Luciano Borges dos Santos*
Em pleno século XXI, o retrato brasileiro são milhares de pessoas que não podem contar com a presença de um defensor público federal. De nada adianta a sociedade proclamar direitos fundamentais como sinônimo de democracia sem que exista um instrumento eficaz capaz de permitir que a população carente possa contar com uma política pública de acesso a direitos.
A Carta republicana elegeu a Defensoria Pública como instituição estatal destinada a permitir que todo indivíduo desafortunado possa exercer seu direito de cidadania, o que reflete um sistema jurídico moderno, pelo qual o Estado busca garantir, e não apenas proclamar, direitos.
Por meio da Emenda Constitucional (EC) nº 45/2004, o Congresso Nacional assegurou à Defensoria Pública dos estados autonomia funcional e administrativa e a iniciativa da proposta orçamentária, sem, contudo, estabelecer o mesmo tratamento à Defensoria Pública da União (DPU), congênere da Defensoria Pública dos estados.
Transparece, de forma muito clara, a necessidade de imediata correção de rumos, pois uma mesma instituição de caráter nacional deve, como forma de preservar o pacto federativo, apresentar estrutura simétrica. Transcorridos mais de 20 anos da vigência da Constituição, a Defensoria Pública da União continua estruturada de forma evidentemente deficiente, mantendo-se uma estrutura de caráter emergencial e provisório reconhecida pela Lei 9.020/95.
A realidade chega a ser constrangedora, pois, para todo o território nacional, há apenas 336 defensores públicos federais em atividade, para atuar em mais de 740 varas federais e juizados especiais federais espalhados pelo território brasileiro, além dos tribunais regionais federais, da Justiça eleitoral e dos tribunais superiores.
Na Justiça do Trabalho, em que pese a DPU ter o dever legal de prestar assistência, há aproximadamente 3 mil juízes trabalhistas. Mas, pela estrutura precária, a DPU não tem condições de abrir atendimento à população nessa senda.
Em 4 de agosto de 2009, houve a criação de 230 varas federais, por meio da Lei 12.011/2009. Se não houver fortalecimento da Defensoria Pública da União, o processo de interiorização da Justiça Federal ocorrerá sem que a população da localidade possa se valer de um defensor público federal.
No exercício da profissão, mesmo em condições adversas, defensores públicos federais têm dado exemplos de coragem e determinação. É o caso do projeto de erradicação do escalpelamento em comunidades ribeirinhas do Norte do país. Mulheres e crianças constantemente são vítimas de terríveis acidentes em que o couro cabeludo é arrancado pela hélice dos motores de barcos – construídos de forma artesanal e precária. A campanha de conscientização das comunidades ribeirinhas foi possível graças à atuação da defensora pública federal Luciene Strada, que está a frente do projeto no âmbito da Defensoria Pública da União, com apoio do governo federal e outros parceiros.
A autonomia administrativa e funcional e a iniciativa de proposta orçamentária são garantias de que esses grupos vulneráveis possam contar com uma instituição pública capaz de definir os rumos institucionais, bem como reflete que o desafortunado poderá contar com defensor público independente, independência essa que, no âmbito da DPU, está relativizada, à medida que a instituição está vinculada ao Executivo federal, que, ao mesmo tempo, é parte adversa habitual nas demandas propostas pelos integrantes da carreira.
Essa realidade é passível de mudança e em curto espaço de tempo, porquanto os deputados federais, como representantes da população brasileira, têm a oportunidade de retificar esse retrato e universalizar a assistência jurídica no país, por meio da Proposta de Emenda Constitucional nº 358/05 (Reforma do Judiciário), o que irá trazer benefícios para mais de 134 milhões de brasileiros, pois a DPU passará a fruir, pelo texto já aprovado no Senado, da aludida autonomia, obtendo assim o mesmo tratamento constitucional da Defensoria Pública dos estados.
Se houver sensibilidade de nossos parlamentares e apoio do governo federal para viabilizar a aprovação da PEC 358/05, estar-se-á dando um grande passo para a efetiva democratização e abertura do canal que permite que toda pessoa carente tenha acesso aos direitos, tanto na esfera federal como estadual.
Luciano Borges dos Santos, 35 anos, defensor público federal, é presidente da Associação Nacional dos Defensores Públicos Federais (Anadef).
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