. Merdas assim. Meu Deus, como eu ODEIO ser subestimada! O editor aqui quis vender o Reinaldo como Entretenimento, daí ele aplica esse marketing pra lá de desonesto que é o que – este sim – vai ecoar nos departamentos de literatura,e uma vez que professores não vão ler o livro, a orelha vira juízo acadêmico, e a partir dela vão escrever críticas/resenhas/ser júri de prêmio literário. Donde que os ecos viram altos brados retumbantes equivocados (que merda ficar explicando isso que qualquer um medianamente informado e inteligente deve estar careca de saber, mas enfim, o rei está nu, mas quem se habilita, não é?A não ser a idiota aqui).
Mas nem tudo são flores. Alguns senões do meu ponto de vista: a dupla mania absolutamente infame dos hai-cais e trocadalhos. Analisando “pelo lado de dentro”, do ponto de vista de outro escritor, hai-cais e trocadalhos servem para esquentar o motor da inspiração para ver se ela pega no tranco. E, evidentemente, lá na frente ela acaba pegando, aí a gente então retorna ao hai-cai e ao trocadalho e CORTA. O popular retorno ao texto. Inclusive o próprio RM canta essa bola no romance, fazendo uma metalinguagem básica com seu alter-ego.
Reinaldo deve ter tido problemas com o timing e o plot da narrativa (essa vai ser difícil de explicar), daí o fato do Zeca demorar tempo demais em Porangatuba, com desdobramentos para a finalização que ficou meio xôxa, mas até aí, tudo bem. Não compromete nem de longe, afinal é questão técnica da historinha, algo a quê RM não deve dar a mínima quando o forte, absolutamente forte dele – e sobretudo deste Pornopop – é a linguagem. Hilária, divina.
Porque o clichê, a oralidade deixa de ser clichê e oralidade e vira arcabouço estrutural da narrativa. Ou fenômeno estético. Altamente complexo.
Algo que o leitor comum naturalmente não percebe, nem precisa perceber: basta curtir o livro (deviam me contratar pra fazer orelhas, mas não ia dar pedal porque eu cobraria os olhos da cara: afinal, custa caríssimo ser honesta).
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